O artigo 768 do Código Civil, disciplina que “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”. Ocorre que as seguradoras juntamente com as instituições bancárias vêm distorcendo o sentido da norma legal, lhe atribuindo uma aplicação objetiva, como se não houvesse necessidade de analisar criteriosamente cada caso.
São muitos os casos nos quais as seguradoras indeferem a solicitação de indenização, com base no fato que supostamente o segurado teria agravado intencionalmente o risco ao conduzir um veículo automotor sob influência de álcool e/ou substâncias ilícitas. O argumento se fundamenta no sentido de que, assim, o segurado, estaria agravando o risco do objeto do contrato.
Em uma análise perfunctória se encontra respaldo na fundamentação das instituições de seguro – alicerçadas pelos grandes bancos -, porém basta uma reflexão um pouco crítica e se vislumbra a falta de base lógica/legal para diversas negativas de indenização. O artigo 768 se encontra localizado no Código Civil, nas “disposições gerais” do Capitulo XV, que trata do seguro. Não obstante a localização, o artigo 768, não pode ter uma aplicação objetiva a todos os casos, nem mesmo a todas as modalidades de seguro.
Nos casos envolvendo acidente de transito há, portanto, necessidade de uma análise de dois pontos: a) Natureza do seguro contratado e b) Se o estado de embriaguez ou uso de qualquer outra substancia entorpecente foi causa predominante e determinante para a ocorrência do sinistro. A observância destes pontos é questão sine qua non a fim de que o segurado não sofra lesão em seu direito, traduzido no desequilíbrio contratual, revestindo-se num evidente enriquecimento sem causa da Seguradora e da Instituição Bancária.
O objetivo do seguro é proteger o bem assegurado (considerando todos os elementos de sua formação), neste norte, as seguradoras quando fazem uso indiscriminado do dispositivo legal – sem parâmetros de interpretação teleológica, ou seja, sem considerar o fim a que a norma se dirige – culminam na quebra do princípio da boa-fé, uma vez que não foi cumprida sua parte. São, então, as seguradoras inadimplentes nesta relação jurídica.
Ausência de causa determinante para a ocorrência do sinistro
Apesar de haver (infelizmente) muito entendimento equivocado, já é bastante robusto na doutrina e na jurisprudência que o agravamento do risco, passível de excluir a responsabilidade da seguradora, é aquele resultante de culpa grave ou dolo do segurado. Neste sentido, exige-se que de forma voluntária e consciente o segurado queira provocar o evento no qual se envolveu.
O estado de embriaguez ou uso de qualquer outra substancia psíquico ativa tem que ser causa predominante capaz de ensejar validamente a negativa da seguradora em cumprir com sua parte no contrato. Neste escopo, não basta a prova da embriaguez ou culpa do segurado para que se tenha como caracterizada infração contratual, com força liberar a seguradora da obrigação de indenizar constante na apólice. Sem cabal demonstração de que o segurado contribuiu voluntariamente para o acidente, será medida de justiça mandar a seguradora honrar o contrato e adimplir a indenização ao beneficiário.
São muitas as decisões judiciais que ainda aplicam o artigo 768 do Código Civil de forma literal, gramatical, generalista e sem critério de análise da demanda em apreço. Noutro giro, há grande parte de tribunais, juízes singulares e da doutrina principalmente entendendo de maneira acertada que é inafastável a prova que o segurado tenha procurado voluntariamente o êxito letal. Prova essa que cabe a seguradora demonstrar com força capaz de ensejar a negativa de indenizar.
No tocante a prova que o segurado alcoolizado ou drogado ao dirigir agiu voluntariamente de forma predominante para a ocorrência do acidente, se trata de um árduo ônus que incumbe a segurado. Urge destacar que entre o fato de se comprovar o uso da substancia – droga ou bebida – e que este uso foi a causa principal do sinistro há um abismo de diferença.
Existem alguns meios idôneos a fim de corroborar a tese que o segurado realmente agravou o risco do acidente de forma preponderante, podemos destacar: a) Através de testemunhas que o condutor dirigia de forma perigosa; b) Pelas circunstancias em que ocorreram o sinistro (de dia, pista em ótimas condições, baixo índice de acidentes naquela via, etc.); c) Através de relatos da equipe de resgate; etc.
Neste sentido, ou seja, da necessidade de que o uso da substancia psíquico ativa ser a causa principal/predominante do acidente, é que caminha o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Outrossim, destaca-se que o STJ[1] pacificou entendimento no sentido de que a embriaguez, por si só, não configura a exclusão da cobertura securitária em caso de acidente de trânsito, ficando condicionada a perda da indenização à constatação de que a embriaguez foi causa determinante para a ocorrência do sinistro.
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Da natureza do seguro contratado
Outro ponto que merece destaque nesta celeuma é a natureza do seguro contratado. Talvez esta análise, mereça mais destaque que a anterior, pois é onde reside a alma – causa de existir – do próprio contrato de seguro.
Referente ao seguro de vida, este por si tem como escopo oferecer ao beneficiário uma indenização no caso de morte do segurado, ou seja, o bem jurídico tutelado é a vida e não um bem. O seguro de vida existe justamente para oferecer uma benesse ao beneficiário no caso da ocorrência de um evento infeliz e fatal envolvendo o segurado.
Tratando-se de seguro de vida, integrante do gênero seguro de pessoa, que possui salienta-se que este tem, pelo menos em tese deveria ter, cobertura ampla, com princípios próprios, diversos, portanto, dos conhecidos seguros de dano. Nesse sentido destaca-se a doutrina do professor Pedro Alvim:
Nesse contexto, no contrato de seguro de vida, ocorrendo o sinistro morte do segurado e inexistente a má-fé dele (a exemplo da sonegação de informações sobre eventual estado de saúde precário – doenças preexistentes – quando do preenchimento do questionário de risco) ou o suicídio no prazo de carência, a indenização securitária deve ser paga ao beneficiário, visto que “(…) a cobertura neste ramo é ampla” (Grifei).
Caso estivéssemos enfrentando a matéria frente a um seguro de um bem, automobilístico por exemplo, a ótica seria outra, pois o objeto do seguro é o próprio bem, desta forma o agravamento do risco não necessita ser tão evidente, porém in casu, (seguro de vida) o próprio contrato prevê que a morte é uma hipótese, já que é a circunstância apta a ensejar a benesse.
Neste escopo, determinante se considerar que o falecimento do segurado é o start propulsor ao direto da indenização, pois justamente a ocorrência deste evento que, nos termos da apólice, autoriza o pagamento da indenização a título securitário. Ou seja, para ser capaz de eximir o dever de indenizar, o agravamento por parte do segurado terá que ser quase que absoluto, em contrário, estaríamos concluindo que “a mesma causa apta a ensejar a indenização é causa que a exclui”, pois a morte é a ocorrência nos termos da apólice para que ocorra a indenização.
No mesmo sentido, a Circular n. 08/2007 da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), que preconiza o seguinte:
Comunicamos que, conforme recomendação jurídica contida no PARECER PF – SUSEP/ COORDENADORIA DE CONSULTAS, ASSUNTOS SOCIETÁRIOS E REGIMES ESPECIAIS – N° 26.522/ 2007, da Procuradoria Federal junto à SUSEP, a sociedade seguradora que prevê a exclusão de cobertura na hipótese de “sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelos segurados em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob o efeito de substâncias tóxicas”, deverá promover, de imediato, alterações nas condições gerais de seus produtos, com base nas disposições abaixo:
1) Nos Seguros de Pessoas e Seguros de Danos, é VEDADA A EXCLUSÃO DE COBERTURA na hipótese de “sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas”. (Grifei).
Portanto, na espécie de seguros de pessoas é vedada a exclusão de cobertura na hipótese de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de alcoolismo ou sob efeito de substância tóxica.
Ao encontro deste entendimento torna-se inegável de que no momento do acidente, ainda que o motorista tenha ingerido bebida alcoólica cabe a seguradora que se nega a pagar a devida indenização o ônus de provar que o segurado teve intenção em agravar o risco objeto do contrato, ao combinar o consumo de álcool com a direção. Afirma-se com total convicção que na esmagadora maioria dos casos essa intenção não existe, pois trata-se de uma intenção suicida.
Conforme já exemplificado existem elementos probatórios – que cabem a seguradora buscar e demonstrar de forma inequívoca – capazes de comprovar que o segurado teve o objetivo de ceifar sua vida ao se colocar na direção do veículo.
Tocante ao ônus da prova, merece destaque a natureza consumerista da relação. Sendo de extrema importância analisar esta relação – segurado – seguradora e beneficiário sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor. Indiscutível a caracterização de relação de consumo entre as partes, apresentando-se a seguradora como especializada no ramo de seguros, portanto, prestadora de serviços, nos termos do art. 3º da lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), e o beneficiário como consumidor, de acordo com o conceito previsto no art. 2º do mesmo diploma.
Nesta linha de raciocínio, urge a necessidade de analisar esses casos sob a ótica contida no art. 3º, § 2º, do CDC, uma vez que as partes se enquadram perfeitamente no conceito de consumidor e fornecedor, respectivamente, trazido pelo diploma consumeirista.
Salienta-se ainda, que o negócio jurídico firmado pelas partes SEMPRE efetiva-se através de contrato de adesão, cujas cláusulas são previamente estabelecidas pela seguradora, em nada opinando o segurado ou o beneficiário. Assim sendo, deve-se incidir à espécie as disposições do Código de Defesa do Consumidor.
Interessante também são os casos de negativas de indenizar frente às apólices de seguros prestamistas.
Urge destacar que o objeto do seguro prestamista é a amortização de uma dívida contraída entre o segurado e o estipulante, restando expressamente disposta, como uma das garantias cobertas na apólice, a morte do segurado. Neste sentido a circunstância estipulada contratualmente envolve a vida do segurado como garantia no seguro contratado, demonstra-se inconcebível, portanto, concluir de forma taxativa/objetiva, sem análise das circunstancias periféricas que a embriaguez ou uso de droga ilícitas se configuram como agravamento intencional do risco.
As cláusulas limitativas de garantias securitárias devem ser interpretadas restritivamente, sob a luz do princípio da boa-fé que é orientador de todos os contratos, sobretudo em se tratando de relação de consumo. A embriaguez ou uso de substância entorpecente pelo segurado, por si só, não é causa excludente da obrigação contratual assumida pela seguradora. Não havendo prova de que o incremento do risco foi voluntário e de que o estado etílico do motorista foi a causa determinante para a ocorrência do sinistro, infundada é a exclusão da cobertura, devendo a seguradora pagar a indenização prevista na apólice.
Infelizmente as seguradoras fazem cada vez mais o uso de uma previsão legal – artigo 768 do Código Civil – a fim de se eximir de adimplir com sua contraprestação. Muitas pessoas – beneficiários – passam pela situação de negativa de pagamento de indenização e simplesmente “aceitam” o parecer da instituição, sem recorrer ao Poder Judiciário. Ainda pior, é quando o próprio Judiciário aplica a lei de forme descriteriosa, sem levar em consideração o fim a que se propõem o dispositivo. Nesses casos é evidente que a ordem jurídica está sendo violada, pois tais entendimentos vão de encontro com os postulados de um Estado que se almeja Democrático, Social e de Direito.
Por fim, destaca-se que entender pela aplicação irrestrita – sem observar as circunstancias de cada caso e a natureza do seguro contratado – implica em concluir que as cláusulas restritivas do dever de indenizar no contrato de seguro de vida têm legitimidade e competência para esvaziar a finalidade do próprio contrato.
[1] AgRg no AREsp n. 389.461/SP, Relator Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Quarta Turma, j. 5/2/2015, DJe 13/2/2015.
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