Combate à corrupção, ao crime organizado e a crimes violentos praticados contra a pessoa. Esses são os três eixos centrais que compõem o Projeto de Lei Anticrime, que modifica importantes leis do ordenamento jurídico brasileiro como o Código Penal, por exemplo.
A proposta do ministro da Justiça Sérgio Moro, apresentada no início de fevereiro de 2019, gerou polêmica e muitos debates. Sobretudo entre os próprios políticos do Congresso Nacional, onde a proposta está em tramitação hoje.
Entre os itens de destaque do texto estão a criminalização de atos ilegais, como caixa 2 de campanha, lavagem de dinheiro, a prisão em segunda instância como regra e punições mais rigorosas, por exemplo. A grande polêmica do texto fica por conta do chamado salvo-conduto, que autorizaria a polícia militar a matar sob alegação de legítima defesa.
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O pacote de mudanças, no entanto, é bem mais longo e complexo que isso. Ao todo, ele prevê alterações em 14 leis do ordenamento jurídico brasileiro.
É o caso, por exemplo:
No entanto, Moro considera importante que tais frentes componham o pacote único pelo fato de estarem diretamente vinculadas. Pois, segundo ele:
o crime organizado utiliza a corrupção para ganhar impunidade, por exemplo. Por outro lado, o crime organizado está vinculado a boa parte dos homicídios do país, que estão vinculados às disputas e dívidas do tráfico.
Após a entrega do projeto de lei anticrime aos parlamentares da Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Rodrigo Maia, não prometeu celeridade. Assim, após o burburinho inicial, a discussão esfriou. De fato, a prioridade estava com as mudanças da Reforma da Previdência, agenda mais urgente do governo Bolsonaro no início de 2019.
O grupo de trabalho criado para debater o texto, além de outros dois projetos de lei que tratam do mesmo tema, foi composto pelos deputados Capitão Augusto (PR-SP), João Campos (PRB-GO), Orlando Silva (PCdoB-SP), Subtenente Gonzaga (PDT-MG), Lafayette de Andrada (PRB-MG) e Hildo Rocha (MDB-MA), e coordenado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI).
Vale notar, além disso, a existência de uma proposta mais antiga que trata praticamente dos mesmos assuntos. Ela foi apresentada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, quando ocupava o cargo de ministro da Justiça no governo Michel Temer.
As duas, segundo Maia, seriam muito correlatas entre si, mas o projeto de Alexandre de Moraes iria um pouco mais além. Além das propostas-chave, o texto também afrontaria a organização de grupos milicianos e sugere novas formas de financiar a segurança pública. Alguns parlamentares, aliás, alegam que o texto é menos polêmico e mais efetivo no que diz respeito às políticas de segurança pública pelo fato de que teria sido elaborada em conjunto com uma comissão de juristas instalada pela própria Câmara.
De fato, os casos de Caixa 2 são julgados com base no Código Eleitoral. Tal legislação faz menção, por exemplo, a omissão e falsidade na prestação de contas à Justiça Federal. A punição, no entanto, é branda, com pena de até 5 anos de prisão.
Além disso, ela também não se aplica a quem pagou o Caixa 2, por exemplo.
Passaria a reconhecer o Caixa 2 como crime. Assim, seu conceito envolveria o ato de arrecadar, manter, movimentar ou utilizar valores não declarados à Justiça Eleitoral. A pena de prisão, portanto, seria de 2 a 5 anos. Ela aumentaria, no entanto, se houver a participação de agente público.
Além disso, entende-se a punição como estendida a quem deu o dinheiro via caixa 2, por exemplo.
O Código Eleitoral, por meio da inserção de um novo artigo, o 350-A. Assim, segue:
Art. 350-A. Arrecadar, receber, manter, movimentar ou utilizar qualquer recurso, valor, bens ou serviços estimáveis em dinheiro, paralelamente à contabilidade exigida pela legislação eleitoral.
Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem doar, contribuir ou fornecer recursos, valores, bens ou serviços nas circunstâncias estabelecidas no caput.
§2º Incorrem nas mesmas penas os candidatos e os integrantes dos órgãos dos partidos políticos e das coligações quando concorrerem, de qualquer modo, para a prática criminosa.
§ 3º A pena será aumentada em 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), no caso de algum agente público concorrer, de qualquer modo, para a prática criminosa.
O Código Penal prevê que ninguém pode ser preso senão em flagrante ou após um processo transitar em julgado, por exemplo. No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem permitindo, desde 2016, a prisão dos condenados em segunda instância.
A prisão após condenação em segunda instância se tornaria regra no processo penal, portanto. Leva para a lei, de fato, um entendimento que já foi firmado e aplicado pelo STF, mas que está novamente em discussão.
O Código de Processo Penal, por meio da inserção de novo um artigo. Tal dispositivo, no caso disporia, assim, que:
Art. 617-A. Ao proferir acórdão condenatório, o tribunal determinará a execução
provisória das penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou pecuniárias, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos.§ 1º O tribunal poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas se houver uma questão constitucional ou legal relevante, cuja resolução por Tribunal Superior possa plausivelmente levar à revisão da condenação.
§ 2º Caberá ao relator comunicar o resultado ao juiz competente, sempre que possível
de forma eletrônica, com cópia do voto e expressa menção à pena aplicada.
O Código Penal é genérico neste quesito, por exemplo. Limita-se apenas a prever o confisco do produto do crime ou de bem ou valor que resulte de prática de fato criminoso, portanto.
O projeto de lei traz mais detalhes sobre o assunto, portanto. Prevê, por exemplo, que todos os condenados a mais de seis anos de prisão poderão ter confiscados os bens que representem a diferença entre aquilo que a pessoa possui e a quantia compatível com seus rendimentos lícitos.
Além disso, as obras confiscadas que possuam valor cultural e artístico passariam a ser destinadas a museus.
O Código Penal e o Código de Processo Penal, por meio da inserção de um novo artigo em cada uma dessas legislações. Ficaria o texto:
Art. 91-A. No caso de condenação por infrações as quais a lei comine pena máxima superior a seis anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.
§ 1º A decretação da perda prevista no caput fica condicionada à existência de elementos probatórios que indiquem conduta criminosa habitual, reiterada ou profissional do condenado ou a sua vinculação a organização criminosa.
§ 2º Para efeito do perdimento previsto neste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens:
I – que estejam na sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e
II – transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.
§ 3º O condenado terá a oportunidade de demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.
Art. 124-A. No caso de decretação de perdimento de obras de arte ou de outros bens de relevante valor cultural ou artístico, poderão ser elas destinadas a museus públicos, se os crimes não tiverem vítima determinada ou se a vítima for a Administração Pública direta ou indireta.
A lei define como organização criminosa toda associação composta por quatro ou mais pessoas e caracterizada pela divisão de tarefas como forma de obter vantagens mediante a prática de crimes. Tais crimes mencionados pela lei seriam, portanto, aqueles com penas superiores a quatro anos de prisão.
Amplia o conceito de organizações criminosas, passando a incluir também, por exemplo, as facções como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho. Além disso, também estabelece novas regras sobre prisão de seus líderes e integrantes: sem progressão de regime e com o cumprimento da pena em presídios de segurança máxima.
Além disso, a proposta amplia de um para três anos o prazo de permanência de líderes de organizações criminosas em presídios federais.
A Lei nº 12.850/2013, que define organização criminosa, por exemplo. No caso, o projeto de lei amplia o caput do art. 3º e insere o art. 3-A, com quatro parágrafos, portanto. Segue, portanto, a proposta de nova redação:
Art. 3º Em qualquer fase da investigação ou da persecução penal de infrações penais praticadas por organizações criminosas, de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou de infrações penais conexas, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova.
Art. 3º- A. O Ministério Público Federal e a Polícia Federal poderão firmar acordos ou convênios com congêneres estrangeiros para constituir equipes conjuntas de investigação para a apuração de crimes de terrorismo, crimes transnacionais ou crimes cometidos por organizações criminosas internacionais
§ 1º Respeitadas as suas atribuições e competências, outros órgãos federais e entes públicos estaduais poderão compor as equipes conjuntas de investigação.
§2º O compartilhamento ou a transferência de provas no âmbito das equipes conjuntas de investigação devidamente constituídas dispensam formalização ou autenticação especiais, sendo exigida apenas a demonstração da cadeia de custódia.
§ 3º Para a constituição de equipes conjuntas de investigação, não se exige a previsão em tratados.
§4º A constituição e o funcionamento das equipes conjuntas de investigação serão regulamentadas por meio de decreto.
A pena para o disparo, posse ou porte ilegal, comércio ilegal e tráfico internacional de arma de fogo aumenta se, por exemplo, a pessoa que praticou tais crimes for integrante de forças de segurança ou empregado de empresa de segurança e transporte de valores.
A pena para os mesmos crimes aumenta se tais agentes já possuírem condenações anteriores, por exemplo.
A Lei nº 10.826/2003, que dispõe sobre o manuseio de armas de fogo e define crimes. No caso, o projeto de lei insere dois incisos ao art. 20, ficando assim sua redação:
Art. 20. Nos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, a pena é aumentada da metade se:
I – forem praticados por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º desta Lei; ou
II – o agente possuir registros criminais pretéritos, com condenação transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado.
Os casos julgados pelo Tribunal do Júri podem ser recorridos em liberdade, por exemplo.
A pessoa condenada pelo Tribunal do Júri começa a cumprir a pena imediatamente após o julgamento, por exemplo. Portanto, isso teria validade mesmo que caibam recursos da decisão em questão.
O Código de Processo Penal, por meio de modificações que atingiriam três artigos, por exemplo:
Art. 421. Proferida a decisão de pronúncia e de eventuais embargos de declaração, os autos serão encaminhados ao presidente do Tribunal do Júri, independentemente da interposição de outros recursos, que não obstarão o julgamento.
§ 1º Havendo circunstância superveniente que altere a classificação do crime, o juiz ordenará a remessa dos autos ao MP.
Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que:
I – no caso de condenação:
e) determinará a execução provisória das penas privativas de liberdade, restritivas de direito e pecuniárias, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos;
§3º O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas se houver uma questão substancial cuja resolução pelo Tribunal possa plausivelmente levar à revisão da condenação.
§ 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri não terá efeito suspensivo.
§5º Excepcionalmente, poderá o Tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação, quando verificado cumulativamente que o recurso:
I – não tem propósito meramente protelatório;
II – levanta uma questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou alteração do regime de cumprimento da pena para o aberto.
§ 6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente no recurso ou através de petição em separado dirigida diretamente ao Relator da apelação no Tribunal, e deverá conter cópias da sentença condenatória, do recurso e de suas razões, das contrarrazões da parte contrária, de prova de sua tempestividade, e das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia.
Art. 584. …
§ 2º A pronúncia não tem efeito suspensivo, devendo ser processado através de cópias das peças principais dos autos ou, no caso de processo eletrônico, dos arquivos.
Para a situação ser enquadrada como legítima defesa, o policial deve utilizar-se moderadamente dos meios necessários com forma de impedir agressão injusta a si ou a outra pessoa, por exemplo.
A pena pode ser reduzida até a metade, ou poderia até mesmo deixar de ser aplicada, se o policial agir em legítima defesa devido ao medo, surpresa ou emoção.
Este, no entanto, é um dos pontos mais criticados do projeto de lei. Segundo entidades que atuam em defesa dos direitos humanos, o dispositivo abre uma brecha que permite aos policiais matarem em serviço, por exemplo.
No entanto, Moro alega que o dispositivo só será aplicado se houver excesso, como, por exemplo, um número muito alto de tiros. Além disso, o dispositivo também especifica as situações que seriam consideradas como defesa: em meio a confronto ou proteção de vítima refém.
O Código Penal e o Código de Processo Penal. Ao primeiro (CP), o projeto de lei sugere a inserção de dois parágrafos ao art. 23 e um parágrafo único (com dois incisos) ao art. 25. Já no segundo (CPP), a proposta prevê a inserção de um novo artigo: o 309-A.
Veja, portanto, como ficariam:
Art.23. …
§ 1º O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso
ou culposo.
§ 2º O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso
decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.
Art. 25. …
Parágrafo único. Observados os requisitos do caput, considera-se em legítima defesa:I – o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e
II – o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.
Art. 309-A. Se a autoridade policial verificar, quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, que o agente manifestamente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Código Penal, poderá, fundamentadamente, deixar de efetuar a prisão, sem prejuízo da investigação cabível, registrando em termo de compromisso a obrigatoriedade de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revelia e prisão.
Para entrar em vigor, no entanto, o projeto de lei anticrime deve ser aprovado por maioria simples pelo plenário das duas casas legislativas: a Câmara de Deputados e o Senado. Só depois, portanto, irá para a sanção do presidente Jair Bolsonaro.
No entanto, a proposta tem encontrado dificuldades nos âmbitos legislativo e jurídico. Na esfera no Congresso Nacional, por exemplo, boa parte das medidas já tinha sido objeto de discussão ou considerada contrária a legislações já aprovadas. É o que aconteceu, por exemplo, com as regras sobre colaboração premiada e organizações criminosas.
Já na esfera judiciária, as medidas também confrontavam temas já debatidos e considerados inconstitucionais pelo STF. Veja algumas situações, por exemplo:
Além disso, levantou-se o fato de que algumas medidas do projeto de lei provocariam forte reação do Judiciário, caso aprovadas. A principal delas foi, por exemplo, a gravação de conversas entre advogados e clientes. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a proposta violaria as garantias e princípios fundamentais da Constituição e o livre exercício profissional da advocacia, protegido pelo Estatuto da Advocacia.
As propostas mais polêmicas do texto, no entanto, foram a sugestão de afrouxamento do controle sobre a atividade policial e a flexibilização da legítima defesa. Se aprovadas, elas levariam o país a também ser condenado internacionalmente, por exemplo. Isso devido à legalização da prática pró-crime.
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