A falsa enfermeira foi acusada de aplicar vacinas em políticos e empresários de Belo Horizonte, desviando imunizantes e ferindo o plano nacional de imunização. Como não havia vacina, mas sim soro fisiológico, como tipificar a conduta da investigada?
O que começou com o anúncio de mais um caso de desvios de vacinas contra a COVID-19 no Brasil, se mostra, na verdade, um caso clássico de fraude. Cláudia Mônica Pinheiro Torres de Freitas, teria imunizado 57 pessoas contra o Novo Coronavírus, mas que, após rápida investigação preliminar, foi comprovado de que a mesma sequer era enfermeira, tampouco teve ou tinha em sua posse o imunizante.
Inicialmente, a investigada seria acusada de aplicar vacinas de forma clandestina, ferindo o plano nacional de imunização e, em decorrência de sua atitude, seria deflagrada grande operação para interceptar o local onde a suposta enfermeira estaria desviando as ampolas de Coronavac.
Como já demonstrado, a investigada jamais teve posse das vacinas, o que torna impossível o crime acima mencionado, visto que, ao aplicar soro fisiológico, por impropriedade material fática, não há aplicação de vacina contra a COVID-19, tampouco desvio de imunizantes.
Mas como punir um indivíduo que atua nesta seara da sociedade?
A investigada, na verdade, é cuidadora de idosos, conforme já comprovado pelo inquérito policial em andamento, ou seja, a atuação como enfermeira não seria possível, devendo então ser caracterizada uma contravenção penal, prevista no art. 47 do Decreto Lei nº 3.688/41, que versa sobre o exercício ilegal da profissão, o que pode gerar uma pena de prisão simples de quinze a três meses ou multa.
No que diz respeito à comercialização falsa de vacina contra o novo coronavírus, a investigada deve ser acusada de estelionato, crime previsto no art. 171 do Código Penal, pois atuou com o intuito de obter para si, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, mantendo os compradores a erro mediante artifício fraudulento.
A tipificação ao crime de estelionato se enquadra perfeitamente na atuação da investigada, pois cumpre os cinco requisitos formais para sua caracterização: fraude, erro, vantagem ilícita, prejuízo alheio e dolo.
Cláudia que comete fraude ao comercializar soro fisiológico como o imunizante Coronavac, faz com que os compradores fossem levados à erro sobre o produto adquirido. Além disso, ela obtém a vantagem ilícita, pois cobrava R$ 600,00 para aplicar as duas doses da vacina.
Essa atitude causou prejuízo alheio, já que os “imunizados” poderiam se prejudicar ao viver em sociedade, no momento atual, entendendo estar imunizados e sua atuação dolosa está clara, pois a referida possuía total noção de seus atos e buscou cometer as ações com claro objetivo de obter lucro financeiro.
Ademais, o que ficou em evidência na notícia, além da atuação da investigada, é o fato de que a compra do material utilizado foi realizada por influentes empresários e políticos de Belo Horizonte e, de tal modo, os mesmos também deveriam ser punidos por ferir o plano nacional de imunização.
Como a investigada comercializava soro e não Coronavac, não há desvio de materiais, fomento à organização criminosa, tampouco atuação contra o programa nacional de imunização. Novamente caracteriza-se o crime impossível, pois em razão da ineficácia absoluta do objeto (soro fisiológico), os empresários e políticos não colaboraram para desvios ou quaisquer ações delituosas, mesmo que esta fosse a intenção.
De tal modo, felizmente ou infelizmente, a investigada pode ser punida por até três meses de prisão simples ou multa e os empresários e políticos não podem ser punidos. Já no campo ético, fica a reflexão.
Autor: Irvyng Ribeiro
Advogado formado pela UERJ e pós-graduando em Criminologia e Direito Processual Penal;
Sócio proprietário de um Escritório de Advocacia;
Consultor Jurídico de empresas privadas;
Colunista de Direito Penal;
Servidor público com mais de dez anos de experiência no direito brasileiro.