ADI 5766, julgada pelo STF, declarou inconstitucional trechos da CLT que foram alterados pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17). Com isso, modificou as condições de pagamento de honorários sucumbenciais e periciais, por parte de beneficiários da justiça gratuita. Veja o que muda.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5766 gerou polêmica – e deixou muitas dúvidas – no meio jurídico. Sobretudo, entre os profissionais do Direito que atuam no âmbito trabalhista.
Na prática, as inconstitucionalidades declaradas pela ADI 5766 impactam no acesso ao sistema judiciário por parte das pessoas beneficiárias da justiça gratuita. E, por outra feita, impactam também no recebimento de honorários periciais e de sucumbência, inclusive com efeitos retroativos – em honorários sucumbenciais já recebidos.
Neste artigo, você entenderá o que ficou definido a partir do julgamento dessa ADI pelo Superior Tribunal Federal (STF). Verá ainda os efeitos práticos e conhecerá as discussões sobre a aplicação temporal desses efeitos. Fique conosco, e boa leitura!
A Ação Direta de Inconstitucionalidade 5766, do Superior Tribunal Federal (STF), tem por objeto a Lei 13.467/17, popularmente conhecida como Reforma Trabalhista ou nova lei trabalhista.
Especificamente, a ADI 5766 julgou inconstitucional alguns trechos dos artigos 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Os referidos trechos do texto legal dizem respeito ao benefício da gratuidade da justiça, no âmbito laboral.
A matéria passou quase 2 anos na corte, tendo sido julgada parcialmente procedente apenas em outubro de 2021. Entretanto, foi só em 03 de maio de 2022 que o acórdão foi oficialmente publicado.
Esse acórdão acabou por alterar as condições de pagamento de honorários sucumbenciais e honorários periciais, estabelecidos a partir da Reforma Trabalhista, por parte dos beneficiários da justiça gratuita.
Em resumo, a nova lei trabalhista determinou que os honorários sucumbenciados devidos pelo beneficiário da justiça gratuita poderiam ser descontados dele se, no processo em questão ou em outro, tivesse ele obtido créditos.
Como veremos em mais detalhes ao longo deste artigo, o STF entendeu que a obtenção de créditos não afasta do beneficiário a condição de hipossuficiência.
Mas, não apenas isso. Para além do tema dos honorários, a decisão publicada em maio não deixava claro se a inconstitucionalidade retroage sobre todos os julgados desde a Reforma Trabalhista, em 2017.
De modo que, a ADI 5766, não apenas gerou dúvidas entre leigos e advogados, como também criou um ambiente de incertezas. Como veremos, em junho de 2022, o Supremo Tribunal Federal julgou Embargos de Declaração, dirimindo, enfim, a questão da modulação temporal.
Para entender os impactos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5766, antes, é preciso ter em mente alguns conceitos básicos do Direito.
A diferença entre honorários sucumbenciais e periciais, e o significado da expressão “beneficiário da justiça gratuita” são algumas das definições que veremos a seguir. Só então é que adentraremos nas consequências práticas da ADI 5766.
Os honorários de sucumbência são aqueles pagos pela parte vencida e determinados pelo juiz. Assim, a parte que “perdeu” a ação fica obrigada a fazer a quitação dos honorários sucumbenciais do advogado da parte “vencedora”.
Na prática, os honorários de sucumbência no novo Código de Processo Civil (CPC) corresponderão a no mínimo 10% e no máximo 20% do valor da causa.
Já na Justiça do Trabalho, desde a Reforma Trabalhista, vigoram os percentuais de 5 à 15% de honorários sucumbenciais sobre “o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa” (Art. 791-A)
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Honorários periciais compreendem o valor pago pelos serviços técnicos prestados por um perito. No âmbito trabalhista, a prova pericial pode ser solicitada, por exemplo, para verificar a insalubridade de um determinado ambiente de trabalho ou para atestar uma doença laboral.
Quando uma das partes de um processo (autor ou réu) solicita prova pericial, o juízo requererá o depósito dos honorários periciais. No caso da parte solicitante ser beneficiária da justiça gratuita, o procedimento é distinto, no entanto.
A nova lei trabalhista (Lei 13.467/17) determinou que, mesmo as partes beneficiárias do direito da justiça gratuita, tendo crédito advindo da própria ação ou de outras, deveriam arcar com os honorários periciais.
Como ficará claro nas próximas sessões, a ADI 5766 provocou alterações nessas disposições.
O beneficiário da justiça gratuita é a pessoa, natural ou jurídica, que demonstra insuficiência financeira para arcar com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
O acesso à Justiça gratuita é um direito previsto na Constituição Federal (CF/98). No novo CPC, a gratuidade está estabelecida no Art. 92 .
Já no que se refere à Justiça Trabalhista, a previsão se encontra explicitamente no Art. 790, nos parágrafos 3º e 4º, cuja redação foi modificada pela Reforma Trabalhista. In verbis:
§ 3o É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
§ 4o O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.
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Em resumo, são três os artigos alvo da ADI 5766, todos eles introduzidos à CLT por meio da Reforma Trabalhista. Importa destacar que o pedido original da Ação não pede a inconstitucionalidade da integralidade dos três artigos, mas sim de expressões específicas de trechos dos artigos.
Assim, ao final, o acórdão registrou os seguintes pareceres:
O que os três pedidos têm em comum? Todos eles envolvem direitos do beneficiário da justiça gratuita, que foram limitados ou condicionados pela nova lei trabalhista.
Em suma, pode-se dizer que os ministros do STF discutiram a constitucionalidade das medidas descritas nos três artigos, tomando em conta o direito de acesso à Justiça (previsto na CF), por um lado, e a responsabilidade com o dinheiro público, por outro.
O voto vogal do Ministro Edson Fachin resumiu o imbróglio criado a partir da Reforma Trabalhista, nos seguintes termos:
Verifica-se, portanto, que o legislador ordinário, avaliou o âmbito de proteção do direito fundamental à gratuidade da Justiça, confrontou-o com outros bens jurídicos que reputou relevantes – notadamente a economia para os cofres da União e a eficiência da prestação jurisdicional – e impôs condições específicas e restrições para o seu exercício, por parte dos litigantes perante a Justiça do Trabalho.
Uma vez contextualizada a situação em debate, é hora de entender, artigo a artigo, o que ficou decidido a partir da ADI 5766. Comecemos pelo Art. 790-B
O caput e o parágrafo 4º do Art. 790-B da CLT foram objeto da ADI 5766. Na letra da lei:
Art. 790-B. A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita.
[…]
§ 4o Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo.
Portanto, fica evidente que o artigo trata da responsabilidade de pagamento pelos honorários periciais, quando a parte que requereu a perícia é beneficiária da justiça gratuita.
O texto legal estabelecia que, mesmo sendo beneficiário, a parte seria responsabilizada pelos honorários periciais. A redação dada pela Reforma Trabalhista deixava transparecer que os honorários periciais seriam descontados dos créditos obtidos pela parte, no processo em questão, ou em outro.
Ao fim e ao cabo, o STF julgou a utilização de créditos prevista no Art. 790-B como inconstitucional. Ou seja, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais não é mais, obrigatoriamente, responsabilidade da pessoa beneficiária da justiça gratuita.
Importa destacar, mais uma vez, que o acórdão proferido em virtude dos Embargos de Execução deixa claro que a inconstitucionalidade não se aplica a totalidade do artigo, mas sim à expressão “ainda que beneficiária da justiça gratuita”.
E, então, é possível que você esteja se perguntando, quem paga esses honorários periciais agora? A responsabilidade é retirada do beneficiário da justiça gratuita e recaí, finalmente, sobre a União.
O Art. 791-A, § 4º, foi julgado inconstitucional, no trecho que se refere aos créditos dos beneficiários trabalhistas. Vejamos o que diz essa passagem do texto legal, com destaque pra o trecho julgado inscontitucional:
“Art. 791-A
[…]
§ 4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.”
A decisão do STF vai no sentido de evitar que o recebimento de créditos ao longo do processo trabalhista (ou de outro processo) anule a condição de hipossuficiência do beneficiário sucumbente.
Em outras palavras, se a parte que é beneficiária da justiça gratuita é vencida (parcial ou totalmente), ainda que ela receba créditos naquela ação (ou em outra), estes créditos não poderão ser imediatamente utilizados para quitar os honorários da parte vencedora (honorários de sucumbência).
Na prática, ocorre a suspensão da exigibilidade de pagamento, pelo período de dois anos após o trânsito em julgado. Transcorrido esse tempo, deverá o credor demonstrar que a “situação de insuficiência de recursos” do beneficiário foi superada. Apenas então é que o beneficiário ficará responsável por quitar os honorários sucumbenciais.
Fica evidente, ainda, que o ônus de demonstrar a mudança de condição da parte até então beneficiária recai exclusivamente sobre o credor. Se ele não o fizer, é extinta a obrigação do beneficiário da justiça gratuita.
O art. 844 da CLT especifica as medidas cabíveis quando o reclamante não comparece a uma audiência. Com a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17), foi incluído o parágrafo 2º nesse artigo – alvo de julgamento na ADI 5766. Vejamos:
§ 2o Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.
O trecho foi considerado constitucional pelo STF. Assim, o trabalhador que obter o benefício da justiça gratuita e não comparecer à audiência, poderá ser responsabilizado pelo pagamento das custas processuais.
Na ementa do acórdão, a constitucionalidade do Art. 844 da CLT foi assim delimitada:
2. A ausência injustificada à audiência de julgamento frustra o exercício da jurisdição e acarreta prejuízos materiais para o órgão judiciário e para a parte reclamada, o que não se coaduna com deveres mínimos de boa-fé, cooperação e lealdade processual, mostrando-se proporcional a restrição do benefício de gratuidade de justiça nessa hipótese.
As decisões da ADI 5766 tem um impacto prático na vida do cidadão que acessa a justiça laboral. Mas também, evidentemente, impacta na rotina dos profissionais que atuam com Direito Trabalhista.
Logo, abaixo, resumimos as principais consequências práticas dessa Ação Direta de Inconstitucionalidade, para ambos os públicos. Vejamos.
Podemos resumir o que mudou com a decisão proferida na ADI 5766 em 04 pontos. Conforme segue:
Cabe lembrar que os beneficiários da justiça gratuita nos processos trabalhistas são, na maioria das vezes, os empregados.
Assim, a inconstitucionalidade do desconto de honorários periciais e sucumbenciais dos créditos obtidos tem o efeito prático de colocar esses empregados em uma posição mais favorável, se comparado ao texto vigente antes da ADI 5766
A questão do pagamento dos honorários sucumbenciais é o ponto mais delicado para os advogados trabalhistas – sobretudo, aqueles que receberam honorários desse tipo em período anterior à ADI 5766. Isso porque o STF não aceitou o pedido de modulação temporal dos efeitos da ADI.
Mas, você sabe o que é a modulação?
A declaração de inconstitucionalidade posta pela ADI 5766, a priori, tem efeito ex tunc. Isto é, a inconstitucionalidade declarada pelo STF produz efeitos a partir da data de julgamento da ADI e poderia afetar todas as decisões tomadas tendo como base os trechos dos artigos em desacordo com a Constituição.
O pedido de modulação temporal, então, solicitou que a corte restringisse os efeitos da decisão, tornando-os apenas progressivos (ex nunc). Isto é, que revogasse a retroatividade dos efeitos da inconstitucionalidade.
Contudo, em junho de 2022, a corte julgou improcedente o pedido realizado via Embargos de Declaração, de modo que se manteve o princípio do ex tunc.
Assim, você pode estar se perguntando: como ficam os honorários de sucumbência já pagos, por beneficiários da justiça gratuita em ações trabalhistas? O professor Élisson Miessa explicou quais são as consequências práticas.
Segundo ele, para o caso de:
Cabe destacar que o acórdão foi publicado apenas em 03 de maio de 2022, mas o julgamento foi concluído em 20 de outubro de 2021. Para efeitos jurídicos, deve-se considerar a data de outubro como princípio da aplicação.
A complexidade da ADI 5766 gerou uma infinidade de dúvidas, não apenas para empregadores e empregados, mas também para os advogados que atuam na seara trabalhista.
Contudo, os Tribunais do Trabalho já estão aplicando o disposto na ADI 5766. É o caso do julgamento de recurso realizado em julho de 2022, pela Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho. Analisar esse caso real pode ser didático para a compreensão dos efeitos da ADI.
Na ação, uma trabalhadora, contratada como auxiliar de cozinha, pleiteava o pagamento de adicional de periculosidade e salário suprimido. A Vara de Trabalho de Joinville, onde o caso tramitou, acolheu apenas em parte o pleito da auxiliar.
Assim, ela obteve ganho de causa em relação ao pagamento do adicional de salário. Mas, foi vencida na questão da periculosidade. O juiz deferiu o pedido de acesso à justiça gratuita da empregada, mas condenou-a a pagar:
O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) manteve as condenações, após a defesa da empregada ter recorrido por meio de recurso ordinário.
Assim, em recurso de revista, a questão foi levada ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ali, o ministro relator, Alberto Bastos Balazeiro, tendo como base o disposto na ADI 5766, entendeu que:
4. A inteligência do precedente firmado pelo Supremo Tribunal Federal não autoriza a exclusão da possibilidade de que, na Justiça do Trabalho, com o advento da Lei nº 13.467/17, o beneficiário da justiça gratuita tenha obrigações decorrentes da sucumbência que restem sob condição suspensiva de exigibilidade; o que o Supremo Tribunal Federal reputou inconstitucional foi a presunção legal, iure et de iure, de que a obtenção de créditos na mesma ou em outra ação, por si só, exclua a condição de hipossuficiente do devedor.
5. Vedada, pois, é a compensação automática insculpida na redação original dos dispositivos; prevalece, contudo, a possibilidade de que, no prazo de suspensão de exigibilidade, o credor demonstre a alteração do estado de insuficiência de recursos do devedor, por qualquer meio lícito, circunstância que autorizará a execução das obrigações decorrentes da sucumbência.
E, tendo esse entendimento, decidiu quanto:
A ADI 5766 é a Ação Direta de Inconstitucionalidade por meio do qual o STF julgou a adequação constitucional de três trechos de artigos incluídos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por meio da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17). Os trechos julgados inconstitucionais pela corte dizem respeito ao pagamento de honorários sucumbenciais e periciais pelos beneficiários da justiça gratuita, por meio do uso de créditos obtidos no próprio processo ou em outras ações.
O julgamento da ADI 5766 foi realizado em 20 de outubro de 2021. Contudo, apenas em 03 de maio de 2022 o acórdão foi publicado. Trechos dos artigos 790-B e 791-A foram julgados inconstitucionais. Além disso, em 21 de junho de 2022, a corte julgou também Embargos de Declaração que, entre outros pontos, pediam a modulação temporal da decisão. Em 29 de junho do mesmo ano, ocorreu a publicação do acórdão dos embargos, julgados improcedentes.
Diante do exposto, restam evidentes os impactos da ADI 5766 na aplicação dos direitos dos beneficiários da justiça gratuita, em ações trabalhistas.
É imprescindível, portanto, que os advogados que atuam no âmbito do Direito do Trabalho tenham em mente as alterações provocadas pela ADI 5766.
Não apenas para que estejam preparados frente a eventuais ações rescisórias referentes a honorários sucumbenciais recebidos no passado, mas também para que possam melhor orientar seus clientes a partir de agora.
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Muito bom.
Excelente texto. Parabéns pela clareza.
Parabéns Dr. muito didática a explanação sobre a ADI 5766