A candidatura avulsa no Direito Eleitoral e na Constitução Federal

27/09/2019
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14/10/2024
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9 minutos

O Direito Eleitoral brasileiro é a área do Direito que estabelece as condições das eleições e os requisitos de candidatura. E ele debate, atualmente, sobre a possibilidade de candidatura avulsa. Ou seja, a existência de candidatos a cargos eletivos sem a necessidade de filiação a um partido político.

O artigo 14, §3º, da Constituição Federal, todavia, condiciona a elegibilidade à filiação partidária.

Veja-se, desse modo, a redação do artigo:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I. a nacionalidade brasileira;

II. o pleno exercício dos direitos políticos;

III. o alistamento eleitoral;

IV. o domicílio eleitoral na circunscrição;

V. a filiação partidária;

VI. a idade mínima de:

a. trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b. trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c. vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

d. dezoito anos para Vereador.

Navegue por este conteúdo:

1. Proibição da candidatura avulsa na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997)

Do mesmo modo, advém o art. 11, §14, da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições), vedando a candidatura avulsa, ainda que o requerente tenha filiação partidária. Veja-se, então:

Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleições.

§ 14. É vedado o registro de candidatura avulsa, ainda que o requerente tenha filiação partidária.

Por outro lado, o brasileiro tem cada vez maior descrédito pelos partidos políticos que os representam. E é natural, assim, que se busquem modos independentes de representarem a população, tal qual ocorre em democracias como a estadunidense, portuguesa, francesa e chilena.

De tal modo, explana Costa, Dias & Miranda (2017, p. 2):

Tal fato prejudica não só o bem estar coletivo, mas origina uma crise representativa, uma vez que os partidos políticos não correspondem aos interesses da população causando descrença no povo quanto ao sistema eleitoral. Grande parte dos partidos políticos mais conhecidos estão envoltos em casos de corrupção, induzindo o cidadão a pensar que todo aquele que se filiar a ele também é corrupto. Com tais perspectivas em mente, é de se esperar que existam pessoas que não queiram se filiar a nenhum desses partidos, dando origem a discussões sobre a candidatura independente. Este modelo de candidatura já foi adotado no sistema brasileiro, mas a partir da entrada em vigor da Constituição Federal de 1946, perdeu espaço no cenário político até os dias atuais.

2. Direitos políticos do Pacto de San José da Costa Rica

Desse modo, aqueles que buscam via eleitoral e representativa, pela candidatura avulsa, tem como embasamento legal o art. 23 do Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. Veja-se, assim:

Artigo 23 – Direitos políticos

1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:

a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;

b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores; e

c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades, a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.

2.1. Validade de emenda constitucional do Pacto de San José da Costa Rica

Neste artigo, especificamente, não há menção de filiação partidária, dispondo que todo cidadão deve ter o direito de votar e ser votado em eleições. Aqui, para contrapor a Constituição, diz-se que tal Pacto tem validade de emenda constitucional no ordenamento jurídico brasileiro, tendo, pois, tacitamente, revogado a condição do art. 14, §3º, Constituição Federal.

Entretanto, vem dizendo Gomes (2018, p. 213):

Vale registrar que o Pleno do STF resolveu por unanimidade, em 05/10/2017, ‘atribuir repercussão geral à questão constitucional constante’ do ARE nº 1.054.490, no qual se discute a constitucionalidade da candidatura avulsa. O fundamento desse RE e da referida decisão encontra-se na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), cujo art. 23, b, estabelece como direito político de todos os cidadãos ‘votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores’. Ocorre que não está clara nesse dispositivo da CADH a garantia da candidatura sem filiação partidária.

3. Candidatura avulsa no Congresso Nacional

Por assim, percebe-se o caminho ardiloso que ainda existe quanto a esse tema na legislação brasileira. No Congresso Nacional, já foram registradas várias tentativas de Propostas de Emenda à Constituição, a fim de viabilizar a candidatura avulsa, não tendo, contudo, logrado sucesso, sendo arquivadas, ou, então, abandonadas pela Casa Legislativa.

Opina Costa, Dias & Miranda (2017, p. 14):

O fato de tais emendas terem sido propostas por parlamentares de ambas as casas legislativas, filiados a diferentes partidos políticos, quatro ao todo, tanto de oposição quanto de situação, tanto ideologicamente alinhados à esquerda quanto alinhados à direita e ao centro, representantes de cinco estados diferentes, espalhados pelas cinco regiões do país, traduz a universalidade do tema, que excede as ideologias partidárias, por se tratar de uma questão inerente ao exercício de um dos direitos mais básicos da democracia, ligado à própria legitimação do sistema.

4. Candidatura avulsa no STF

No STF, há o Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.054.490, com repercussão geral, na relatoria Min. Luís Roberto Barroso, que após a repercussão geral solicitou maior tempo para conseguir produzir uma opinião coerente com o que acredita. Na ocasião do reconhecimento da repercussão geral, já antecipou brevemente, entretanto, que acreditava viável a candidatura avulsa. Do mesmo modo, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, em seu parecer sobre o assunto. Para tanto, ela se apoiou, então, na tese do reclamante, de que o tratado internacional se sobrepõe às normas internas, além de entender que a Constituição não prevê a filiação partidária como premissa para os cidadãos participarem da vida política do país.

Dos pontos positivos e negativos, há que se ponderar, todavia, o necessário. Como já dito, há uma falta de credibilidade política no cenário atual, e assim, com os avulsos, os partidos perderiam o monopólio das candidaturas e das decisões de seus eleitos, podendo, talvez, constituir mudanças na maneira como conduzem a política.

Por outro lado, os partidos políticos são um dos pilares da democracia representativa que vigora neste país, sendo que por eles as pessoas são mobilizadas, em volta de interesse comum e a demanda social que defende, tornando assim os candidatos conhecidos para o restante da população. Vale notar que, sem um partido, existir-se-ia uma inoperância governamental, pois não tendo mais um líder para discutir, deveria o executivo procurar parlamentar por parlamentar para aprovar o necessário, colocando, ainda mais, morosidade no processo legislativo.

5. Candidaturas independentes: uma solução ou um novo problema?

Concluem, pontualmente, Costa, Dias & Miranda (2017, p. 14):

A exigência de filiação partidária como requisito ao exercício da capacidade eleitoral coloca o Brasil no grupo minoritário de países que vedam as candidaturas independentes. Além disso, os brasileiros não se sentem mais representados, e assim o mecanismo que possibilitaria a candidatura avulsa poderia ser uma tentativa de sanar o problema, pois seria instrumento de renovação e melhora o sistema democrático. No entanto, de nada adiantará uma reforma, mesmo que com ideias condizentes a representatividade popular, se os alicerces da política brasileira continuarem de vidro, ou seja, enquanto a sombra da corrupção continuar presente no sistema eleitoral brasileiro, qualquer reforma feita agora se mostra ineficaz em longo prazo, e esta não a dizimará.

Por todo o exposto, deve-se perceber que a candidatura avulsa é um meio onde o candidato não estará preso ou coagido as decisões do partido, e ao mesmo tempo, a Constituição Federal é explícita quanto à exigibilidade de existir a filiação partidária. A despeito de controvérsias, enfim, ainda parece razoável que se acautele perante os enormes riscos, como a possibilidade de apenas ser uma brecha para inúmeros candidatos aventureiros.

Referências

  1. COSTA, R. S.; DIAS, P. P. L.; MIRANDA, L. P. Candidatura Avulsa: Estudo da controvérsia em torno da representação popular. Boa Vista: Universidade Federal de Roraima, 2017. 30 p. Disponível em: <http://ufrr.br/direito/index.php?option=com_phocadownload&view=category&id=70:2017-2&Itemid=314> Acesso em: 02 out. 2018.
  2. GOMES, J. J. Direito Eleitoral 14. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018. v. 5. p. 213.
  3. BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleiçõs. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 30 set. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm > Acesso em: 02 out. 2018
  4. ______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 02. out 2018.

Escrito por:

Wilson Gustavo Oliveira Sousa, graduando em Direito, no 8º período, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC GOIÁS), membro do Núcleo de Direito Eleitoral, do Núcleo de Direito Administrativo, do Núcleo de Direito Constitucional e do Núcleo de Universitários do IEAD. Seu email para contato é [email protected]. Wilson está no Instagram como @wilsongustavooliveira.

Sullamara Rodrigues Barbosa, graduanda em Direito, 10º período, no Centro Universitario de Goias – Uni Anhanguera, membro do Núcleo de Direito Eleitoral. Seu email para contato é [email protected], esta no Instagram como @sullamara.rb.

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  1. “Está proibida a candidatura avulsa, ainda que a pessoa seja filiada a algum partido”.

    Nao fica muito claro o que o artigo acima quer dizer.

    Por exemplo, pessoa filiada em partido “X” pode lançar candidatura a prefeito sem chapa para vereador? Sendo chapa avulsa, somente majoritária?

    1. Oi, Luiz, tudo bem?

      Creio que quer dizer que a pessoa poderá se lançar como candidata independentemente do seu partido já ter lançado outro candidato ou não, na modalidade avulsa.

      Abraços

  2. Na procura de um partido, constatei que dos sete que visitei, cinco(05) e talvez seis (6) declararam endereços falsos e só estão registrados para ussufruir das verbas destinadas às campanhas. E os candidatos são usados pra engrossar as filas a fim de impressionar os partidos a quem, en troca de + grana. A marginalidade predomina no apócrifa democracia atual.