Definição de atividade agrária e seus reflexos no arrendamento rural

10/04/2019
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14/10/2024
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8 minutos

O Direito agrário tem surpreendido mais pelos seus efeitos do que pelas suas causas. Explico o porquê. Nos temas em discussão nos Tribunais Superiores, então, mais se discute as consequências jurídicas da atividade agrária e os seus impactos na sociedade num viés restritivo. Assim, resta negligenciada a discussão acerca das causas e do sentido dos institutos jurídicos agrários, assim como seus impactos na sociedade atual.

Um dos mais “recentes” debates envolvendo a matéria agrária, desse modo, foi a discussão acerca do arrendamento rural. No REsp 1447.082, o conflito veio, então, à tona no que se refere a controvérsia acerca do direito de preferência por arrendatário que é empresa rural de grande porte.

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Controvérsia do arrendamento rural

Vejamos então a ementa do recurso pertinente à discussão da atividade agrária:

RECURSOS ESPECIAIS. CIVIL. DIREITO AGRÁRIO. LOCAÇÃO DE PASTAGEM. CARACTERIZAÇÃO COMO ARRENDAMENTO RURAL. INVERSÃO DO JULGADO. ÓBICE DAS SÚMULAS 5 E 7/STJ. ALIENAÇÃO DO IMÓVEL A TERCEIROS. DIREITO DE PREFERÊNCIA. APLICAÇÃO DO ESTATUTO DA TERRA EM FAVOR DE EMPRESA RURAL DE GRANDE PORTE. DESCABIMENTO. LIMITAÇÃO PREVISTA NO ART. 38 DO DECRETO 59.566/66. HARMONIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA JUSTIÇA SOCIAL. SOBRELEVO DO PRINCÍPIO DA JUSTIÇA SOCIAL NO MICROSSISTEMA NORMATIVO DO ESTATUTO DA TERRA. APLICABILIDADE DAS NORMAS PROTETIVAS EXCLUSIVAMENTE AO HOMEM DO CAMPO. INAPLICABILIDADE A GRANDES EMPRESAS RURAIS. INEXISTÊNCIA DE PACTO DE PREFERÊNCIA. DIREITO DE PREFERÊNCIA INEXISTENTE.

  1. Controvérsia acerca do exercício do direito de preferência por arrendatário que é empresa rural de grande porte.
  2. Interpretação do direito de preferência em sintonia com os princípios que estruturam o microssistema normativo do Estatuto da Terra, especialmente os princípios da função social da propriedade e da justiça social.
  3. Proeminência do princípio da justiça social no microssistema normativo do Estatuto da Terra.
  4. Plena eficácia do enunciado normativo do art. 38 do Decreto 59.566/66, que restringiu a aplicabilidade das normas protetivas do Estatuto da Terra exclusivamente a quem explore a terra pessoal e diretamente, como típico homem do campo.
  5. Inaplicabilidade das normas protetivas do Estatuto da Terra à grande empresa rural.
  6. Previsão expressa no contrato de que o locatário/arrendatário desocuparia o imóvel no prazo de 30 dias em caso de alienação.
  7. Prevalência do princípio da autonomia privada, concretizada em seu consectário lógico consistente na força obrigatória dos contratos (“pacta sunt servanda”).
  8. Improcedência do pedido de preferência, na espécie.
  9. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS.

(STJ, 3ª Turma, REsp 1447082/TO, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino,  julgado em 10/05/2016, publicado em 13/05/2016)

Inaplicabilidade do Estatuto da Terra

O julgado salienta bem a Inaplicabilidade do Estatuto da Terra à grande empresa rural. Para entender o teor do conflito, contudo, é preciso analisar o conteúdo do conceito de arrendamento rural. Conforme o art. 3º do Decreto nº 59.566/66:

Art. 3º Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei.

Nota-se que o objetivo crucial do arrendamento rural, portanto, é a exploração de atividade agrária. Desse modo, ao afastar a empresa rural da seara do Estatuto da Terra e aplicar as normas civilistas, é delimitar por outro ângulo que a grande empresa, por exclusão, não exerce atividade agrária e sim atividade comercial.

O que em outras palavras o STJ imprime é que um dos escopos do Estatuto da Terra é a proteção social, que visa proteger o pequeno produtor ou a empresa familiar como direito preferencial à exploração por não competir em igualdade de condições com a grande empresa rural.

O que é atividade agrária

É importante para o direito agrário estabelecer o que é atividade agrária para se identificar quando esta incide e assim estabelecer as possíveis consequências jurídicas.1 Como a lei não define especificadamente o que seja atividade agrária, Carroza estabeleceu um parâmetro para o que seria atividade agrária ao se criar a “teoria da agrariedade”.

Para Carroza, a atividade agrária pelo seu próprio desenvolvimento biológico de produção, todavia, não é suficiente para se estabelecer como agrária. Deixa de considerar, desse modo, os riscos suportados pelos eventos da natureza, os quais não são controlados pelos seres humanos [2]. Ou seja, aquele que assume os riscos naturais que afetam o ciclo natural de produção, explora atividade econômica.

Nesta concepção, então, a grande empresa que se coloca como produtor direto, explorando e arcando com os riscos decorrentes da atividade e do ciclo de produção, também pode ser parte legítima no contrato de arrendamento rural.

A atividade agrária, pois, decorreria de um processo natural evolutivo, orgânico, do ciclo biológico sujeito a risco. Eliminado o risco e afastado o processo biológico natural pelo recurso à química ou à física inorgânica desapareceria o caráter de agrariedade da atividade.

Parâmetros legais da atividade agrária

A dificuldade imposta e a incógnita provocada pela falta de parâmetro legal dos institutos jurídicos agrários, no entanto, colocam em cheque sua própria eficácia no mundo jurídico. Não é à toa, afinal, que se discute a validade e aplicabilidade do Estatuto da Terra no Direito Agrário.

A atividade agrária demanda análise quanto as atividades conexas às desenvolvidas em um ciclo biológico [3]. O Código Civil Italiano, influenciado pela teoria de Carroza, expandiu o simples conceito de atividade agrária a partir do desenvolvimento do ciclo biológico, considerando que uma mesma pessoa ou empresário que exerce atividade agrária é aquele que participa em todo o processo de “conservação, transformação, comercialização e valorização” do produto agrário obtido [4]

“O Acórdão 8.128, de 22 de abril de 2016, da Corte de Cassação Italiana[5], reacende exatamente a discussão sobre o conceito de atividade agrária, mais precisamente a extensão e os requisitos para considerar uma atividade conexa. Trata-se de um recurso proposto pela Agenzia de Entratecontra o empresário agrário B.E. A fiscalização, em visitas em 2004, constatou que o titular da empresa exercia atividade de panificação. O titular da empresa, B.E, alegou que se tratava de uma atividade conexa de mera transformação e, por isso, era incluída nos rendimentos como atividade agrária, de acordo com o artigo 2.135 do Código Italiano. Observa-se que a atividade de panificação exercida pelo empresário B.E se enquadrava nos critérios subjetivos e objetivos, utilizava produtos cultivados na sua empresa e era realizada pelo próprio empresário.” (ALABRESE. TRENTINI (2017).

Princípio da justiça social

No caso em tela, tratando especificamente do direito de preferência, o STJ julgou considerando o princípio da justiça social como o pilar da limitação da atividade agrária. Para fins do exercício do direito de preferência no arrendamento rural, considerar-se-á tão somente o sujeito da relação jurídica e tão menos o objeto da atividade explorada.

Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, nos termos desta Lei. […]

§ 3º No caso de alienação do imóvel arrendado, o arrendatário terá preferência para adquiri-lo em igualdade de condições, devendo o proprietário dar-lhe conhecimento da venda, a fim de que possa exercitar o direito de perempção dentro de trinta dias, a contar da notificação judicial ou comprovadamente efetuada, mediante recibo.

Dada a dinamicidade do Direito Agrário, é deveras limitante analisar a relação jurídica agrária somente pela ótica do seu sujeito. A crítica consistente aqui é que o exercício do direito de preferência baseada numa proteção social conferida ao “típico homem do campo” se contradiz pela própria capacidade econômica deste de investir e manter a atividade explorada.

Desta forma, para TRENTINI (2017), seguindo os conceitos de Carroza, para fins de empresário ou empresa rural, não se considera apenas o “típico homem do campo” ou mesmo a empresa familiar prevista no art. 4º do Estatuto da Terra. Assemelham-se os conceitos dos institutos de empresa rural e empresa comercial, definida pelo STJ no tocante às empresas de grande porte. Avalia-se para caracterizar atividade agrária o modo como se organiza e a economia no processo produtivo, de modo a caracterizar a típica atividade agrária.

Leia também:

Referências

  1. ALABRESE, Mariagrazia. TRENTINI, Flavia. Definição jurídica de atividade agrária: uma árdua tarefa. Direito do Agronegócio. Revista Consultor Jurídico. Março, 2017.
  2. DE-MATTIA, Fabio Maria. Atividade Agrária. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, dezembro, 1999.
  3. ROCHA, Olavo Acyr de Lima. Atividade Agrária conceito clássico. Conceito moderno de Antonio Carrozza. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, Janeiro, 1999.
  4. BARROSO, Lucas Abreu. REZEK, Gustavo Elias Kallás. O Código Civil e o Direito Agrário.
  5. NETO, Manoel Martins Parreira. A empresa agrária à deriva. Migalhas. Março, 2019.
  6. STJ Relembra casos de arrendamento rural julgados pela corte. Revista Consultor Jurídico. Setembro, 2018.

Ingrid Tayse de Siqueira. Advogada no escritório Brasil e Silveira Advogados. Associada e coordenadora do núcleo de direito agrário do Instituto de Estudos Avançados em Direito. Mestranda em direito agrário pela Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]. Instagram: @ingriderafaelps.

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  1. Gostaria muito de receber seus materiais, haja vista, que estou cursando Tecnologia em Agroindústria e demando do máximo de informações pertinentes.