Direito Penal

A mulher da casa abandonada: desdobramentos e aspectos jurídicos do caso

Se você estava atento às redes sociais ou acompanhou os noticiários nos últimos meses, especialmente, a partir de junho, você deve ter ouvido falar sobre o Podcast “A mulher da casa abandonada”. A produção é do jornalista Chico Felitti, da Folha de São Paulo e conta a história de Margarida Bonetti, acusada por submeter uma empregada à condição análoga à escravidão.

O podcast teve mais de 4 milhões de ouvintes. A ampla divulgação ocasionou em novas denúncias de situações similares. Mas também aconteceram outras situações em que, nas palavras de Chico para o Podcast de notícias “Café da manhã”, também da Folha de São Paulo:

Foi se derivando e se tornando outra coisa que fugiu ao nosso controle… Mas é uma questão de alcance, a partir do momento que milhares de pessoas se interessam pelo assunto, vão se criando várias narrativas paralelas.

Acontece que, a história possui diversos desdobramentos, alguns inclusive descobertos após o fim da investigação do jornalista, como, exemplo, o fato de que houve sim uma investigação na justiça brasileira sobre o caso.

Este artigo visa, então, discutir estes pontos e agrupar as opiniões de especialistas jurídicos e da legislação sobre o caso. Confira!

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O caso Margarida Bonetti

A história de Margarida Bonetti, no Podcast de Chico Felitti começa com a curiosidade do jornalista ao descobrir que uma senhora vivia em um casarão, que até então, se acreditava abandonado, em um dos bairros mais caros da capital Paulista.

Acontece que, conforme o jornalista conversou com os moradores do bairro, a senhora que lá vive é Margarida Bonetti, filha de Dr. Geraldo Vicente de Azevedo, um importante médico paulistano. Geraldo, por sua vez, é filho de Francisco de Paula Vicente de Azevedo, um fazendeiro, banqueiro, comerciante e Barão de Bocaina, título que recebeu de D. Pedro I; Ou seja, Margarida Bonetti é herdeira de uma grande fortuna, de uma das famílias mais importantes da Elite paulistana. O casarão abandonado é parte dessa herança.

O casamento

Na década de 70, Margarida se casa com Renê Bonetti, outro nome importante da elite paulistana e um dos intelectuais mais respeitados na Universidade de São Paulo (USP).

Após o casamento, Renê Bonetti recebe uma proposta de trabalho nos Estados Unidos. Assim, vão ele, a esposa e uma empregada da família, como “presente de casamento” para o país.

É com essa ida para os Estados Unidos que a história do crime que a mulher da casa abandonada cometeu começa.

O crime

Nos Estados Unidos da América, a empregada que Margarida e Renê levaram começa a trabalhar de maneira análoga à escravidão. Uma vizinha do casal começa a conversar com a empregada e descobre a situação.

Então, a denúncia chega às autoridades americanas que iniciam a investigação que condenou Renê Bonetti a 6 anos e meio de prisão pelo crime de submeter sua ex-empregada a trabalho análogo à escravidão.

Para Margarida, no entanto, não houve condenação. Fugiu de volta para o Brasil, para a casa onde morava sua mãe, hoje conhecida como casa abandonada de Higienópolis. Segundo as informações que o jornalista possui até a publicação do último episódio, nunca houve investigação sobre a mulher da casa abandona, Margarida Bonetti.

Novos desdobramentos e aspectos jurídicos do caso da mulher da casa abandonada

Após a repercussão do podcast “A mulher da casa abandonada”, muitas pessoas questionaram o porquê de não ter havido julgamento de Margarida Bonetti. Mas também, Chico recebeu diversas informações sobre o caso e uma delas, foi a resposta para a questão do julgamento.

Segundo Chico, existe um inquérito que mostra que sim, a justiça brasileira fez uma investigação sobre Margarida Bonetti.

Ocorre que, segundo reportagem do fantástico, em 2000, um representante da embaixada dos Estados Unidos disse à Polícia Civil que o governo americano pediria extradição de Margarida e que todas as informações referentes ao caso seriam enviadas a justiça brasileira.

Entretanto, em 2003, o juiz do caso pediu que o ministério da justiça intervisse na investigação, uma vez que, a embaixada americana não respondeu às solicitações da justiça brasileira. Seis meses depois, outro representante da embaixada americana disse que, de fato, o governo não havia enviado as informações necessárias para que o caso fosse a julgamento no Brasil.

Além disso, a polícia civil brasileira não conseguiu encontrar Margarida Bonetti.

Em 2005, o delegado optou por fazer o indiciamento direto de Margarida Bonetti. Este ato encontra-se na lei 12.830, de 2013, que dispõe em seu 6º parágrafo:

§ 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

Mas, o promotor do caso não concordou com o indiciamento e pediu arquivamento do caso. Isso porque, segundo ele, não existiam provas de que Margarida houvesse entrado no Brasil, e portanto, não poderiam indiciá-la. O Juiz concordou com a promotoria e arquivou o caso.

O professor de Direito Penal da USP, Gustavo Badaró, informou em entrevista ao fantástico que, sem alguns elementos, como depoimentos de testemunhas, imagens da casa, depoimento da vítima, entre outros, de fato, a autoridade brasileira não podia fazer muita coisa.

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A prescrição do crime

Além de todos esses desdobramentos, como Felitti comentou no podcast “Café da manhã, da Folha de São Paulo, novos acontecimentos marcaram a história da mulher da casa abandonada. Isso porque, no dia 20 de julho de 2022, a polícia civil entrou na casa abandonada, onde vive Margarida Bonetti.

A ação policial reuniu muitas pessoas, influencers, defensores dos direitos dos animais e diversos jornais e telejornais que acompanharam a invasão.

Muitas pessoas em todo o Brasil, acreditam ser injusto o fato de Margarida nunca ter pago pelo crime e que a polícia deveria, hoje, iniciar nova investigação.

Acontece que, Margarida Bonetti não deve nada a justiça brasileira. Isso porque, o crime cometido há mais de dez anos já prescreveu.

Segundo o código penal, o caso de margarida enquadra-se na prescrição antes de trânsito em julgado, assim:

Prescrição antes de transitar em julgado a sentença

        Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:         (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

        I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

        II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

        III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

        IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

        V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

        VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.         (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

O crime prescrevendo, extingue-se a punibilidade, segundo o mesmo código:

Extinção da punibilidade

        Art. 107 – Extingue-se a punibilidade:  (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

(…)

IV – pela prescrição, decadência ou perempção;

(…)

Do crime

Quando um cidadão brasileiro comete um crime nos Estados Unidos – ou qualquer outro país – e volta a seu país de origem, seja por vontade própria ou por extradição, ele não será necessariamente julgado no seu país de origem.

Isso porque, existem diferenças nas legislações. Ou seja, o que é crime em um país, pode não ser em outro. Apesar disso, o crime cometido pela mulher da casa abandonada, Margarida Bonetti, é crime tanto nos Estados Unidos, como no Brasil e está disposto no art. 149 do Código Penal:

Redução a condição análoga à de escravo

        Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:        (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

        Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.        (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

        § 1o Nas mesmas penas incorre quem:          (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

        I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;         (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

        II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.        (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

        § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:        (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

        I – contra criança ou adolescente;          (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

        II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.          (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

É importante atentar-se ainda que, no § 2º, a pena para quem mantém uma pessoa em situação análoga à escravidão aumenta, segundo o inciso II do artigo supracitado.

A reviravolta do caso da mulher da casa abandonada

A história ainda teve uma última reviravolta. Segundo o jornal Folha de São Paulo, a ação do dia 20 de julho ocorreu por uma nova investigação sobre Margarida Bonetti, onde, dessa vez, ela seria a vítima.

Segundo as denúncias de vizinhos, as condições de vida da mulher da casa abandonada, se caracterizariam como abandono de incapaz, uma vez que dizem que a mesma apresenta problemas de saúde mental.

Entretanto, após entrarem na casa, a polícia entendeu que, na realidade, Margarida não sai da casa, ainda que a mesma esteja em condições precárias, porque não quer. Apesar disso, os familiares ainda podem sofrer punições por abandono de incapaz, a depender do resultado das novas investigações.

Não escutou ou não conhece ainda? Conheça agora o Podcast “A mulher da casa abandonada” e entenda melhor essa história:

Principais perguntas sobre o assunto

Maragarida Bonetti vai ser presa?

De acordo com a data do crime cometido e pelo fato do arquivamento do caso, não. Isso porque, na legislação brasileira, os crimes prescrevem após 20 anos. Por não ter ocorrido julgamento da mulher da casa abandonada na época em que o crime foi cometido, então, o crime de Margarida prescreveu, e, portanto, ela não possui dívidas com a justiça brasileira.

Quem é a mulher da casa abandonada?

A mulher da casa abandonada é Margarida Bonetti, herdeira de uma importante família da elite paulistana e acusada de manter uma empregada em situação análoga a escravidão nos anos 2000, nos Estados Unidos da América.