O avançar da idade é um fenômeno inevitável. Hoje, com o progresso tecnológico, podemos diminuir a velocidade desse avanço, talvez tornar os últimos anos de nossas vidas mais confortáveis, entretanto jamais deter o tempo. Esse sim é implacável e, naturalmente, traz consequências no mundo jurídico. Algumas capacidades vão sendo debilitadas com o avançar da idade e, atento a esse fenômeno, o legislador tratou de limitar a idade para o trabalho através da aposentadoria compulsória.
A Administração Pública, guiada pelo seu dever de eficiência (art. 37 da Constituição Federal), possui uma idade limite para o serviço público: 70 (setenta) ou 75 (setenta e cinco) anos de idade, conforme dispõe o art. (Valium) 40, §1º, II da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional nº 88/2015 e pela Lei Complementar nº 152/2015. Atingindo essa idade, o servidor é aposentado compulsoriamente, com proventos integrais ou proporcionais, sendo presumida sua baixa capacidade para o serviço público.
Administração pública como empregadora
Questão que se afigura importante diz respeito à aplicação desse limite etário aos empregados públicos que, embora também tenham a Administração Pública como empregadora, submetem-se a regime jurídico distinto, pois são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), filiados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), e abarcados por diplomas específicos sobre seus benefícios (Leis nº 8.213/91 e 8.212/91).
Para esclarecer essa questão, é necessário realizar uma incursão na redação dos dispositivos aplicáveis ao presente caso. De pronto, merece registro que o processo de interpretação de uma norma deve percorrer um caminho lógico: não é possível querer extrair de um determinado inciso um sentido juridicamente correto sem que se saiba o teor do parágrafo que o introduz, ou do caput do artigo onde ambos estão contidos.
Nesse sentido, é famosa a afirmação do ex-ministro do STF Eros Grau de que “não se interpreta o direito em tiras; não se interpreta textos normativos isoladamente, mas sim o direito, no seu todo”, reproduzida em seu voto no julgamento da ADPF 101[1].
O que diz o art. 40 da Constituição Federal
Transportando tais reflexões ao problema aqui tratado: a aposentadoria compulsória prevista no art. 40, §1º, II da Constituição Federal, para fins de fixação de seu âmbito de aplicação, deve ser analisada em conjunto com todo o texto constitucional, especialmente com os dispositivos constantes do próprio art. 40 e correlatos.
Com efeito, logo no caput a norma delimita expressa e induvidosamente o âmbito de aplicação dos dispositivos que dali emanariam (parágrafos, incisos e alíneas). Disse o texto: “Aos servidores ocupantes de cargos efetivos”. Esses são os servidores públicos propriamente ditos, submetidos ao regime jurídico estatutário, e são eles os destinatários da norma.
O §1º, que vem logo após o caput, também não deixa espaço para dúvidas quanto ao âmbito de aplicação: “Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo”. Por evidente, trata-se, ainda, dos servidores públicos propriamente ditos vinculados ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS).
Servidores não efetivos
A aposentadoria compulsória prevista no inciso II do §1º aqui tratado, se refere, por óbvio, aos servidores ocupantes de cargos efetivos e apenas eles – não há outra interpretação possível. Vale mencionar as considerações feitas por Ivan Barbosa Rigolin, que externa a mesma compreensão[2]:
“O fato é que a Carta de 1988 repetiu a regra de 1969, e o efetivo aos setenta anos de idade não mais poderá permanecer no serviço público ativo. Vale isso apenas para o servidor efetivo, entretanto, pois que após a EC 20 o servidor que não seja efetivo não mais compartilha das mesmas regras constitucionais, como já deve ter ficado absolutamente claro. Assim, o celetista, ou o estatutário ocupante de cargo em comissão, não mais estará expulso do serviço público aos setenta anos, como estava até o advento da EC 20 – basta ler-se o caput do art. 40 constitucional, e a seguir os parágrafos e, de cada qual, os incisos e as alíneas respectivos”.
Como reforço argumentativo, o §13º do art. 40 da Constituição Federal expressamente exclui os empregados públicos do âmbito de incidência das regras contidas naquelas normas:
13 – Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.
O constituinte, no caso, determinou a aplicação irrestrita do RGPS aos empregados públicos, o que significa dizer que nenhuma das regras previdenciárias do regime estatutário se aplicam a qualquer agente público que não seja servidor titular de cargo efetivo.
Quando constituinte trata de empregados públicos
Ressalte-se, por oportuno, que não fossem as evidências acima apresentadas suficientes para ceifar qualquer dúvida quanto a inaplicabilidade da aposentadoria compulsória aos empregados públicos, não é demais reforçar que quando quis, o constituinte tratou de expressamente estender aos empregados públicos regras inicialmente previstas exclusivamente para os servidores ocupantes de cargo público. É o que se verifica, a título de exemplo, com o regime de acumulação de cargos públicos previsto no art. 37, XVI:
XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
“Cargos públicos” é uma expressão que, quando encontrada na legislação, comumente se refere aos cargos públicos propriamente ditos; aqueles cujos ocupantes são os servidores públicos propriamente ditos e submetidos ao regime estatutário. É um dispositivo que, à primeira vista, direciona seu âmbito de incidência de maneira bem clara e inequívoca. O inciso seguinte, no entanto, expressamente amplia o âmbito de incidência do regime de acumulação dos cargos públicos aos empregados públicos:
XVII – a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;
Conclui-se, assim, que quando o constituinte quis, foi expresso quanto ao alcance das normas relativas aos agentes públicos, ora dizendo claramente a quem se aplicam as normas, ora dizendo claramente a quem não se aplicam as normas. Fica, portanto, indubitavelmente fora do âmbito de incidência da aposentadoria compulsória os empregados públicos.
Tanto se faz verdade que a Lei nº 8.213/91, em seu art. 51, prevê figura semelhante, a aposentadoria por idade requerida pelo empregador:
Art. 51. A aposentadoria por idade pode ser requerida pela empresa, desde que o segurado empregado tenha cumprido o período de carência e completado 70 (setenta) anos de idade, se do sexo masculino, ou 65 (sessenta e cinco) anos, se do sexo feminino, sendo compulsória, caso em que será garantida ao empregado a indenização prevista na legislação trabalhista, considerada como data da rescisão do contrato de trabalho a imediatamente anterior à do início da aposentadoria.
Aposentadoria compulsória x Aposentadoria por idade requerida pelo empregador
Conjugando-se a redação do artigo citado supra com o art. 40, §1º II da Constituição Federal é possível concluir que os dois dispositivos guardam substancial diferença.
A aposentadoria compulsória do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) traz claro limite etário, compulsório, coercitivo, que indica desligamento automático: 70 ou 75 anos, com as recentes alterações.
A aposentadoria por idade requerida pelo empregador, em sentido contrário, consiste em uma faculdade[3] e que para ser exercida merece atenção a alguns requisitos: cumprimento do período de carência e ainda assim o pagamento de indenização.
A diferença possui uma razão de ser, pois no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) existe o benefício de “aposentadoria compulsória” que pode se dar com proventos integrais ou proporcionais, a depender do tempo de contribuição do segurado. Já no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) o trabalhador que possuir idade, todavia não tiver cumprido o período de carência, não receberá benefício algum – vale dizer, ficará totalmente desamparado.
Conclusão
Até aqui, fazendo uma interpretação dos dispositivos pertinentes ao caso, a conclusão é de inaplicabilidade da aposentadoria compulsória prevista no art. 40, §1º, II da Constituição Federal aos empregados públicos. Ocorre que se os empregados públicos nunca fossem desligados em determinada data, existiria um grave problema de ordem dogmática.
Provavelmente sensível a essa questão, em harmonia à jurisprudência pátria, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entende pela extinção do contrato de trabalho do empregado público que atingir o limite etário estampado no referido artigo (AIRR 927000720085150055, DEJT 04/05/2012).
Calha destacar que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário nº 786.540, com repercussão geral reconhecida, entendeu pela inaplicabilidade do limite etário aos servidores ocupantes de cargos comissionados, limitando ainda mais o âmbito de incidência da restrição etária àqueles que ocupem cargos efetivos.
Assim, observa-se que embora inexista dispositivo legal expresso que autorize a “aposentadoria compulsória” do empregado público celetista, a jurisprudência entende por sua aplicação.
Uma última questão merece esclarecimento a respeito da aposentadoria compulsória…
A EC 88/2015 e a LC 152/2015 expandiram o limite etário de 70 para 75 anos de idade, a todos os “agentes públicos aos quais se aplica o inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal”. Adiante, em seu art. 2º, prescreve:
Art. 2º Serão aposentados compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 75 (setenta e cinco) anos de idade:
os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações;
os membros do Poder Judiciário;
os membros do Ministério Público;
os membros das Defensorias Públicas;os membros dos Tribunais e dos Conselhos de Contas.
Sendo assim, caso se aplique o art. 40 da Constituição Federal aos empregados públicos para fins de aposentadoria compulsória, por questão de isonomia (art. 5º, caput, da Constituição Federal) deverá ser observado o novo limite de idade, correspondente a 75 (setenta e cinco) anos, sob pena de se interpretar o direito em tiras, o que, como visto, é inadmissível.
Em homenagem a esse raciocínio, o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, no RO 00000464420165080207 (DJE 21/06/2016), entendeu pela extensão do limite etário para 75 (setenta e cinco) anos também aos empregados públicos, conforme trecho do voto do relator:
“Assim, se a lei complementar que regulamentou o artigo 40, § 1º, II, da CR/88, ampliou a idade para 75 anos aos agentes públicos aos quais se aplica o dispositivo constitucional (LC 152/2015; artigos 1º e 2º, I) esta regra também deve ser aplicada aos empregados públicos”.
Portanto, pode-se concluir que a aposentadoria compulsória é instituto afim ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), não aplicável aos empregados públicos. Por questões de ordem dogmática, ainda que sem fundamento legal expresso, a jurisprudência pátria sedimentou-se no sentido de aplicar o limite etário também para os empregados públicos.
Com as recentes alterações que expandiram o limite para 75 (setenta e cinco) anos, esse deverá ser o novo parâmetro, em homenagem ao princípio da isonomia, sendo viável tomar as medidas judiciais cabíveis caso a rescisão, travestida de “aposentadoria compulsória”, ocorra antes.
- [1] ADPF 101, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 24/06/2009, DJe-108 DIVULG 01-06-2012 PUBLIC 04-06-2012 EMENT VOL-02654-01 PP-00001 RTJ VOL-00224-01 PP-00011.
- [2] In, O servidor público nas reformas constitucionais, Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 115.
- [3] O dispositivo é claro em estabelecer que a empresa pode, não deve.