Acordos e negociação

Autocomposição: o que é, formas e bases legais

Apenas em 2022, segundo o relatório Justiça em Números, do CNJ, foram processadas no Brasil mais de 3,5 milhões de sentenças homologatórias de acordo. Essas são decisões que ratificam uma decisão consensual das partes em conflito. Embora não haja números específicos, esses acordos em grande parte podem provir de métodos autocompositivos. Mas, você sabe o que é autocomposição?

Desde 2015, com a instituição do Novo CPC, o termo “autocomposição” se tornou mais comum no dia a dia de quem busca a solução de conflitos judiciais ou extrajudiciais – e também, claro, se popularizou entre advogados e outros operadores do Direito.

A autocomposição de conflitos abarca em si uma série de práticas e estratégias que visam dirrimir lítigios, de forma rápida e equânime. Neste artigo, nos aprofundaremos na definição do que exatamente significa fazer autocomposição. Também veremos de onde ela vem, e como ela tem sido aplicada no Brasil.

Fique até o final para conferir exemplos reais de como a autocomposição pode ser útil em questões envolvendo direitos individuais, coletivos e conflitos dos mais variados tipos. Boa leitura!

O que é autocomposição?

A autocomposição é uma estratégia de superação de conflitos baseada na autonomia e vontade das partes. Com consentimento, uma ou mais partes abdicam de seus próprios interesses – ainda que parcialmente – em favor do interesse alheio. A negociação entre duas ou mais partes, que leva a um acordo consensual, é um exemplo de autocomposição.

O objetivo último de qualquer estratégia autocompositiva é chegar a resolução de um lítigio posto entre elas, preferencialmente de maneira célere. Assim, a solução proposta na autocomposição de conflitos pode envolver obrigações de dar, pagar, fazer, ou outras.

Além disso, antes de prosseguir, é importante entender que o termo “autocomposição” abarca muitas modalidades distintas. Em todas elas, não há um terceiro – juiz ou árbitro – que decide pelas partes. Pode haver intervenção de terceiros que atuem como negociadores, mas eles não podem induzir a uma solução, ou determiná-la. Na autocomposição, os protagonistas são sempre as partes envolvidas.

Além disso, vale lembrar que ela pode se dar de forma presencial ou online. E, pode ser conduzida na esfera judicial ou extrajudicial. No caso da autocomposição realizada pelo via do judiciário, é importante entender que esse é um paradigma ainda novo. Fique conosco para entender mais sobre como se deu a popularização dessa prática no Brasil, na próxima seção.

História da autocomposição

Os conflitos são parte central da história humana, movendo civilizações inteiras. Por isso, a resolução de conflitos é também um tema antigo. Entre os historiadores que se dedicam a essa temática, não há consenso sobre quando métodos de autocomposição começaram a ser usados, mas há registro de cláusulas que tratam disso desde a Grécia Antiga.

Em um artigo sobre o tema, o pesquisador e mestre em Direito Vamberth Soares de Sousa Lima registra que:

Tanto em Atenas, quanto nas demais repúblicas helênicas, os árbitros primeiramente tentavam uma conciliação, adotando na íntegra o que era alegado pelas partes, e, quando esta era infrutífera, era sentenciada a decisão.

Estratégias similares a autocomposição como conhecemos hoje eram usadas também no Império Romano e, como se sabe, o direito romano teve grande influência sobre o mundo ocidental.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, trouxe como um de seus preceitos fundamentais a garantia da legalidade e do acesso à Justiça. Conforme, no entanto, o volume de querelas levadas ao judiciário aumenta e frente a morosidade da resolução pela via jurisdicional, começam a surgir alternativas. A autocomposição é uma delas.

Como veremos a seguir, essa opção de resolução de conflitos se firma como uma alternativa relevante e seu uso para a ser incentivado a partir do novo Código de Processo Civil, em 2015.

Autocomposição no CPC/15

Sem sombra de dúvidas, o Código de Processo Civil de 2015 é o mais importante dispositivo para a popularização da autocomposição na esfera judicial. Essa promoção se origina sobretudo no art. 190, que reforça a autonomia das partes para que decidam pelos métodos autocompositivos, como segue:

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. CPC/15, grifo nosso.

Além disso, o CPC não fala apenas de autocomposição, mas também específica métodos de resolução consensual de conflitos que podem e devem ser estimulados, como se vê no art. 3º:

Art. 3º.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Formas de autocomposição

Em geral, a autocomposição está ligada ao sacrifício de interesses próprios, parcial ou totalmente, por parte de uma das partes ou de ambas. Isto não significa, necessariamente, que alguma das partes precise sacrificar direitos que possuí, mas sim que precisa ser flexível quanto aos seus interesses, para chegar a um consenso.

Dentro do guarda-chuva dos métodos autocompositivos há muitas técnicas distintas, mas todas elas podem ser concentradas em 3 formas de autocomposição: pela renúncia (ou desistência), pela aceitação ou pela transação.

Vejamos o que é cada uma delas.

Renúncia

A renúncia, ou desistência, ocorre quando uma ou mais partes renunciam ao direito de iniciar ou manter um conflito. Isto é, ele se despoja de seus interesses, em favor da pacificação.

É fundamental ter em mente que, em algumas esferas, o ordenamento jurídico preconiza a irrenunciabilidade do direito. É o caso, por exemplo, dos conflitos no âmbito do trabalho. Em um lítigio envolvendo patrão e empregado, a lei brasileira preconiza que o empregado não pode desistir ou abrir mão de seus direitos, como férias ou descanso semanal remunerado, por exemplo.

Aceitação

A aceitação – que também recebe o nome de “submissão” – ocorre quando uma das partes em conflito reconhece o direito e o interesse do outro. A parte que “aceita”, portanto, abdica do seu direito de resistir e recorrer, em favor da solução consensual.

Transação

A transação é a forma e autocomposição em que ambas as partes fazem concessões, reciprocamente. Nesse modelo é que ocorrem o acordos, nos quais se estabelece uma troca ou compensação, buscando o equílibrio para todos os envolvidos.

Nesse caso, portanto, ambas as partes podem abdicar de parte de seus interesses, pela obtenção de uma solução consensual.

Diferença entre autocomposição, autotutela e heterocomposição

Embora possam soar similar, os termos autocomposição, autotutela e heterocomposição representam conceitos muito distintos – até mesmo, opostos.

Assim, autocomposição e heterocomposição são formas de resolução de conflito, com a diferença que na autocomposição as partes buscam um consenso por si só. Enquanto, enquanto na héterocomposição há a participação de um terceiro, que sugere e delimita qual deve ser a resolução.

Já a autotutela é o estado de conflito em que o mais forte – ou mais poderoso, ou mais astuto – impõe seus interesses sobre o outro, até mesmo de forma violenta. Neste modelo, não há busca por um consenso, como na autocomposição. Há apenas a vontade de um sendo imposta sobre outro.

Ainda não está claro? Confira, então, o que é autotutela e o que é heterocomposição.

Autotutela

Popularmente, a autotutela é entendida como a ideia de “fazer justiça com as próprias mãos”. Ou seja, é o tipo de solução de conflito em que uma das partes – em geral, a mais forte – impõe sua vontade ou os seus interesses sobre o outro. Nesses casos, nem a prentenção da parte mais forte é válida, tampouco é justa a imposição sobre a parte mais fraca.

Por isso, a autotutela – essa noção de “fazer justiça com as próprias mãos” – surge, em geral, onde a ausência do Estado ou de um poder regulador.

Fica claro, por sua natureza, que a autotutela não é a maneira “adequada” de resolver conflitos, uma vez que tolhe direitos, cria situações de injustiça e desequilibra a relação entre as partes.

Heterocomposição

A heterocomposição é aquele em que há participação de um terceiro, para obter-se uma solução ao conflito. Quando um lítigio é levado à justiça, por exemplo, há uma resolução de conflito heterocompositiva.

Outros exemplos de heterocomposição são encontrados no que costumamos chamar de “métodos de resolução alternativa de conflitos”. É o caso, por exemplo, da arbitragem, em que os árbitros ocupam o papel de inteventores externos.

É importante lembrar, também, que a heterocomposição é sempre “um remédio indicado por terceiro” – analogia aplicada por muitos doutrinadores para explicar o conceito. Significa, portanto, que a solução é indicada por um agente não relacionado ao conflito. E, uma vez definida qual seja ela, precisará ser cumprido.

Tipos de autocomposição no Brasil

A autocomposição é a resolução consensual de conflitos, entre duas ou mais partes, sem a terceirização da decisão para terceiros, como juízes ou árbitros. No entanto, isso não significa que ela não possa ser conduzida em ambientes ligados ao Poder Judiciário, ou no bojo de um processo judicial já iniciado.

O CPC 15, inclusive, incentiva textualmente a adoção de métodos de autocomposição.

Por isso, é possível afirmar que a autocomposição pode ser judicial ou extrajudicial. Vamos entender quais práticas estão contempladas em cada uma dessas esferas, com exemplos, abaixo.

1. Autocomposição judicial

Embora a autocomposição esteja centrada na autonomia e autodeterminação das partes, quando ocorre a autocomposição judicial, um terceiro imparcial conduzirá as sessões, audiências ou momentos de negociação. Esse terceiro pode ser um mediador ou conciliador. Em ambos os casos, o Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais preconiza que esses profissionais tem:

Dever de respeitar os diferentes pontos de vista dos envolvidos, assegurando-lhes que cheguem a uma decisão voluntária e não coercitiva, com liberdade para tomar as próprias decisões durante ou ao
final do processo, podendo inclusive interrompê-lo a qualquer momento.
Resolução CNJ Nº 125 de 29/11/2010, Anexo III, Art. 2º, §2º.

Assim, vê-se que mesmo quando há intervenção de terceiros, o consenso entre as partes ainda deve prevalecer e os mediadores ou conciliadores não podem impor uma solução.

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Autocomposição extrajudicial

A autocomposição extrajudicial é aquela que ocorre independentemente do procedimento judicial. Para que ela exista, é preciso que haja duas coisas: um conflito, e vontade das partes em negociar.

Contudo, você pode estar se perguntando, como é possível dar início a um processo autocompositivo sem o incentivo ou intervenção do estado? Em geral, a resposta é: uma das partes busca a outra, e propõem um acordo de resolução. Ou um terceiro interessado na resolução do conflito incentiva a negociação entre as partes.

Por exemplo, um conflito entre vizinhos de um mesmo prédio pode ser resolvido por incentivo do síndico. Ele pode colocar os moradores conflitantes frente a frente, e intermediar uma conversa entre ambos, que resultem em um acordo – ainda que verbal.

Agora, vejamos um exemplo que envolve também pessoas jurídicas. Uma empresa de telefonia recebe reclamações de consumidores por meio do Procon. A organização pode, então, captar essas reclamações no órgão e fazer contato com as partes reclamantes, propondo um acordo que inclua a retirada das reclamações registradas e a abdicação de seguir com um processo judicial.

Em ambos os exemplos, como você viu, não haveria necessidade de intervenção da justiça. E, no caso de conflitos entre empresas e consumidores, seria possível fazer toda a autocomposição de forma online, por meio de plataformas ODR, por exemplo.

Aplicações práticas da autocomposição

A autocomposição, como você viu, é um termo guarda-chuva para muitas práticas. No geral, ela é aplicada por meio de: mediação, conciliação e online dispute resolution (ODR). Veja o que cada uma dessas estratégias contempla:

  • Mediação: técnica de resolução de conflitos em que um terceiro, chamado mediador, conduz o processo, sempre buscando manter o equilíbrio e garantir que as partes tomem decisões conscientes e consentidas.
  • Conciliação: nesta técnica, o terceiro que intervém é chamado de conciliador. Ele deve mediar e conduzir o processo e, diferente de um mediador, pode sugerir as partes possíveis soluções para o conflito. Elas podem, dentro do princípio da autonomia de vontade, discordar e não acatar as soluções propostas pelo conciliador.
  • ODR: sigla para online dispute resolution, ou resolução de disputas online. É a forma de negociação entre as partes em que a mediação se dá de forma digital. As partes em conflito usam a tecnologia para manter contato, negociar, fazer e fechar propostas de acordo. Neste caso, não há necessariamente um figura terceira agindo como mediadora ou conciliadora.

É fato que não há consenso doutrinário sobre se mediação e conciliação poderiam ser considerados métodos de autocomposição, mas estudiosos como Roberto Portugal Bacellar e outros, defendem que o protagonismo e a decisão final nestes métodos ainda são das partes. Por isso, eles seriam autocompositivos, e não formas de heterocomposição.

Autocomposição como alternativa para advogados: como se inserir nesse mercado?

Muitos advogados deixam de incentivar métodos e soluções consensuais para resolução de conflitos, por temerem perder espaço no mercado. Acabam, com isso, oferecendo a judicialização como única alternativa aos seus clientes.

A realidade é que incentivar a autocomposição – assim como outros meios alternativos – é o melhor caminho para que os advogados se tornem profissionais estratégicos para seus clientes, e ainda garantam rendimentos continuados.

Ao ajudar os clientes por meio de acordos, deixa de ser necessário que o advogado aguarde o transcorrer de todo o processo judicial para acessar os honorários. A atuação em casos de autocomposição garante uma fonte de renda mais rápida e até mesmo recorrente.

Mas, como começar a atuar com autocomposição? Separamos um passo a passo, que pode lhe ajudar. Confira.

1. Busque conhecimento em métodos autocompositivos

A autocomposição não é cabível em todas as situações de lítigio, mas em muitas ela pode ser o melhor caminho. E, atualmente, até mesmo a OAB já recomenda que os advogados apresentem alternativas para além da judicialização aos seus clientes.

Por isso tudo, é importante que você busque entender como funcionam as estratégias de autocomposição mais conhecidas. Tanto aquelas que podem acontecer quando um processo judicial já foi iniciado, quanto aquelas que antecedem-no.

Assim, você estará pronto para indicar ao seu cliente qual a melhor e mais rápida solução para o caso dele. Bem como, poderá se colocar como um ativo estratégico para garantir que ele não seja prejudicado durante as negociações. E, não menos importante, terá conhecimento para moldar seu contrato com o cliente, de modo a garantir remuneração e reconhecimento justo pelo trabalho realizado, ainda que não o faça representando-o em um tribunal

2. Reveja seu plano de negócio e suas minutas de prestação de serviços

Para adentrar a advocacia colaborativa e começar a ajudar seus clientes em negociações e acordos, é recomendável que você reveja o plano de negócios do seu escritório de advocacia. Significa, portanto, que você precisa:

  • traçar novas metas;
  • entender quais tipos de conflitos são passíveis de resolução por autocomposição e onde está seu mercado;
  • realinhar sua comunicação e seu marketing, para apresentar essa nova possibilidade e seu novo posicionamento;
  • desenhar novas formas de precificação, sempre considerando o que é recomendado pela OAB do seu estado;
  • rever as minutas-padrão de seus contratos, para garantir que estejam adequadas a sua nova forma de atuação;

Com esse tipo de ação, você adentra o mercado de negociação de forma mais consciente, garante que sua renda não será afetada negativamente durante a transição.

3. Entenda como a tecnologia pode te ajudar

É fato que a maioria dos advogados sai da faculdade sem conhecer profundamente métodos consensuais de resolução de conflitos, como mediação e conciliação. Quando falamos de técnicas mais modernas, que envolvem novas tecnologias, como a Online Dispute Resolution, o conhecimento costuma ser ainda menor.

Por isso, um caminho útil para quem deseja começar a atuar com negociação e acordos é buscar conhecer as plataformas e ferramentas que existe, para potencializar esse trabalho.

Softwares de negociação e acordos, como o Projuris Acordos, por exemplo, potencializam o contato entre as partes em conflito, facilitam o envio de minutas e termos de acordo, e fazem com que os advogados – representando empresas ou pessoas físicas – consigam atender a muitas negociações ao mesmo tempo.

Mais de 120 mil acordos foram fechados por meio da plataforma da Projuris, apenas em 2023, por escritórios e empresas que já aderiram a essa tecnologia.

Em alguns casos, é possível inclusive começar a atuar com negociação como um terceirizado, assumindo conflitos como negociador ou intermediador para plataformas de negociação online.

Busque sempre manter-se atualizado(a) sobre as novas possibilidades que surgem com o avanço da tecnologia e se informe sobre como usá-las a seu favor.

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Perguntas frequentes

O que é autocomposição?

A autocomposição é um método para resovler conflitos centrado na autonomia da vontade das partes e na autodeterminação delas para construir soluções. Diferente de outros métodos, na autocomposição são as partes envolvidas no conflito que resolvem o conflito, abdicando de parte ou do todo de seus interesses, em favor da resolução.

Quais são as três formas de autocomposição?

A autocomposição pode se dar por:
– Renúncia ou desistência: quando uma das partes desiste de prosseguir com o conflito, ou com a busca por seus direitos e interesses;
– Aceitação ou submissão: quando uma das partes reconhece ou admite o direito do outro, aceitando os interesses do outro em detrimento dos seus próprios.
– Transação: quando ambas as partes fazem concessões, buscando uma solução equilibrada e consensual, que atenda ainda que apenas em parte aos interesses de ambos.

Conclusão

Embora não existam pesquisas e números precisos, é consenso que modalidades autocompositivas ganham cada vez mais espaço, tanto na resolução de conflitos que envolvem apenas pessoas físicas, como naqueles em que há pessoas jurídicas.

A autocomposição, portanto, não é o “futuro” para os profissionais do Direito. Em muitos cenários, ela já é o presente. Entender como você pode se valer desse novo mercado, criando para si uma nova frente de atuação – e uma nova fonte de renda! – é essencial.

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