Encontrar um celular perdido, e não devolver, emprestar a outrem o veículo de trabalho recebido do empregador, ou mesmo, deixar de repassar as contribuições da previdência social descontadas dos funcionários. Todas essas condutas podem caracterizar o que o Direito Penal tipifica como apropriação indébita.
Mas, você sabe o que os exemplos acima têm em comum? Consegue definir, em poucas palavras, o que caracteriza a apropriação indébita? Ou ainda, conhece todas as modalidades desse tipo de crime?
Neste artigo, responderemos todas essas perguntas, além de algumas outras que podem surgir quando tratamos de apropriação indébita. Espero que este conteúdo seja útil na sua rotina jurídica. Boa leitura!
A apropriação indébita é um crime doloso, praticado contra o patrimônio, e que consiste em apropriar-se de uma coisa alheia móvel, cuja posse ou detenção desvigiada lhe foi conferida de forma lícita.
Assim, na apropriação indébita, a posse ou detenção é lícita, não vai contra a lei. A origem dessa posse, portanto, não é criminosa. É, apenas na etapa seguinte ao recebimento da posse ou à detenção do item que ocorre o crime.
Outra característica da apropriação indevida é que a posse deve ser desvigiada. Ou seja, o dono real do bem não vigia a coisa móvel, ficando ela sob responsabilidade do possuidor.
Para entender mais sobre a apropriação indébita, vale ainda conhecer o significado do verbo apropriar. No contexto jurídico, apropriar significa passar a agir como dono da coisa. Ou ainda, realizar quaisquer atos de disposição.
Mas o que são atos de disposição? São quaisquer atos que não tenham sido autorizados ou que não sejam da vontade do dono.
Por exemplo, imagine a situação hipotética em que uma pessoa toma emprestado do amigo um automóvel, para se locomover até o trabalho durante uma semana.
Se essa pessoa acaba por vender peças e acessórios daquele veículo, ao invés de usá-lo para o fim que emprestou o veículo, pode estar cometendo, então, o crime de apropriação. O ato de disposição, nesse contexto, é a venda não autorizada pelo verdadeiro dono.
O crime de apropriação indébita está previsto no Código Penal, em seu Art. 68. Ali, lê-se:
Art. 168 – Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção.
Como veremos ao longo deste artigo, é também no Código Penal que encontraremos as definições e penas pertinentes a outras modalidades de apropriação indébita.
A principal característica que diferencia a apropriação indébita de crimes como o furto simples e a receptação é a origem da posse.
Na apropriação indébita, a origem da posse ou detenção do bem alheio sempre é lícita. O criminoso, na origem, recebe a coisa alheia, do proprietário, de modo legal.
Já nos outros crimes mencionados – receptação, furto e estelionato – a origem da coisa é ilícita.
No furto, a coisa é obtida, evidentemente que, sem o consentimento do proprietário. Na receptação, o criminoso recebe a coisa alheia que foi obtida de modo ilícito, ou seja, já há ilegalidade.
Já no estelionato, o criminoso vai ludibriar a vítima, de modo a obter a coisa alheia de maneira enganosa. Há novamente, portanto, origem lícita.
E, por fim, na receptação, o sujeito adquire, recebe, transporta ou oculta, em proveito próprio, uma coisa que sabe ser produto de crime. Novamente, na origem, já há ilegalidade.
Assim, a origem ilícita do bem é o que diferencia todas essas formas de crime, em relação à apropriação indébita.
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A apropriação indébita tem pelo menos dois sujeitos, que ocupam os polos ativo e passivo da ação. Nesse cenário, temos:
O Código Penal prevê a modalidade simples de apropriação, apresentada aqui. Contudo, o CP traz também alguns outros tipos de apropriação indébita, que possuem certas particularidades. É estas modalidades específicas que conheceremos a seguir.
É um crime praticado sobretudo pelos empregadores. Isso porque o empresário, responsável legal por uma empresa, tem a obrigação legal de reter um valor sobre o salário do empregado. Deve, em seguida, repassar esse valor para a previdência social pública.
Quando o empresário deixa de repassar os valores devidos, considera-se que ele está incorrendo em apropriação indébita previdenciária.
Na letra da lei, mais especificamente no Código Penal, encontramos a seguinte definição:
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional.
A apropriação indébita previdenciária é entendida, por alguns doutrinadores, como um crime de conduta mista: comece com uma ação comissiva, por meio da retenção dos valores, e depois tem-se a omissão, materializada no trecho que traz a expressão “deixar de repassar”.
Contudo, de modo geral, prevalece o entendimento de uma segunda corrente do Direito. Segundo essa corrente, a partir da análise da letra da lei, bem como, pela presença da expressão “deixar de” no Código Penal, o crime deveria ser caracterizado como omisssivo doloso.
Além disso, quando se fala de apropriação indébita previdenciária, é preciso estar atento também às formas equiparadas, presentes no parágrafo primeiro do Art.168-A. Vejamos:
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;
III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.
Por meio desses incisos, portanto, ficam estabelecidas situações equiparáveis ao caput da modalidade de apropriação indébita previdenciária.
A apropriação indébita por erro, caso fortuito ou força da natureza, está prevista no Art. 169 do Código Penal.
Na hipóteses do erro, a apropriação indevida se consuma apenas se o sujeito que recebe a coisa de modo errôneo, mesmo tendo conhecimento do erro, dela se apropria e passa a agir como dono.
Ainda, nesta modalidade de apropriação indébita, é preciso que o erro seja um evento espontâneo e não intencional. Se provocado, pode-se interpretar que houve intenção de enganar, o que caracteriza estelionato – e não apropriação indébita.
Já as condições de “caso fortuito” e “força da natureza” são aquelas estranhas ao proprietário da coisa. Ou seja, condições sob as quais ele não tem capacidade de controle.
Forças da natureza, nesse contexto, podem ser temporais, terremotos, enxurradas ou quaisquer outros eventos que resultem na transferência da posse de coisa alheia.
A apropriação de tesouro está expressa no inciso I do Art. 169 do CP, conforme segue:
I – quem acha tesouro em prédio alheio e se apropria, no todo ou em parte, da quota a que tem direito o proprietário do prédio;
Neste caso, é essencial que o tesouro tenha sido achado casualmente. Não pode o sujeito ter interferido para provocar sua perda, por exemplo.
Mas o que constitui o “tesouro”? Trata-se de norma penal em branco, uma vez que não há uma definição clara no Código Penal. No entanto, alguns doutrinadores consideram que qualquer valor, em moeda ou outro item precioso (ouro, jóias, pedras preciosas), é passível de ser considerado “tesouro”.
Outro aspecto que costuma ser utilizado para definir o “tesouro” são as condições em que ele é encontrado. De modo geral, o tesouro, por seu alto valor, deve estar escondido ou enterrado, por exemplo, para que seja considerado como tal.
A apropriação de coisa achada é mencionada no inciso II do Art. 169 do mesmo código, nos seguintes termos:
II – quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de quinze dias.
Nestes casos, portanto, o objeto de apropriação é o bem que foi perdido por seu proprietário. Para que se caracterize a apropriação, no entanto, é preciso que o sujeito que encontra e assume a posse da coisa não tenha colaborado para a sua perda.
Portanto, a coisa precisa, necessariamente, ter sido perdida de modo casual – ou mesmo por ação ou omissão do proprietário. Ademais, o bem deve estar em lugar público ou de uso público, de tal maneira que caracterize objeto perdido.
Se a coisa é encontrada no lixo ou em terreno abandonado, por exemplo, é possível interpretar que se trata de coisa abandonada – e não perdida – motivo pelo qual não se caracteriza, necessariamente, a apropriação indébita.
Em resumo, se a pessoa que encontra coisa alheia não busca devolvê-la ao dono – quando sabe de quem se trata – ou entregá-la a guarda das autoridades competentes, pode incorrer em crime. A devolução e a entrega aos órgãos competentes são medidas previstas no Código Civil, em seu Art. 1233.
Assim, o ditado popular “achado não é roubado” soa ligeiramente incorreto. Achado pode não ser roubado, mas eventualmente poderá ser considerado como apropriado indevidamente.
A apropriação indevida de coisa alheia é um crime julgado por meio de ação penal pública incondicionada. Portanto, pode o Ministério Público investigar e interpor denúncia, a despeito da vontade da vítima.
De qualquer forma, a consumação do crime se dá no momento em que o sujeito se apropria da coisa que lhe foi cedida de forma lícita, e passa a agir como dono do bem.
Por isso, para comprovar que de fato houve apropriação indébita, primeiro é preciso haver comprovação de que a pessoa recebeu o bem de forma lícita.
Contratos, notas, certidões, testemunhas ou quaisquer outros meios de prova que comprovem que, a priori, que a posse era legal e que o bem foi cedido pelo proprietário, de boa-fé. Caso contrário, é possível que em juízo se entenda que não se trata de apropriação indébita, e sim de outro crime.
O segundo passo é provar que o sujeito que detinha posse passou a agir como proprietário. Isto é, que não utilizou a coisa para o fim que detinha a posse. Uma das ações mais comuns é vender ou alugar todo ou parte da coisa móvel.
A pena para o crime de apropriação indébita está prevista no CP, também no Art. 168. Tem-se ali a previsão de pena de reclusão, de um a quatro anos, além de multa. Esta pena é igual àquela prevista para o crime de furto, por exemplo.
Devido a pena mínima ser de um ano de reclusão, fica autorizada a suspensão condicional do processo (Art. 89 da Lei 9.099/95), acordo de não persecução penal (Art. 28-A da Lei 13.964/19), entre outras medidas para crimes de médio potencial ofensivo.
Ademais, o CP traz as condições em que ocorre o aumento de pena. Tem-se, portanto, no Art. 168:
§ 1º – A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:
I – em depósito necessário;
II – na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;
III – em razão de ofício, emprego ou profissão.
Assim, por exemplo, se o alvo da apropriação indébita é o veículo da empresa para o qual o funcionário trabalha, pode ele ter sua pena aumentada na razão de um terço.
Ademais, o Código Penal traz ainda penas específicas para as diferentes modalidades de apropriação indébita. Temos, então:
Os advogados e advogadas que irão atuar em julgamentos de crimes de apropriação indébita devem, então, se atentar a algumas coisas, a depender da área de atuação.
Por exemplo, se o advogado ou a advogada está defendendo quem foi vítima de um crime de apropriação indébita, o seu papel será, em primeiro lugar, comprovar que o autor da apropriação recebeu o bem de forma lícita. É importante, neste caso, juntar contratos, notas, certidões e até mesmo conversas de e-mail ou WhatsApp.
Em segundo lugar, é necessário provar que o sujeito passou a agir como dono do objeto sem o ser. Uma maneira disso acontecer, por exemplo, é por meio da venda ou aluguel do bem.
Já no caso do Direito previdenciário, a atuação inicial é na área de compliance. Nesta, então, a equipe da empresa deve resguardar informações relativas aos tributos, propor ações de garantir da ética e da transparência no negócio, assegurar o cumprimento das leis e propor ações de punição a atos ilícitos na empresa.
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A apropriação indébita é o ato de apropriar-se de coisa alheia móvel, sobre o qual o sujeito originalmente obteve a posse ou detenção desvigiada. O dono da coisa, nesse contexto, a cedeu de boa-fé.
Um exemplo clássico da apropriação indébita é a não devolução de um livro emprestado por uma biblioteca. A instituição (que é proprietária) transferiu a posse ao leitor de forma lícita. A apropriação indébita ocorre quando o leitor não devolve o item no prazo estipulado, passando a agir como se dono fosse.
Qualquer pessoa pode cometer apropriação indébita, desde que maior e capaz. A apropriação ocorre, nestes casos, quando a pessoa age como dono de uma coisa alheia móvel, cuja posse lhe foi confiada de modo lícito pelo proprietário.
O crime de apropriação indébita pressupõe que o criminoso se apropria da coisa alheia, que lhe foi entregue de forma lícita. Neste cenário, a consumação da apropriação ocorre quando o sujeito passa a agir como dono da coisa, sem que o seja.
Por exemplo, imagine que o sujeito recebe a posse de um carro da empresa em que trabalha, e passa a vender peças e acessórios desse veículo para obter vantagem pessoal. A consumação do crime ocorre quando da venda das peças. Já a tentativa de crime ocorre quando, ao tentar vender, por exemplo, ele é identificado e impedido por um terceiro.
Como vimos, a apropriação indébita é um tipo previsto no Código Penal. E, embora sua forma simples guarde semelhanças com outros crimes, como estelionato, furto simples e receptação, não se tratam de coisas iguais.
Espero que, ao compartilhar informações sobre o que é a apropriação indébita, quando ela se consuma, suas modalidades e penas, tenha contribuído para a sua prática profissional.
Por fim, para seguir aprendendo, recomendo que consulte nosso artigo sobre Direito Penal.
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EXCELENTE...
Muito bom para auxiliar nosso dia a dia.
Obrigada