No dia 29 de setembro de 2019, foi lançada a Associação Nacional da Advocacia Negra. Criada, em 2016, pelo advogado Estevão Silva , a ANAN visa combater o racismo na advocacia, uma questão que não se trata de um caso isolado, mas de reflexo de uma cultura historicamente marcada pela desigualdade racial. É portanto, um problema estrutural da sociedade e também do Direito.
Ainda que muitos direitos tenham sido conquistados, o racismo ainda é uma realidade brasileira. Basta analisar dados extraídos pelo IBGE para se verificar que o rendimento da população negra é consideravelmente inferior ao de uma população autodeclarada branca.
Segundo a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2018 [1], o rendimento médio mensal real de pessoas brancas (de R$ 2.897,00) é 29,7% maior que a média nacional de R$ 2.234,00. Os rendimentos médios mensais de pessoas pardas (R$ 1.659,00) e pretas (R$ 1.636,00), contudo, são, respectivamente, 25,7% e 26,8% inferiores à média nacional. Não obstante, os números de representatividade na advocacia seguem no mesmo condão.
Mesmo sob o discurso de uma sociedade que preza pela meritocracia, tanto as condições sociais quanto o racismo presente nas contratações fazem com que o número de negros em altos cargos seja inferior ao de brancos. E este dado se reflete, então, também nos escritórios de advocacia.
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Para evidenciar a questão racial na advocacia e a importância da Associação Nacional de Advocacia Negra, pode-se remontar a Luiz Gama, primeiro advogado negro do Brasil, mas cujo título somente foi reconhecido em 2015, porque não veio de uma faculdade de Direito. Afinal, ainda vivia num Brasil Imperial e escravagista, e frequentou as aulas de Direito apenas como ouvinte, sem terminar o curso.
Ele próprio, filho de mãe negra (Luísa Mahin, que participou da Revolta dos Malês e da Sabinada) e pai branco, foi feito escravo aos 10 anos de idade. Ainda que nascido livre, foi vendido pelo próprio pai para quitar uma dívida de jogos. E somente adquiriu a liberdade depois de advogar em causa própria. Uma vez que não possuía o diploma, contudo, não era chamado advogado: era um rábula. Isto não o impediu, todavia, de lutar pela causa abolicionista e contribuir para a libertação de mais de 500 escravos no país através do Direito.
Luiz Gama, entretanto, não pode ver seu sonho se concretizar. Morreu em 1882, antes da Lei Áurea, antes da Proclamação da República e antes de ver as novas facetas do racismo moderno e pós-moderno. Muito embora tanto tenha feito por um país que desde sua colonização é marcado pela exploração racial e pela anulação e violação de corpos não caucasianos, somente em 2015, foi reconhecido como advogado pela OAB. E apenas em 2018, por meio, então, da Lei 13.628, Luis Gonzada Pinto Gama – Luiz Gama foi inserido no Livro dos Heróis da Pátria.
O que poucos sabem, no entanto, é que em 1770, Esperança Garcia, escrava de 19 anos da Instância de Nazaré, também lutou por seus direitos. Enviou, então, uma carta ao Governador da Província do Piauí com uma reclamação sobre suas condições.
Desse modo, é uma análise de sua reclamação [2]:
Na Carta […], Esperança Garcia reivindica ainda o direito de cultuar os ritos da religião do branco, já assimilada por ela e as colegas escravas, mas essa religiosidade é também tomada como máscara, autodefesa, dissimulação, uma Negaça* da escrava delatora, que se utiliza, estrategicamente, de pretextos para agravar o delito, o crime praticado por espancamento ou a culpa do administrador da Inspeção de Nazaré, que habitualmente agredia Esperança e os filhos desta. Os motivos do ódio e da violência não são revelados no relato escrito pela escrava.
A petição realizada a uma autoridade, fez com que Esperança Garcia recebesse o título de primeira mulher advogada negra do Piauí, em 2017. Ou seja, mais de 2 séculos depois de seus feitos.
Apesar do reconhecimento de Luiz Gama e Esperança Garcia, como se verá, a disparidade ainda persiste. Até 2019, apenas um homem negro presidiu a presidência de uma OAB estadual: Benedicto Galvão presidiu a OAB/SP entre 1940 e 1941, durante o afastamento de Noé Azevedo. E nenhum negro ou mulher ocuparam o cargo de presidência da OAB nacional. O número não muito diverge, por fim, das porcentagens de advogados e advogadas negros nas grande bancas do país.
Menos de 1% dos advogados em grandes escritórios de advocacia são negros, é o que revela pesquisa realizada pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (CEERT) junto à Aliança Jurídica pela Equidade Racial. Para esse mapeamento, foram ouvidas mais de 3.624 pessoas em nove das maiores bancas de advogados de São Paulo.
Segundo os resultados obtidos e publicados em reportagem da Folha de São Paulo [3], enquanto 10,1% dos brancos em escritórios são estagiários e 48,3% deles são sócios e advogados, 9,4% dos negros também são estagiários, mas o valor é substancialmente distinto nos cargos de topo. O número de advogados e sócios negros é, dessa maneira, estatisticamente irrelevante. Ou seja, configura menos de 1%. O que justificaria essa porcentagem?
Em primeiro lugar, a reportagem ressalta a quantidade de negros nos cursos de Direito mais bem avaliados. Ainda que o número tenha crescido entre 2011 e 2016, apenas 28,2% dos estudantes de Direito são negros. E nos cursos com notas mais altas do país, esse número cai para 18,2%. Do mesmo modo, a porcentagem de promoções desde a admissão em um escritório de advocacia cai quando se trata de profissionais negros. Enquanto mais da metade (50,2%) dos advogados brancos foram promovidos no cargo, apenas 39% dos negros receberam uma promoção.
Como Rosa Rufino, advogada e vice-presidente da Associação Nacional de Advocacia Negra, pontua, as disparidades no mercado jurídico e o racismo não serão diminuídos imediatamente. É uma ação a longo prazo, mas que precisa ser iniciada, como por meio de medidas da ANAN.
Entre as iniciativas da Associação Nacional de Advocacia Negra – ANAN, estão:
Segundo Rosa Rufino [4]:
Queremos fomentar a gestão de negócios dentro da própria comunidade negra para que os advogados tenham seus próprios escritórios e contratem profissionais negros de outras áreas também. […] É com o aumento da nossa atuação dentro dos órgãos públicos e privados que teremos força para lutar pelos direitos da população negra.
Ainda que seja formada por advogados, a ANAN vislumbra o racismo e a discriminação como elementos presentes na estrutura do Direito de modo geral. Dessa maneira, pretende promover uma mudança não apenas no mercado da advocacia, mas também em órgãos jurídicos. Conforme o fundador Estevão Garcia [5], é também um objetivo conscientizar a população brasileira de que o racismo não está unicamente relacionado à pobreza ou à escolaridade. O racismo pode acontecer em qualquer âmbito, e mesmo profissionais negros de posições e profissões da área jurídica, que trabalham com os direitos de outros, podem ser vítimas desse racismo estrutural e institucional.
Por fim, Rosa Rufino comenta que Luiz Gama e Esperança Garcia, negros que marcaram a história por lutarem pelos seus direitos enquanto seres humanos, em uma época em que sequer se falava sobre direitos e garantias fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro, “são exemplos de pessoas que fizeram a transformação para ocupar espaços de poder e de liderança”. E por essa razão, são fundamentais à luta pela igualdade de direitos e condições no Brasil.
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FUI ALVO DE RACISMO ESTRUTURAL EM UMA DIRETORIA SINDICAL PRECISO DE AUXILIO JURIDICO
SOU DE AGUAS LINDAS DE GOIAS ENTORNO SUL DE BRASILIA
COMO FAÇO PARA TER O AUXILIO DE VCS!
Bom dia, Messias, tudo bem?
Nós da Equipe SAJ ADV não podemos oferecer consultoria jurídica gratuita por conta de normas da OAB. Recomendo procurar um profissional que possa orientá-lo ou a Defensoria Pública.
Abraços
Olá! Bom dia , meu nome é Mário Sérgio, venho narrar a história e pedir ajuda a vocês da associação aos direitos dos negros, meu marido sofreu discriminação racial na grife onde ele trabalhava, na época que ocorreu o preconceito racista por parte da empresa , no mesmo ano prestamos eu e meu marido uma ocorrência na delegacia dos direitos dos negros, pois depois de 2 anos , eu Mário Sérgio marido de João Lucas a vítima ,fui chamado pra esclarecimentos como testemunha dele na delegada,pois a próxima agora é no tribunal com o juíz provavelmente deve ser na Barra funda, só não sabemos agora quando iremos lá na audiência como os acusados, pois meu marido e eu não temos possibilidades financeira de contratar um advogado que possa ir com nosco no dia apoiar nessa causa, quero saber se a associação disponibilizaria um advogado pra nós acompanhar nessa audiência que não temos data ainda pra irmos lá.
Precisamos muitíssimo de uma orientação e ajuda a associação dos direitos dos negros.
Agradeço dês de já sua atenção.
Ass; Mário Sérgio e João Lucas
Oi, Mário Sérgio, tudo bem?
Nós do SAJ ADV não podemos oferecer esse tipo de orientação em atendimento a normas da OAB. Nosso artigo apenas fala da criação da ANAN, mas não temos vínculos com a associação. Recomendo, assim, buscar a página oficial da associação no facebook para que possam te oferecer um atendimento mais apropriado.
Abraços,
Athena - SAJ ADV