Constata-se, nos últimos anos, o surgimento de uma nova condição clínica chamada Burn-out. A condição é desencadeada, principalmente, em virtude do acirramento da competitividade, das pressões por maior produtividade, pela necessidade do cumprimento de metas, dos conflitos gerados pelas relações interpessoais e pelas expectativas e também frustrações profissionais. E, decerto, tem impactos na advocacia e nas condições dos advogados.
Também conhecida por Síndrome do Esgotamento Profissional, a Síndrome de Burn-out é indicada como um estado físico e mental de profunda extenuação. E se desenvolve em decorrência de exposição considerável a situações de alta demanda emocional no meio ambiente laboral.
Tendo em vista a sua natureza eminentemente ocupacional, a Classificação Internacional de Doenças (CID), publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), enquadrou a Síndrome de Burn-out no capítulo intitulado “Problemas Associados ao Emprego ou Desemprego”, com a CID-11 QD85. Isto é, essa síndrome foi retirada do capítulo intitulado Transtornos Mentais, Comportamentais ou do Neurodesenvolvimento.
O que é a Síndrome de Burn-out
O próprio Ministério da Saúde, por meio da Portaria n. 1339 de 18 de novembro de 1999, já havia incluído o Burn-out entre os Transtornos Mentais e do Comportamento Relacionados ao Trabalho. Considerou-se, assim, como agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional, o ritmo de atividade penoso (CID-10 Z56.3) e outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o seu ofício (CID-10 Z56.6).
Estudos da International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR) indicam que cerca de 32% dos mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros sofrem com a Síndrome de Burn-out. A proporção é equivalente à do Reino Unido, onde um a cada três habitantes – mais de 20 milhões de pessoas – sofrem com o problema. Nos Estados Unidos a estimativa é de que cerca de 27% da população sofrem desse mal. Já na Alemanha, país conhecido por ter a carga horária de trabalho mais reduzida entre os países desenvolvidos, cerca de 8% da força de trabalho apresentam sintomas de Burn-out.
A Síndrome de Burn-out pode afetar qualquer tipo de profissional, das mais diversas áreas. Basta a configuração dos fatores desencadeantes organizacionais do trabalho. Todavia, há profissões que, por sua natureza e atividades, têm fatores etiológicos preponderantes para o surgimento da doença.
Os operadores do Direito, compreendidos os advogados, magistrados, procuradores, defensores públicos, servidores públicos e demais profissionais do meio jurídico, estão excessivamente expostos à Síndrome de Burn-out. Isto porque o trabalho desses profissionais, ainda que majoritariamente mental, demandam alto nível de responsabilidade e comprometimento. E os expõem a situações de stress e cobranças externas.
Fatores de risco
De acordo com a autora Maria T. Benevides Pereira [1], quando se fala em fatores de risco, deve-se levar em conta quatro aspectos variáveis para o desencadeamento da síndrome de Burn-out. São eles, dessa maneira:
- características organizacionais;
- características pessoais;
- características do trabalho; e
- características sociais.
As características organizacionais envolvem a organização do trabalho, como por exemplo:
- a burocracia;
- normas em excesso;
- inexistência de autonomia profissional;
- comunicação falha ou inexistente;
- mudanças na organização do trabalho de maneira recorrente;
- normas institucionais muito rígidas; e
- um ambiente de trabalho conflituoso e com predisposição à doenças ocupacionais.
Já as características pessoais relacionam-se às próprias pessoas. Ou seja, funcionários:
- com baixa autoestima;
- controladores;
- intolerantes a frustrações;
- impacientes e imediatistas;
- excessivamente perfeccionistas;
- críticos; e
- outros adjetivos que podem ser considerados por muitos como qualidades de pessoas “workaholics”.
Por características do trabalho podemos apontar, por exemplo:
- injustiças;
- falta de equidade nas relações laborais;
- sobrecarga na quantidade e qualidade das demandas;
- baixa expectativa profissional;
- falta de suporte e condições adequadas de trabalho;
- ambiente de trabalho conflituoso e excessivamente competitivo;
- falta de controle e participação do funcionário nas decisões;
- ausência de reconhecimento por serviços prestados.
Finalmente, podemos configurar características sociais como:
- a falta de suporte familiar e social;
- valores culturais;
- normas sociais;
- frustração decorrente da falta de ascensão profissional e de perspectiva em razão de baixos salários.
Com efeito, todos os estudos indicam, de forma categórica, que os fatores ambientais e relacionados ao trabalho seriam mais preponderantes que os pessoais para o desencadeamento da Síndrome de Burn-out. Portanto, significa dizer que o contexto laboral é determinante para a doença. Daí então, a sua natureza eminentemente ocupacional.
Diagnóstico, tratamento e prevenção da Síndrome de Burn-out
Quanto ao diagnóstico da Síndrome de Burn-out, este é realizado por profissionais como psicólogos e psiquiatras. E ocorre através da avaliação do histórico do paciente e dos sintomas apresentados, com observação do tempo de intensidade e da frequência da ocorrência. É considerado, assim, um diagnóstico clínico complexo.
Já em relação ao tratamento da Síndrome de Burn-out, este é feito com:
- psicoterapia;
- medicamentos;
- afastamento do trabalho ou mesmo o afastamento definitivo em alguns casos mais graves;
- mudanças de hábitos de vida;
- descanso físico e mental;
- além da busca pelo equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
Como formas preventivas de se evitar o surgimento da Síndrome de Burn-out, recomenda-se, a princípio, a identificação dos fatores de risco e a posterior intervenção para a sua redução ou eliminação do meio ambiente laboral, a fim de preservar a saúde do trabalhador.
O meio ambiente de trabalho, contudo, é algo coletivo. Portanto, há que se aplicar as medidas preventivas nos problemas coletivos e organizacionais, e não somente como um problema individual, sob pena de outros funcionários serem acometidos pelos sintomas da Síndrome de Burn-out.
Adoecimento mental dos operadores do Direito
No dia 04 de agosto de 2011, por volta das 10h45, a juíza do trabalho Lúcia Teixeira da Costa, da 2ª Vara do Trabalho de Recife-PE, suicidou-se. Atirou-se, assim, do 11º andar do prédio onde funciona a Justiça Trabalhista em Recife. Na manhã do dia 27 de abril de 2019, um juiz federal ameaçou se jogar do prédio do Fórum Trabalhista de Barueri, em Alphaville. Graças ao trabalho ágil do Corpo de Bombeiros, contudo, foi impedido. Relatos como esses, entretanto, não são considerados episódicos. Pelo contrário, refletem o adoecimento mental dos operadores do Direito.
Uma pesquisa realizada pela Associação Nacional dos Juízes do Trabalho – Anamatra, mostrou que os juízes do trabalho sofrem mais de depressão e estão mais sujeitos a transtornos mentais comuns do que o considerado normal pela população. Ademais, apresentarem maior uso de medicamentos para transtornos mentais comuns. A pesquisa também apontou um dado alarmante: uma considerável parcela de juízes que responderam a pesquisa foi afirmativa quanto à questão sobre se já haviam pensado em acabar com a própria vida.
Observou-se que os juízes podem se sentir afetados emocionalmente com as causas por eles julgadas. Além disto, o trabalho é exercido com alto grau de pressão mental e com cobrança de agilidade, sendo este inclusive, um dos princípios do direito processual (princípio da celeridade e da duração razoável da lide).
Síndrome de Burn-out em advogados e escritórios de advocacia
A profissão do advogado também é muito suscetível ao acometimento da Síndrome de Burn-out. A exigência de análise de leis, doutrinas, jurisprudências, normas coletivas, contratos, muitas vezes em prazos apertados, sempre demanda muita atenção aos detalhes e provocam excessiva pressão mental nestes profissionais.
É necessário que escritórios de advocacia cuidem do seu ambiente de trabalho. Desse modo, podem identificar possíveis fatores de risco. É o caso, por exemplo, de cumprimento de metas inatingíveis, acúmulo de trabalho, falta de tempo e de recursos. Caso contrário, poderá propiciar o surgimento da Síndrome de Burn-out. E isto diminui de forma considerável o rendimento profissional e a qualidade e quantidade de serviço do advogado.
Notório que o prestígio decorrente dos altos cargos, os salários vultosos de juízes e desembargadores e os inúmeros benefícios oferecidos à tais jurisdicionados não são certezas de que esses profissionais nunca sofrerão da Síndrome de Burn-out. Afinal, não existe ligação entre o salário e o adoecimento mental. O profissional exposto a fatores de risco por um grande intervalo de tempo possui chances significativas de apresentar sintomas de Burn-out.
É fato que um juiz, um procurador, ou mesmo um advogado com sintomas de depressão ou outro adoecimento mental é tão danoso à sociedade quanto um médico ou mesmo um policial sem as mínimas condições psicológicas de exercerem o seu trabalho. Dessa forma, é preciso parar de enxergar os operadores do Direito como meros profissionais, dotados de grande responsabilidade sobre a vida dos outros. E enxergá-los, enfim, como pessoas normais, passíveis de serem acometidas por doenças como qualquer outro indivíduo.
A importância do ambiente de trabalho saudável
É cediço que os seres humanos evoluíram com o trabalho. E a sociedade também evoluiu na mesma medida. Todavia essa relação há de ser equilibrada de tal forma que o empregador não extrapole seu poder diretivo. E não submeta, assim, o empregado a situações que, no decorrer do tempo, provoquem o adoecimento físico e mental deste trabalhador.
O tema relacionado às doenças ocupacionais mentais, tal como a Síndrome de Burn-out, precisa ser discutido com grande sensibilidade pelos juristas e empresários. E buscar estabelecer uma visão mais ampla para a percepção dos problemas mentais gerados pelo meio ambiente de trabalho.
Importante enfatizar a ideia de que o trabalho nasceu para satisfazer às necessidades do homem, e não o contrário. Assim, faz-se necessária a adoção de medidas de identificação e prevenção no meio jurídico, tanto em escritórios de advocacia quanto em Tribunais. E dessa maneira, evita-se a ocorrência e o risco desse mal terrível nos operadores do Direito: a Síndrome de Burn-out.
Referências
- MENDANHA, Marcos Henrique. Desvendando o burn-out : uma análise interdisciplinar da síndrome do esgotamento profissional / Marcos Henrique Mendanha, Pablo Ferreira Bernardes, Pedro Shiozawa. – São Paulo : LTr, 2018.
- PRETTI, Gleibe. A nova segurança e medicina do trabalho : com exercícios práticos para evitar doenças laborais / Gleibe Pretti, Marcos Oliveira Santos. – São Paulo: LTr, 2019.
- VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Síndrome de Burnout e a responsabilidade do empregador / Marcelo Roberto Bruno Válio. – São Paulo: LTr, 2018.
Escrito por:
Bruna de Sá Araújo, professora de cursinhos preparatórios para o Exame da Ordem, advogada no escritório Lara Martins Advogados, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo IPOG e pela UFG, Coordenadora do Núcleo de Direito do Trabalho do IEAD, e-mail para contato [email protected], está no Instagram como @desabruna.