A Constituição Federal de 1988 estabelece as normas dogmáticas do país, em mais de 250 artigos, e é certamente um dos diplomas mais importantes do arcabouço jurídico atual. Mas, você sabe o que é o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ou ADCT, da Constituição?
O ADCT é um conjunto de normas à parte da CF, contando, inclusive, com numeração de artigos própria. Na prática, o Ato das Disposições estabelece medidas temporárias, não permanentes, de transição entre uma Constituição e outra.
Contudo, na prática, o ADCT segue contendo artigos vigentes até hoje e é a parte da Constituição Federal que mais emendas recebe.
Neste artigo, você entenderá em detalhes o que é o ADCT, conhecerá alguns de seus artigos mais importantes e verá como ele se aplica no dia a dia dos profissionais que atuam no meio jurídico, sobretudo no âmbito do Direito Constitucional. Vamos lá?
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ADCT é a sigla para Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Trata-se de um conjunto de normas de natureza constitucional, erigidas com o intuito de disciplinar a transição legal, da Constituição Federal de 1969 para a CF de 1988.
Assim, como o próprio nome já sugere, as disposições constitucionais de um ADCT tem caráter transitório. Ou seja, elas não compõem o conjunto de normas constitucionais permanentes da nação.
E, embora muitos dos artigos que compõem o ADCT ainda tenham validade nos dias atuais, há também uma parte considerável do seu texto que já foi superada. É o caso, por exemplo, dos artigos que regulamentavam o primeiro processo eleitoral pós-promulgação da constituição.
De qualquer forma, o trecho do texto legal que compõe o ADCT na Constituição recebe emendas de caráter transitório até os dias atuais – as emendas constitucionais são o instrumento legal para alterar o ADCT.
Isto posto, fica evidente que é fundamental aos profissionais do Direito – sobretudo àqueles que atuam no ramo do Direito Constitucional, conhecer e compreender o papel do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
O ADCT tem uma função bastante clara e específica: serve para regulamentar a transição entre um texto constitucional e outro.
Assim, durante um período pré-estabelecido, os procedimentos e prazos vigentes podem não seguir a constituição de 1969, tampouco a de 1988, sendo regrados pelo disposto no ADCT.
Com efeito, no entanto, ao longo dos últimos anos, as propostas de Emenda à Constituição (PECs) que versem sobre direitos, deveres e garantias não-permanentes, tem sido incluídas na seção de ADCT.
É o caso, por exemplo, de algumas emendas constitucionais que fizeram frente a situação de pandemia da Covid-19, sobretudo em 2020 e 2021. No ano de 2022, por exemplo, a ADCT da Constituição recebeu emenda permitindo a expansão de gastos públicos em programas de assistência social, como o Auxílio Brasil.
Os exemplos acima têm em comum o fato de tratarem-se de disposições transitórias, isto é, com prazo determinado. Elas podem ser revogadas a qualquer momento, sem que prejudiquem ou alterem as disposições gerais e permanentes da CF.
O ADCT, no nível prático, se localiza após o Título IX, das Disposições Constitucionais Gerais, na CF de 1988. Ele é considerado por muitos juristas como a terceira e última parte da Constituição, numa estrutura composta por:
Embora conte com mais de uma centena de artigos, é preciso considerar que, em 1988, eram cerca de 70 artigos apenas. E, nem todos seguem produzindo efeitos legais nos dias de hoje.
Apesar disso, no entanto, há alguns trechos do ADCT que continuam merecendo atenção especial, sobretudo dos profissionais do direito. Além disso, cabe lembrar, a CF é um dos principais diplomas do ordenamento jurídico brasileiro, e conhecer todas as suas partes é fundamental.
Logo, abaixo, você verá alguns dos artigos-chave do ADCT da CF.
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Sem o intuito de construir uma lista exaustiva, abaixo, separamos alguns dos artigos do ADCT que mais comumente geram dúvidas. São disposições transitórias, mas com efeitos importantes até os dias atuais.
Vamos lá?
O artigo 3 do ADCT da Constituição Federal tem por mérito a previsão de revisão da CF, mediante prazo e procedimento pré-determinados, conforme segue:
Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.
Sobre o Art. 3º e a temporalidade nele explicitada, cabe destacar o que expressou o jurista Pedro Lenza, na obra Direito Constitucional Esquematizado:
“Como o próprio texto constitucional prescreve, após 5 anos, contados de 05.10.1988, seria realizada uma revisão na Constituição. Desde já observamos que referida revisão constitucional deveria dar-se após, pelo menos 5 anos, podendo ser 6,7, 8… e apenas uma única vez, sendo impossível uma segunda produção de efeitos.”
Mas, o que efetivamente significa fazer a revisão constitucional de que fala o art. 3º? O magistrado Luís Roberto Barroso, na obra Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, entende que a revisão constitucional costuma conter em si mudanças profundas e abrangentes, seja no nível qualitativo ou quantitativo do texto.
Apesar do caráter “abrangente” que uma revisão constitucional poderia assumir, importa lembrar que o Art. 60 da Constituição limita essa revisão (ou qualquer emenda), sobretudo no parágrafo quarto, quando traz:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
Ademais, sobre os limites da revisão constitucional, cabe ainda destacar o parecer da Ministra Néri da Silveira, na ADI 981 MC. Ela defende o poder limitador do Art. 60 da CF e lembra o Plebiscito de 1993, quando a população brasileira deliberou acerca da forma e do sistema de governo do Brasil. Conforme segue:
Emenda ou revisão, como processos de mudança na Constituição, são manifestações do poder constituinte instituído e, por sua natureza, limitado. Está a “revisão” prevista no art. 3º do ADCT de 1988 sujeita aos limites estabelecidos no § 4º e seus incisos do art. 60 da Constituição. O resultado do plebiscito de 21 de abril de 1933 não tornou sem objeto a revisão a que se refere o art. 3º do ADCT. Após 5 de outubro de 1993, cabia ao Congresso Nacional deliberar no sentido da oportunidade ou necessidade de proceder à aludida revisão constitucional, a ser feita “uma só vez”. As mudanças na Constituição, decorrentes da “revisão” do art. 3º do ADCT, estão sujeitas ao controle judicial, diante das “cláusulas pétreas” consignadas no art. 60, § 4º e seus incisos, da Lei Magna de 1988. [ADI 981 MC]
O Art. 10 do ADCT segue gerando implicações legais, sobretudo no que se refere ao inciso II, b. Vejamos o que diz a lei:
Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
I – fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, “caput” e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966 ;
II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
a) do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato;
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
§ 1º Até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias.
§ 2º Até ulterior disposição legal, a cobrança das contribuições para o custeio das atividades dos sindicatos rurais será feita juntamente com a do imposto territorial rural, pelo mesmo órgão arrecadador.
§ 3º Na primeira comprovação do cumprimento das obrigações trabalhistas pelo empregador rural, na forma do art. 233, após a promulgação da Constituição, será certificada perante a Justiça do Trabalho a regularidade do contrato e das atualizações das obrigações trabalhistas de todo o período.
Tem-se, então, um artigo para regular, especificamente, condições de proteção ao trabalhador, frente à despedida arbitrária ou sem justa causa (Art. 7º, inciso I da CF).
Especificamente no que diz respeito aos direitos da gestante, o ADCT prevê estabilidade provisória a relação trabalhista da empregada gestante, por prazo que se estende até 5 meses após o parto.
Em complemento a essa disposição transitória, a Lei Complementar 146/2014 estende essa estabilidade também a pessoa que assume a guarda da criança, em caso de falecimento da mãe.
O artigo 11 da ADCT trata da autorregulação e autolegislação dos estados e municípios, e serviu para determinar prazos e procedimentos para elaboração das constituições estaduais, bem como, da lei orgânica na esfera municipal. Conforme segue:
Art. 11. Cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta.
Parágrafo único. Promulgada a Constituição do Estado, caberá à Câmara Municipal, no prazo de seis meses, votar a Lei Orgânica respectiva, em dois turnos de discussão e votação, respeitado o disposto na Constituição Federal e na Constituição Estadual.
Na prática, portanto, os procedimentos de elaboração e reforma da Constituição de Estados e Municípios precisa seguir os mesmos princípios da Constituição Federal.
Este artigo foi utilizado na fundamentação da decisão da Ministra Rosa Weber, relatora na ADI 6453/RO, de fevereiro de 2022. A questão em julgamento versava sobre o quórum necessário para a aprovação de emendas nas constituições estaduais, especificamente no caso da Constituição do Estado de Rondônia.
Como resumiu o informativo do STF nº 1043/2022:
As regras e parâmetros do processo legislativo federal, como é o caso do processo de reforma constitucional, na forma disposta pela Constituição Federal (CF), é de reprodução obrigatória nas Constituições estaduais, em estrita observância ao princípio da simetria, ao qual a autonomia dos estados-membros se submete, a teor do que prevê os arts. 25 da CF (2) e 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT (3).
Apesar de muitos dos artigos da adct serem considerados obsoletos, alguns permanecem mais que atuais. É o caso do art. 15º, que dispõe sobre o direito territorial de Fernando de Noronha:
Art. 15. Fica extinto o Território Federal de Fernando de Noronha, sendo sua área reincorporada ao Estado de Pernambuco.
O que acontece é que existia uma briga política de posse sobre a região e a partir da constituição, a mesma foi acoplada ao município de Pernambuco.
O artigo 19 do ADCT da Constituição de 1988 acabou por criar estabilidade no cargo para uma parcela dos servidores públicos que cumprissem às diretrizes do referido artigo. Na letra da lei:
Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.
§ 1º O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do “caput” deste artigo, exceto se se tratar de servidor.
§ 3º O disposto neste artigo não se aplica aos professores de nível superior, nos termos da lei.
A norma, que cria uma exceção à necessidade de concurso público para aquisição de estabilidade, é alvo de inúmeras discussões. Alguns juristas entendem que não se trata de dispositivo novo, tendo algo de similar com normas instituídas ainda na Constituição de 1967.
Outros, entendem que essa exceção cria uma espécie de insegurança jurídica. Discutem, ainda, as eventuais diferenças conceituais que podem existir entre a ideia de estabilidade e a de efetividade no cargo.
Frente a essa celeuma, trecho da ADI 100, sob relatoria da Ministra Ellen Gracie, oferece uma importante síntese da questão, conforme entendimento do Superior Tribunal Federal. In verbis:
A exigência de concurso público para a investidura em cargo garante o respeito a vários princípios constitucionais de direito administrativo, entre eles, o da impessoalidade e o da isonomia. O constituinte, todavia, inseriu no art. 19 do ADCT norma transitória criando uma estabilidade excepcional para servidores não concursados da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que, quando da promulgação da CF, contassem com, no mínimo, cinco anos ininterruptos de serviço público. A jurisprudência desta Corte tem considerado inconstitucionais normas estaduais que ampliam a exceção à regra da exigência de concurso para o ingresso no serviço público já estabelecida no ADCT federal.
O ADCT é parte integrante da Constituição. Então, assim como ocorre no que se refere às normas dogmáticas da CF, também no que diz respeito às disposições transitórias, faz-se necessário aprovar emenda constitucional.
Na ementa do ADI 829-3, que decidia acerca da alteração da data de um plebiscito previsto no ADCT, lê-se a seguinte interpretação:
Contendo as normas constitucionais transitórias exceções à parte permanente da Constituição, não tem sentido pretender-se que o ato que as contém seja independente desta, até porque é da natureza mesma das coisas que, para haver exceção, é necessário que haja regra, de cuja existência aquela, como exceção, depende. A enumeração autônoma, obviamente, não tem o condão de dar independência àquilo que, por sua natureza mesma, é dependente.
A ADI 829, assim, deixa claro a ligação existente entre as disposições permanentes e àquelas transitórias. Valendo, portanto, os mesmos princípios de reforma via emenda constitucional para ambas.
Com efeito, as emendas constitucionais são um recurso largamente utilizado pelos legisladores brasileiros. A ponto de suscitar em algumas correntes do Direito a intenção de que se reforme a constituição de modo a excluir o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Fato é que, como resume o jurista Paulo Modesto, professor de Direito na Universidade da Bahia:
O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) é o segmento da Constituição Brasileira de 1988 que recebeu o maior número de acréscimos e alterações nos trinta e dois anos de vigência da lei fundamental. Com 70 artigos na origem, essa fração do texto constitucional aos poucos converteu-se em depósito assistemático de normas de emendas constitucionais e recebeu revisões e extensões sucessivas, isto é, normas transitórias de segundo e terceiro graus, cujo objeto principal de modificação foram as normas transitórias anteriores.
Em 2010, o deputado Sérgio Carneiro chegou a apresentar Proposta de Emenda à Constituição (PEC 467/10), com o intuito de revogar o ADCT, desapensando-o da CF. Essa PEC foi arquivada em 2015.
ADCT é a sigla para Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Representam um conjunto de normas de natureza constitucional, apensadas ao final da Constituição Federal de 1988, com o intuito de disciplinar a transição legal, da CF de 1969 para a CF de 1988. O ADCT segue recebendo emendas constitucionais até hoje.
Disposições transitórias, no contexto da Constituição Federal, representam um conjunto de normas não permanentes, em geral com prazo de vigência ou aplicação pré-definida. Com efeito, essas disposições transitórias, considerando seu significado original, deveriam servir exclusivamente para regrar a transição entre uma constituição e outra (caso da CF 67 para a CF 88).
O artigo 10 do ADCT da Constituição Federal segue tendo efeitos práticos até hoje, sobretudo no que se refere à proteção contra demissão sem justa causa de empregradas gestantes. De acordo com esse artigo, as mulheres nessa condição não podem sofrer dispensa arbitrária ou demissão sem justa causa, desde o momento em que comunicam sua gravidez, até cinco meses após o parto.
O ADCT tem natureza jurídica de norma constitucional, assim, tem a mesma importância que as regras dispostas na constituição federal.
Depois de muitas mudanças, atualmente, o ADCT conta com 114 artigos que dispõe as regras para mudanças na constituição.
Diante do exposto, fica evidente a importância do ADCT, mesmo nos dias atuais. Conhecer as normas ali presentes é fundamental para a atuação dos advogados, sobretudo aqueles que trabalham no âmbito do Direito Constitucional.
E, embora muitos artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias já tenham perdido aplicabilidade prática, essa segue sendo o trecho do livro constitucional mais comumente emendado nos dias atuais.
Assim, estar por dentro dos principais artigos e emendas é fundamental.
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quero fazer parte desse aprendizado.