Há décadas as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento suscitam profundas discussões doutrinárias e agudos problemas práticos. Neste artigo, veja o que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu quando se trata da apresentação de agravo de instrumento e preclusão.
O CPC de 1939 trazia elencos taxativos de casos de cabimento de agravo de instrumento e de “agravo no auto do processo” (denominação que à época era dada ao que veio a ser depois chamado agravo retido).
Alfredo Buzaid, na Exposição de Motivos do Anteprojeto de Lei que veio a se converter no CPC de 1973, afirmou expressamente que de nada adiantara limitar os casos de cabimento de agravo de instrumento, pois as partes se valiam se sucedâneos recursais, em especial o mandado de segurança e, à época, a correição parcial.
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Nessa linha, o CPC de 1973 abraçou, então, a ideia de irrestrita recorribilidade das interlocutórias. E deu-se, assim, ao agravante a possibilidade de escolher entre o agravo de instrumento (que seria analisado pelo tribunal de imediato) ou o agravo retido (que somente poderia ser examinado pelo tribunal quando do eventual julgamento de apelação).
A opção pela primeira figura era mais do que natural. Suscitar de imediato ao tribunal a impugnação de uma decisão interlocutória, afinal, sempre se mostrou muito mais efetivo que esperar que a revisão fosse feita quando do julgamento de futura apelação. No segundo caso, o tribunal pode ficar tentado a evitar dar provimento ao agravo retido quando seu efeito fosse a anulação dos atos processuais praticados depois da decisão interlocutória atacada. O resultado dessa opção legislativa, contudo, é evidente: elevado número de agravos de instrumento perante os tribunais.
Reformas legislativas tentaram reduzir, desse modo, o cabimento do agravo de instrumento. Em contrapartida, ampliou-se o do agravo retido. Referimo-nos, portanto, às Leis 10.352/2001 e 11.187/2005. Ambas as leis se valiam, assim, da mesma fórmula: o agravo de instrumento somente seria admitido se a decisão interlocutória causasse lesão grave e de difícil reparação; do contrário, seria caso de agravo retido. Não funcionou.
Primeiro, era bastante comum que o recorrente “arriscasse” a interposição do agravo de instrumento. Dessa maneira, se sua argumentação em torno da lesão grave e de difícil reparação não fosse acolhida, o máximo que iria acontecer seria a conversão do recurso em agravo retido. Segundo, e mais importante: no mais das vezes o agravante efetivamente conseguia demonstrar que o recurso precisaria ser julgado de imediato, não se podendo postergar sua análise para quando do exame de eventual apelação por haver risco de lesão grave.
O CPC de 2015 resolveu dar nova solução ao problema, mas já é possível dizer que ela fracassou.
Primeiro, o novo Código enunciou os casos em que o agravo de instrumento seria cabível (art. 1.015 do Novo CPC), resgatando, nesse ponto, a fracassada técnica do CPC de 1939.
Segundo, eliminou o agravo retido e dispôs que as decisões interlocutórias não passíveis de ataque imediato por agravo de instrumento não precluiriam e poderiam ser atacadas nas razões ou contrarrazões de apelação.
Não demorou, contudo, para que se instalasse o caos.
O problema mais grave residia na constatação de que foram deixadas de fora do art. 1.015 do CPC/2015 hipóteses claríssimas em que o agravo de instrumento (impugnação imediata) seria insubstituível pelas ou contrarrazões de apelação (impugnação diferida).
Esses casos se dividiram em duas categorias.
No primeiro grupo estavam as decisões interlocutórias contra as quais faltaria interesse para impugnação apenas após a sentença, como, por exemplo, a decisão que suspende o processo. Após término da suspensão e retomada do processo, culminando na prolação de sentença, não haveria razão para discutir em sede de apelação se a suspensão estava correta ou não.
No segundo grupo estavam as decisões interlocutórias que, se fossem revisadas apenas ao ensejo o julgamento da apelação, gerariam um risco inaceitavelmente insidioso de anulação de todo o processo, como, por exemplo, a alegação de incompetência absoluta.
O que fazer?
A primeira válvula de escape do sistema seria o mandado de segurança. Mas há nítidos inconvenientes para as partes e para o Poder Judiciário. Para as partes, havia o risco de o Poder Judiciário se valer da máxima inconstitucional, ilegal, dogmaticamente insustentável, preguiçosa e corporativista de que o MS somente cabe contra decisões “teratológicas” ou “manifestamente ilegais”. Para o Poder Judiciário, trocar um agravo de instrumento por um MS representa uma carga adicional de trabalho considerável: o MS pode ser impetrado em 120 dias, enseja citação do juiz prolator da decisão atacada e do adversário do impetrante, julgamento com sustentação oral e recurso ordinário contra a decisão denegatória.
A segunda válvula de escape estaria em alargar as hipóteses previstas no art. 1015.
Haveria, dessa forma, dois métodos para isso.
O primeiro: considerar que o rol do art. 1015 seria taxativo, mas as suas hipóteses poderiam ser interpretadas de forma ampliativa. Nessa linha, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha propuseram que o inciso III, que trata da decisão que rejeita a alegação de convenção de arbitragem, abrangeria a decisão que rejeita alegação de incompetência. O método, de fato, poderia resolver uma série de dúvidas acerca da maioria dos incisos. Ao permitir recurso contra decisão relativa a “exclusão de litisconsorte”, o inciso VII autorizaria também o recurso que indeferisse a exclusão do litisconsorte? O inciso V permitiria a recorribilidade da decisão que rejeitasse impugnação à gratuidade de justiça?
Contudo, esse método, não se exige esforço para perceber, tem limites.
Desponta então um segundo método: reconhecer que o rol do art. 1015 não seria taxativo e que em determinados casos mostrar-se-ia imprescindível admitir o agravo de instrumento, ainda que sem previsão expressa.
Enfim, o STJ foi provocado a examinar a questão.
Foram afetados pela Corte Especial, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, dois recursos especiais para julgamento em regime de casos repetitivos: REsp 1.696.396 – MT e 1.704.520 – MT. O primeiro tratava do cabimento do agravo de instrumento com relação à decisão que examinara a questão da competência e da revisão do valor da causa; o segundo se referiria apenas à questão da competência.
A rigor, o STJ deveria julgar a questão diretamente tratada pelos recursos especiais, isto é, se caberia agravo de instrumento quanto a decisões relativas a competência e valor da causa.
Todavia, aproveitou o STJ para definir a questão do cabimento do agravo de instrumento de forma mais ampla, para além das matérias versadas nos dois casos paradigma.
Nos acórdãos que julgaram os dois processos afetados – ambos idênticos, exceto na parte em que apreciaram as matérias de cada respectivo recurso – assentou-se, assim, fundamentalmente que:
A argumentação do acórdão, no entanto, se apresenta um tanto contraditória.
A decisão sobre competência poderia, sim, ser examinada em sede de apelação. Afinal, não haveria inutilidade de discutir essa questão apenas após a sentença. Haveria, isso sim, grave inconveniente de assim fazê-lo, face ao ponderável risco de anular todo o processo. Não faria sentido, portanto, examinar em sede de apelação, por inútil, a eventual suspensão do processo decretada em anterior decisão interlocutória não agravável, e que
Seja como for, a fundamentação dos acórdãos é ampla o suficiente para abarcar as duas situações de cabimento do agravo de instrumento, isto é:
Como decorrência desse entendimento, o STJ afirmou expressamente descaber o mandado de segurança em face das decisões interlocutórias proferidas no processo civil.
A tese da taxatividade mitigada traz, enfim, outros problemas.
A parte que interpretar de forma estrita o inciso do art. 1.015 do Novo CPC e não interpuser o agravo de instrumento em caso não previsto (ao menos textualmente) poderia ser impedido de suscitar a matéria em sede de apelação, dessa maneira, por se entender consumada a preclusão?
O STJ, acertadamente, definiu que se a parte não interpuser imediato agravo de instrumento, ainda que seja possível sustentar seu cabimento à luz da tese da taxatividade mitigada, não se sujeitaria à preclusão.
Por fim, o STJ modulou os efeitos, de modo que a tese da taxatividade mitigada fosse aplicada apenas quanto às decisões proferidas após publicação dos acórdãos.
Ao fim e ao cabo, o STJ incentivou, então, o litigante a “arriscar” a interposição do agravo de instrumento. Se o tribunal de 2º grau entender, assim, que ele é cabível em face da tese de taxatividade mitigada, sorte do recorrente, que verá a matéria reexaminada de imediato. Se, por outro lado, o tribunal entendê-lo inadmissível, restará ao litigante voltar a impugnar a matéria em razões ou contrarrazões de apelação, sem medo da preclusão. Ou seja, “tudo como dantes no quartel d’Abrantes”.
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Entendo que o informativo 715/STJ, que rejeita Agravo de Instrumento quando a decisão discute matéria probatória, deveria recair na situação da "tese de taxação mitigada", pois, certamente, aquela prova indevida autorizada por decisão (que não deveria estar ali), certamente, poderá induzir a um julgamento diferente do esperado, que poderá ser revogado, somente, no julgamento da apelação, podendo anular o processo desde aquele momento, trazendo mais prejuízo às partes e ao próprio judiciário.