Direito do Consumidor

123 milhas: recuperação judicial e aspectos jurídicos do caso

Suspensão da emissão de passagens, bloqueio de contas, prejuízos financeiros, demissão de funcionários e, por fim, a recuperação judicial. Tudo isso aconteceu com a empresa 123 milhas nos últimos 20 dias.

Neste artigo, vamos contar um pouco do caso e a situação jurídica da empresa até o momento.

O que é a 123 milhas?

A 123 milhas é uma agência de viagens fundada em 2016, em Minas Gerais. A empresa, que segundo o ranking Agências & Anunciantes foi a segunda maior anunciante no Brasil nos últimos dois anos, praticava preços abaixo do mercado em pacotes de viagens, mas sem datas definidas.

Assim funcionava o negócio, a pessoa comprava o pacote de estadia e voos e a empresa buscava as opções mais econômicas nas empresas aéreas e de acomodação.

O que aconteceu com a 123 milhas após a pandemia?

Após a pandemia de Covid-19 em todo o mundo, a demanda por pacotes de viagens cresceu. Com isso, a empresa passou a ter dificuldades em encontrar os pacotes nos valores anteriormente oferecidos aos seus clientes.

Acontece que, a empresa havia feito uma oferta de cupons “PROMO”, com valores muito abaixo do mercado, que muitas pessoas aproveitaram. Com a dificuldade de encontrar pacotes nos preços oferecidos para a quantidade de pessoas que adquiriram esses pacotes, a empresa teve que tomar uma decisão.

Por essa razão, a 123 milhar anunciou, em 18 de agosto, a empresa informou a seus clientes a situação e que iria fazer uma ação para devolver integralmente as compras dos clientes que adquiriram os produtos “PROMO” em vouchers, com correção monetária de 150% do CDI.

No entanto, muitos clientes só descobriram o cancelamento quando já estavam prestes a embarcar, ou quando chegaram às hospedagens. Além disso, a empresa ainda não ressarciu os consumidores que tiveram suas passagens canceladas e também interrompeu o reembolso anteriormente prometido por meio de vouchers.

Bloqueio de contas

Com o cancelamento das reservas, milhares de consumidores entraram na justiça contra a 123 milhas. Por essa razão, o Tribunal de Justiça do Amazonas autorizou o bloqueio de R$10 milhões nas contas da empresa.

A Justiça de São Paulo também autorizou o bloqueio das contas da empresa em R$ 44.358, 00. E, até o momento, ações de bloqueio seguiram acontecendo até a finalização da análise da solicitação da recuperação judicial da empresa.

Demissões em massa

Com tudo isso, a empresa também teve uma diminuição de vendas e prejuízos financeiros, o que ocasionou em uma demissão em massa dos colaboradores.

Segundo informações dadas pelos ex-funcionários ao portal G1, mais de mil pessoas foram desligadas, no que a empresa chamou de “plano de reestruturação interna, com redução do tamanho da equipe para se adequar ao novo contexto da empresa no mercado”.

Pedido de recuperação judicial da 123 milhas

Em 31 de agosto de 2023, a 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte, deferiu o pedido de recuperação judicial feito pela 123 milhas.

No entendimento da Juíza, a empresa passa por uma situação financeira complicada, mas que pode ser revertida e a agência de viagens poderá voltar a cumprir sua função social.

Assim, o primeiro passo já foi dado para a recuperação: a apresentação da lista de credores da empresa, que deverão avaliar o valor e dentro de 15 dias aceitar ou discordar deste.

Além disso, a justiça determinou um prazo de 30 dias para que a empresa apresente seu plano de recuperação.

Com isso, são pausados todos os processos contra a 123 milhas por um período de 180 dias, prazo que pode ser prorrogado por mais 180 dias.

A recuperação judicial da empresa engloba também a Art Viagens, empresa que pertence aos sócios da 123 milhas e a Novum, holding que abarca 100% do capital da agência de produtos de turismo.

O que é recuperação judicial?

A recuperação judicial é um procedimento jurídico que permite que uma empresa que possua dívidas possa renegociá-las e suspender prazos de pagamentos e de processos.

Por meio dela, a empresa pode discutir com os credores saídas para a crise econômica que impediu o pagamento de suas dívidas.

Qual o objetivo da recuperação judicial?

O principal objetivo da recuperação judicial é evitar a falência. Além disso, serve também para evitar que funcionários sejam demitidos e ainda, manter a arrecadação dos impostos pelo estado.

Ademais, é por meio dela que a empresa garante a manutenção de suas atividades e sua função social.

Como funciona o processo de recuperação judicial?

Empresas com CNPJ e mais de dois anos de atuação que estejam passando por dificuldades financeiras e dívidas podem fazer a solicitação da recuperação judicial, como aconteceu com a 123 milhas.

Após a empresa fazer a solicitação, o(a) juiz(a) do caso faz a análise da petição e decide entre deferir ou não a solicitação de recuperação judicial. Em caso de deferimento, a empresa deve apresentar o plano de recuperação em até 60 dias.

Caso o plano não seja apresentado, pode-se decretar a falência da empresa. O mesmo acontece caso o(a) juiz(a) não defira a recuperação judicial.

Mas se a empresa apresentar o plano, os credores são contatados e informados acerca das datas do processo, solicitar assembleias, acionar a justiça e fazer a seleção e contratação de empresas e profissionais necessários à conclusão da recuperação, assim como, é dado um prazo aos credores para que avaliem e aceitem ou não os valores definidos na recuperação.

Por fim, o plano vai para aprovação judicial e então, o plano começa a ser executado.

Se o plano não receber aprovação do(a) juiz(a), a empresa deve decretar falência. O mesmo ocorre caso o plano receba aprovação, mas a empresa não o execute.

O que é a Lei de recuperação judicial?

A Lei de recuperação judicial é, na realidade, conhecida no mundo jurídico como Lei de falências. A primeira versão desta Lei é de 2005 e dispunha:

Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.

Entretanto, em 2020, a Nova Lei de falências foi promulgada com algumas alterações em relação ao texto anterior. Dentre as mudanças estão:

  1. A inclusão de produtos rurais;
  2. Proibição da retenção ou penhora de bens durante a recuperação judicial;
  3. Mediação e conciliação;
  4. Plano de recuperação criado pelos credores.

Para saber mais sobre, leia os artigos a seguir:

Quem são os credores da 123 milhas?

Com toda essa questão judicial, a 123 milhas acabou com uma dívida total de R$2,3 bilhões, distribuída em mais de 600 credores. São R$1,6 bilhão da 123 milhas e R$ 690,69 milhões da Hotmilhas.

Dentre estes 600 credores, os 10 maiores são:

  • Banco do Brasil — R$ 74,3 milhões
  • Google Brasil — R$ 31,3 milhões
  • Banco BMP (banco das fintechs) — R$ 30,2 milhões
  • Iterpec (turismo) — R$ 25,7 milhões
  • Ezlink LDS (turismo) — R$ 15,4 milhões
  • FF18 – Diversa Turismo — R$ 13,7 milhões
  • Restel (turismo) — R$ 12,4 milhões
  • Confiança Ag de Passagens e Tur Ltda. — R$ 11,1 milhões
  • Alexandre Ferreira Goulart (empresário)— R$ 8,5 milhões
  • Hero Seguros — R$ 8,3 milhões

CPI das Pirâmides Financeira

Além de tudo já comentado, o julgamento da empresa foi para a investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito(CPI) das pirâmides financeiras.

Segundo o presidente da CPI Aureo Ribeiro, os indícios são que a empresa atuava em um esquema de pirâmide – prática proibida no Brasil que prometem ganhos financeiros exorbitantes e irreais aos investidores, mas que não detalham os riscos envolvidos.

Nesta quarta-feira, dia 06 de setembro de 2023, a CPI ouviu o sócio Ramiro Júlio Soares Madureira. Em seu depoimento, o empresário pediu desculpas pelo ocorrido e afirmou que o mercado agiu de maneira diferente do que eles esperavam.

Acreditávamos que o custo do promo diminuiria com o tempo, à medida que ganhávamos eficiência na tecnologia de sua operação e o que o mercado de aviação fosse se recuperando dos efeitos da pandemia. Uma tendência [que] projetamos à época e que se revelou precisamente o oposto

Ainda segundo ele, a recuperação judicial é apenas relativos à ação “PROMO”, que os clientes de outros produtos podem ficar tranquilos com os serviços adquiridos.

Por fim, o empresário ainda negou que o modelo de negócio da 123 milhas seja uma pirâmide financeira. Outros sócios e envolvidos no caso ainda serão ouvidos na CPI.

Conclusão

Ainda não se tem uma conclusão acerca da situação da 123 milhas e menos ainda sobre o que acontecerá com as dívidas aos consumidores.

Ademais, a CPI das pirâmides financeiras ainda precisa ser findada e a recuperação judicial precisa começar de fato a acontecer. Mas, esperaremos pelos desdobramentos do caso.

Perguntas frequentes

Porque a 123 Milhas cancelou minha passagem?

A agência de viagens cancelou passagens áreas dos clientes que adquiriram pacotes com o Voucher “PROMO” pelo fato de não terem conseguido arcar com os custos dessas passagens, que estavam muito abaixo do ofertado pelo mercado.

Quantos processos têm a 123 Milhas?

Hoje, a 123 milhas acumula mais de 16 mil processos judicias no valor de R$ 200 milhões.