A doutrina e a jurisprudência são pacíficas quanto à capacidade processual das Casas Legislativas. E isto inclui, desse modo, a Câmara Municipal dos Vereadores. Contudo, este é um tema, ainda, que gera grandes discussões entre os operadores do Direito.
É fato que as Câmaras Municipais de Vereadores praticam atos que interferem no ordenamento jurídico. E, consequentemente, sofrem reações sobre eles. No entanto, o questionamento que se traz é: quando a Câmara Municipal pode estar em Juízo?
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O Novo CPC, aduz em seu art. 70, que ”toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em Juízo”.
Já o Código Civil traz em seu art. 1º que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.
No entanto, nesse ponto, é oportuno esclarecer que as Câmaras Municipais não possuem personalidade jurídica. Ela possui tão somente personalidade judiciária. Dessa forma, é o que diz a Súmula 525 do Superior Tribunal de Justiça.
STJ – Súmula 525
A Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica, apenas personalidade judiciária, somente podendo demandar em juízo para defender os seus direitos institucionais.
(Súmula 525, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2015, DJe 27/04/2015)
Isto, consequentemente, tem impactos em questões acerca da capacidade processual.
Para uma melhor análise da capacidade processual da Câmara dos Vereadores, então, é importante salientar a diferença entre esses dois institutos.
É de bom alvitre pontuar que certos órgãos públicos – como a Câmara Municipal de Vereadores – que detêm a personalidade judiciária, só podem atuar em juízo quando tem prerrogativas ou direitos próprios para defender, seja no polo passivo ou ativo.
Nesse ponto, surge outro questionamento: todo órgão público tem personalidade judiciária?
Carvalho Filho (2007) ensina que, para ser reconhecida a personalidade judiciária de um órgão público, são necessários alguns requisitos:
a) é preciso que o órgão seja integrante da estrutura superior da pessoa federativa; b) que tenha competências outorgadas pela Constituição; e c) que esteja defendendo seus direitos institucionais – entendidos esses como sendo os relacionados ao funcionamento, autonomia e independência do órgão.
Ora, as Câmaras Municipais, além de serem despersonalizadas juridicamente, são também despatrimonializadas. Ou seja, os bens pertencentes à Câmara são de patrimônio do Município. Eis que, por não ter personalidade jurídica própria, integra a estrutura da Administração Direta. E está, dessa maneira, hierarquicamente subordinada à estrutura administrativa da pessoa jurídica da qual faz parte, no caso, o Município.
Acerca do tema da personalidade judiciária e jurídica da Câmara Municipal e da sua capacidade processual, o Superior Tribunal de Justiça decidiu em acórdão:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. SERVIDORA MUNICIPAL. PRETENSÃO DE ANULAR ATO QUE REVOGOU GRATIFICAÇÃO FUNCIONAL. CÂMARA MUNICIPAL. CAPACIDADE PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA. ENTE DESPERSONALIZADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ.
(STJ, 1ª Turma, AgInt no AREsp 1176432/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 20/03/2018, publicado em 09/04/2018)
Entretanto, há que se considerar, para análise da capacidade processual, que, ainda que despersonalizadas juridicamente e despatrimonializadas, as Casas Legislativas possuem autonomia para gerir bens e pessoal (estrutura administrativa).
Sendo assim, caso a demanda judicial questione fatos que não estejam diretamente relacionados à prerrogativas legais da aludida Casa Legislativa, quem deve ser acionada é a pessoa jurídica legal. No caso, portanto, o Município, na pessoa do Representante da Administração Municipal.
Dessa forma, as Casas Legislativas não podem intervir, por exemplo, em demandas patrimoniais ou trabalhistas. Nesses últimos casos, quando a ação tiver no polo passivo somente a Câmara Municipal, deverá ser chamado à lide também o Poder Executivo, sob pena de extinção do feito.
Como vislumbrado, o Município é a pessoa jurídica legal com capacidade processual para atuar no polo passivo da demanda quando o fato não versar acerca das prerrogativas legais da Câmara Municipal. Acerca do tema, então, o STJ dissertou em acórdão:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. DÉBITO DA CÂMARA MUNICIPAL. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE REGULARIDADE FISCAL. PRECEDENTES DO STJ.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
(STJ, 2ª Turma, AgInt no AREsp 874.841/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 09/08/2016, publicado em 19/08/2016)
Outro questionamento que surge é se a Câmara Municipal, quando legalmente constituída para figurar em algum dos polos de demanda judicial, possui as mesmas prerrogativas legais dos Municípios. Teria prerrogativas, por exemplo, no que tange à contagem dos prazos processuais, já que possui apenas personalidade judiciária?
Ora, a Câmara Municipal, por estar abrangida pela expressão “Fazenda Pública”, desde que seja legítima parte na demanda judicial, nos casos já devidamente explanados alhures, também goza do aludido benefício, contido no art. 183 do Novo CPC. Desse modo, estabelece o dispositivo:
Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.
§ 1º A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.
§ 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público.
Conclui-se, portanto, que as Câmaras Municipais são órgãos que, apesar de possuírem autonomia para gerir valores e organizar a sua estrutura administrativa, constituem um ente desprovido de personalização jurídica e de patrimônio. E está, consequentemente, hierarquicamente subordinado à Prefeitura Municipal.
Sendo assim, para que se tenha um posicionamento sobre a capacidade processual desse órgão em Juízo, é necessário que sempre seja feita uma análise daquilo que está sendo discutido na demanda judicial, se ligados à seus interesses institucionais ou não, e, consequentemente a qual bem esteja imediatamente vinculado.