Para falar sobre o que é o Código Civil, antes, é necessário fazer uma abordagem sobre o Direito Civil de modo geral. Você, advogado ou advogada, ou mesmo que não siga pela advocacia, certamente já se deparou em diversos momentos com a necessidade de entender a amplitude do Direito Civil. Contudo, qual foi a última vez em que revisitou o conceito dessa área do Direito?
Por essa razão, trazemos os principais comentários à Lei 10.406/2002: o Código Civil Brasileiro.
De modo geral, pode-se dizer que o Direito Civil é a área do Direito que regula as relações privadas de pessoas, jurídicas ou naturais, entre si e entre coisas (bens materiais ou imateriais, móveis ou imóveis, e assim em diante).
Vale lembrar que a relação entre pessoas e animais, para a maioria do meio jurídico, é vista com uma relação entre pessoa e coisa, muito embora possa ter suas particularidades em decorrência de leis específicas.
Assim, o Código Civil (Lei 10.406/2002) é a lei que regula as relações de natureza privada. E está para o direito material, da mesma forma que o CPC está para o direito processual.
Embora o Código Civil de 2002 pareça estar vigente há muitos anos – 19 anos completados em 2021 -, não se pode dizer que é tão antigo. Afinal, o Código anterior, de 1916, teve vigência por 86 anos de vigência. Contudo, não foram 86 anos homogêneos, mas anos de mudanças intensas no cenário brasileiro e no cenário jurídico propriamente dito.
Duas ditaduras (a ditadura de Vargas e a ditadura militar de 64) marcaram essa história, além dos avanços em direitos sociais.
Será, então, que o Código Civil de 1916 poderia ser coerente aos princípios da Constituição de 1988.
Toda nova Constituição implica na adesão das normas anteriores apenas na medida de sua coerência. Mas como falar de coerência quando as raízes da codificação ainda permanecem aquelas anteriores?
Para debater isto a fundo, deveríamos também discutir a antiguidade do Código Penal e do Código de Processo Penal. E existem projetos em andamento para essas leis, vide a proposta do Novo Código Penal, embora não saibamos quando elas serão votadas e publicadas.
Apesar disso, precisamos considerar dois pontos:
Mulheres, por exemplo, passaram a ter igualdade constitucional – ainda que a restrição à autonomia da mulher casada tenha sido revogada antes de 1988, outros vestígios dessa incoerência permaneceram.
Algumas questões, no entanto, permaneceram após a vigência do Código Civil de 2002. Desse modo, costuma-se traçar um paralelo entre os dois, sobretudo para entender as justificativas por trás de algumas previsões.
Outras questões, enfim, foram modificadas por leis e entendimentos posteriores. É o caso, por exemplo, da separação judicial ou de fato exigida previamente ao divórcio e extinta pela Emenda Constitucional 66 de 2010.
O Brasil teve apenas 2 códigos civis até o momento, sendo o primeiro o de 1916. Ou seja, a primeira legislação geral de Direito Civil veio somente quase um século após a “independência” do Brasil, em 1822, e quase três décadas após a proclamação da República, muito embora houvesse projetos anteriores.
As tendências positivistas da época, com certeza, influenciaram a edição de um Código próprio.
Como a maior parte dos autores civilistas comentam, o Código Civil de 1916 foi idealizado para uma sociedade patriarcal e majoritariamente agrária.
O que hoje se contempla na parte de Direito Empresarial, por exemplo, antes não era previsto. As negociações eram reguladas, então, pelo Código Comercial – hoje revogado em sua maior parte.
Não se pode pensar, contudo, que não houve modificações à redação de 1916. Houve, sim. O próprio divórcio foi um alteração posterior. Mas tal qual o Código de Processo Civil de 1973, o Código Civil de 1916 parecia uma colcha de retalhos entre objetivos iniciais e normas contraditórias.
Entretanto, o Código Civil de 1916 ainda merece estudo. Isto porque algumas relações foram iniciadas em sua vigência e, portanto, devem observar a legislação da época.
Casamentos realizados antes de 2002, por exemplo, obedecem aos regimes de comunhão de bens anteriores, dentro do que foi acordado no momento da celebração.
Diante de tantas mudanças, sobretudo com a insurgência de uma sociedade neoliberal democrática, era urgente a mudança também da codificação civil.
As negociações ganharam, então, maior privilégio em relação à legislação anterior. E de certo modo, antecipou-se parte da liberalidade entre as partes também presente no Código de Processo Civil. Afinal, com exceção de formas contratuais que exigem formalidades e modelos próprios, também se relativizou a forma pactual entre as partes, contanto que presentes os demais requisitos do negócio jurídico.
Nas normas relativas ao Direito de Família, é mais nítida a distinção entre um e outro código. Do mesmo modo, também se alterou a interpretação sobre a capacidade civil. E a maioridade civil passou, assim, a ser aos 18 anos e não mais aos 21 anos.
As diferenças entre o CC de 1916 e o texto em vigência, de 2002, são inúmeras, como você já percebeu. Para além de um ou outro artigo, o Código Civil de 2002 tem o mérito de:
Com efeito, as diferenças entre os dois códigos legais são ainda mais amplas, quando se trata de analisar artigo à artigo. Aqui, contudo, interessou-nos pontuar apenas as grandes mudanças de concepção trazidas pela nova redação do Código de 2002.
O estudo da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro também é indispensável ao estudo do Código Civil. Trata-se da antiga Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), cujo título foi alterado em 2010.
A LINDB, portanto, é a norma que dá as diretrizes gerais para interpretação das demais normas brasileiras, independentemente de sua natureza. Ou seja, aplica-se para a área cível, penal, entre outras.
Entre as questões abordadas pela LINDB estão a vigência geral das leis (45 dias após a sua publicação) e a forma de atuação em face às lacunas da lei. Afinal, como dispõe o art. 4º da LINDB:
Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Não obstante, é também a LINDB que fornece panoramas para a polêmica discussão sobre o início e o fim da personalidade.
Dessa maneira, o caput do art. 7º da LINDB prevê que:
Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
Os princípios de um código nem sempre estão explícitos, muito embora alguns, como o CDC, destinem seus primeiros artigos a essa abordagem. Então, a visão principiológica varia conforme a doutrina por trás da abordagem. E o mesmo ocorre em relação aos princípios do Código Civil.
São alguns dos princípios do Código Civil de 2002:
Por fim, não se pode esquecer que também as normas civis devem obedecer aos princípios constitucionais, em proteção aos direitos e garantias fundamentais.
Para entender melhor o teor do Código Civil de 2002, enfim, nada melhor do que analisar alguns dos seus principais artigos.
Como mencionado acima, as relações privadas das pessoas jurídicas também são reguladas pelo Código Civil. Contudo, a pessoa jurídica pode ter natureza distinta, tal qual explorado pelo art. 40 do Código Civil de 2002.
Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.
Dessa maneira, a pessoa jurídica poderá ser de:
É importante mencionar que as relações também podem ser público-privadas, casos em que poderão ser reguladas ou pelas normas de Direito Civil ou pelas normas de Direito Administrativo, a depender da situação.
E mesmo as pessoas jurídicas de direito público se obrigam ao Código Civil dentro que couber, quanto ao seu funcionamento.
A pessoa jurídica não se confunde com a pessoa natural por trás de sua gestão ou formação, tampouco se confundem os patrimônios.
Ocorre que a pessoa jurídica também pode causar danos a outrem e, em certas situações, por conduta dessas pessoas naturais por trás dela.
Dessa maneira, o art. 50 do Código Civil, modificado em 2019 pela Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, traz disposições para desconsideração da personalidade jurídica.
Assim, é a redação do caput do art. 50, CC/2002:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
A desconsideração da personalidade jurídico, por fim, também tem seu pedido regulado por meio incidental ao art. 133 ao art. 137 do CPC.
O art. 206 do Código Civil de 2002 é um dos mais comentados, porque se refere aos prazos prescricionais. Veja sua redação:
Art. 206. Prescreve:
§ 1 o Em um ano:
I – a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos;
II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
III – a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários;
IV – a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo;
V – a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.
§ 2 o Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.
§ 3 o Em três anos:
I – a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II – a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;
III – a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;
IV – a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V – a pretensão de reparação civil;
VI – a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;
VII – a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;
VIII – a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;
IX – a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
§ 4 o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
§ 5 o Em cinco anos:
I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
II – a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato;
III – a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.
É essencial, para isso, diferenciar prescrição e decadência. Resumidamente, a prescrição é a perda do direito de exigência ou pretensão, enquanto a decadência é a perda do direito propriamente dito, ambas em razão do decurso do tempo.
Como o colunista Rafael Brasil explica, “a prescrição […] é a perda de pretensão da reparação do direito violado por inércia do titular do direito no prazo legal“. E para isso cita o art. 189 do Código Civil de 2002, segundo o qual:
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206 .
Enquanto o art. 205 do Código Civil apresenta um prazo prescricional geral de 10 anos, para quando não haja prazo diverso fixado em lei, o art. 206 dispõe sobre prazos prescricionais específicos.
Ainda sobre o art. 206 do Código Civil e os prazos prescricionais, houve em 2021 uma importante mudança.
A Medida Provisória 1040/2021 acrescenta o art. 206-A, segundo o qual:
Art. 206-A. A prescrição intercorrente observará o mesmo prazo de prescrição da pretensão.
Com isso, a prescrição intercorrente, que antes era prevista em súmula e aplicada pela jurisprudência, também passa a integrar a legislação civil.
O Código Civil, por fim, é muito amplo. E quem opta por seguir na área do Direito Civil, muitas vezes, acaba por se especializar dentro das subdivisões temáticas também do código. Desse modo, há uma parte que se destina à normas de Direito de Família, às normas de Direito Empresarial, às normas de Responsabilidade Civil e reparação de danos, Direito de Propriedade… Enfim, uma série de diferentes áreas do Direito abraçadas por uma legislação única.
É certo que existem normas especiais que regulam as particularidades de todas essas áreas, mas de que modo as normas gerais se comunicam na amplitude de um único código?
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O Código Civil é o principal texto legal a regular as relações jurídicas entre pessoas naturais (físicas) e jurídicas, no âmbito do direito privado. O Código Civil vigente traz regulamentações sobre o Direito da Família, Direito Empresarial, Contratual, Direito de Sucessões, entre outros temas.
O Código Civil vigente no Brasil hoje é o CC de 2002, instituído pela Lei 10.406/02.