Basta correr rapidamente os olhos pelos centros urbanos das cidades Brasil afora, para concluir que o adensamento aglomerado de pessoas, traduzido no surgimento de um número cada vez maior de condomínios edilícios, é uma realidade que não demonstra sinais de retrocesso, pelo menos por ora.
Isso porque, além do fator de aproveitamento de espaço no perímetro urbano, a convivência em condomínio, ainda que na sua faceta vertical, ou seja, de casas, traz a sensação de proteção de um valor bastante prestigiado na atualidade, qual seja, a segurança.
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Todavia, pelos ensinamentos do renomado jurista brasileiro Caio Mario P. da Silva, dedicado aos estudos deste instituto jurídico, é possível perceber que há notícias desta modalidade de moradia já em Roma. Veja-se, desse modo:
Novo não é o fenômeno, nem o social nem o jurídico. Em verdade, novo, totalmente novo, nada há debaixo do sol. Já de remotos tempos, vem a habitação concentrada, e desde então o jurista pensou no assunto, e emitiu conceitos. Não, porém, com a intensidade e a extensão de hoje em dia.
Ele, então, continua:
Ao tempo de Roma, e necessidade não há de retroceder além, o jurista encontrando a casa geminada, onde mais de uma família vivia sem exercer em comum direitos sobre o todo, antes se descriminando as faculdades de cada dominus sobre uma parte da coisa, que é em relação aos respectivos titulares mais do que fração de um objeto, porém verdadeira e autônoma res, ali sentiu a conveniência da divisibilidade jurídica, consequente ao fracionamento material e ao partilhamento econômico. Um genial, Ulpiano, equiparou a divisão da casa, “que frequentemente realizam” (ut plerique faciunt) ao retalhamento do solo, e, confrontando uma e outro, aplicou-lhe princípio idêntico, afirmando que resultavam duas casas, da mesma forma que a partilha geodésica gerava dois imóveis, e não duas partes de um só todo. (PEREIRA, Caio Mario da Silva. Condomínio e Incorporações, p 35.)
Como dito acima, o condomínio edilício pode ser horizontal ou vertical. No condomínio edilício horizontal, é comum pensar, por exemplo, nos grandes condomínios de mansões sem muros divisórios, ou mesmo nos conglomerados de galpões de logística e empresarial.
Entretanto, uma solução imobiliária mais modesta vem ganhando espaço. Ao mesmo tempo, cai no gosto das pessoas, principalmente porque tem, como público alvo, aqueles que sonham com a compra da primeira casa própria para sair do aluguel.
Talvez, você já saiba ao que estou me referindo. Se não, lhes digo: o empreendimento de casas geminadas.
Aqui, todavia, cabe um parêntese: diferentemente da crença popular, casas geminadas não levam a letra “r”. Possuem como raiz etimológica a palavra gemina e os seguintes significados segundo o dicionário Michaelis:
adj. 1 Que se geminou; que se apresenta dobrado ou reunido em par; duplicado, duplo.
2 CONSTR Diz-se de cada uma das casas conjugadas, construídas com paredes-meias, geralmente com a mesma aparência de fachada e mesmas divisões internas.
3 CONSTR Diz-se das janelas e portas que têm dois caixilhos e se abrem para os lados.
4 Diz-se de cada um dos vãos, colunas ou arcadas construídos em pares e pouco separados entre si.
5 FON Diz-se de som consonantal mais longo que os demais na língua (em duração e intensidade), como consequência de geminação.
6 BOT Diz-se dos órgãos ou vegetais dispostos dois a dois, acoplados ou ligados.
7 GRAM Diz-se de letra consoante que ocorre em dupla; dobrado”.
(Fonte: https://michaelis.uol.com.br/busca?id=Wz24. Acesso em: 31/08/2021)
Dito isso, se visualmente não restam dúvidas acerca da divisão de espaço no terreno onde são edificadas e do espelhamento do projeto arquitetônico das casas, o mesmo não pode ser dito em relação à instituição de condomínio edilício nesta modalidade de empreendimento.
O Poder Judiciário brasileiro, inclusive, já foi visitado inúmeras vezes, nas mais diversas regiões do país, por meio de procedimentos de suscitação de dúvida diante da negativa dos delegatários de registro de imóveis em proceder com o referido ato administrativamente.
Neste aspecto, mostra-se necessário, portanto, elucidar alguns pontos de tensão atinentes à legislação vigente e que costumam servir de base à dúvida registral.
O primeiro ponto sobre o registro de condomínio edilício tem relação com a Lei nº 6.766/79, a Lei de Parcelamento de Solo Urbano.
A Lei de Parcelamento de Solo Urbano impõe, então, no inciso II do seu art. 4º, a limitação em relação à área mínima que deve ser observada em lote. Vejamos:
Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:
I – as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem. (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999)
II – os lotes terão área mínima de 125m² (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes; (…)
Neste sentido, por ser norma federal, nenhuma gleba de terra poderá ser parcelada em lotes com área inferior da prevista no referido texto legal. É possível, apenas, que a legislação urbanística dos municípios seja mais restritiva, estipulando, por exemplo, uma metragem mínima superior para cada lote resultante de parcelamento urbano.
Por fim, muitos podem ver a edificação de casas conjugadas como uma tentativa de burlar as regras da Lei 6.766/79, forçando um desmembramento/desdobro, fora dos seus parâmetros.
Outro argumento desfavorável à instituição de condomínio nestas edificações, tem a sua raiz nos requisitos presentes nos parágrafos do artigo Art. 1.331 do Código Civil:
Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio. (Redação dada pela Lei nº 12.607, de 2012)
§ 2º O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos.
§ 3º A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)
§ 4º Nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao logradouro público.
§ 5º O terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição contrária da escritura de constituição do condomínio.
Portanto, o que a Lei exige é que coexista propriedade comum (não necessariamente uso comum) e a propriedade exclusiva.
A propriedade edilícia é um instituto complexo, combinando, assim, a existência de propriedade exclusiva de cada uma das unidades que integram o todo com a copropriedade das áreas comuns.
É justamente neste ponto que mora o grande debate do condomínio edilício. Afinal, os projetos arquitetônicos de casas geminadas não compreendem, em sua maioria, a presença de áreas de propriedade comum. Ao contrário, o próprio acesso à via pública é totalmente independente. E a maciça jurisprudência não admite a parede divisória e o terreno como áreas comuns suficientes para o fim de instituição de condomínio edilício.
Dúvida de Registro de Imóveis
Diante deste cenário de insegurança jurídica, um julgado da 1º Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo/SP, ganhou prestígio e tem servido de paradigma para solucionar suscitações de dúvidas. Por essa razão, traz-se um trecho:
Em resposta à ARISP na consulta formulada nos autos do processo nº 583.00.2008.205959-7 (CP 477), desta Corregedoria Permanente, ficou assentado que, para o registro de casas geminadas em regime jurídico de condomínio edilício, aprovadas pelo Município de São Paulo com base no art. 151, II, tipologia R2h, da Lei Municipal nº 13.885/2004, sem possibilidade de desdobro, deverão os Oficiais de Registro de Imóveis da Capital, à luz dos v. acórdãos nº 788-6/7 e 155-6/9, ambos do E. Conselho Superior da Magistratura, observar, ao menos, o seguinte:
a) é possível instituir condomínio edilício em casas geminadas, desde que presentes seus elementos caracterizadores, de modo a não caracterizar desdobro em desrespeito à Lei nº 6.766/79;
b) as regras contidas nos arts. 1.331 a 1.346, do Código Civil, e na Lei nº 4.591/64 (na parte em que não revogada pelo Código Civil) devem ser observadas integralmente;
c) é mister que haja vinculação entre o terreno e a construção que constitui a unidade autônoma;
d) a parede divisória comum das casas geminadas, isoladamente, não constitui área comum para fins de instituição de condomínio edilício, sendo de rigor a existência de outras partes de propriedade comum;
e) o local destinado a comportar as caixas de correspondência, as entradas de água e de energia elétrica e de coleta de lixo, isoladamente, não constitui propriedade comum apta a configurar condomínio edilício;
f) jardim frontal e quintal dos fundos podem constituir área de uso exclusivo, desde que mantidos como propriedade comum dos condôminos; e
g) a averbação da edificação é pressuposto e condição para o registro da instituição, especificação e convenção de condomínio.
(Processo 100.09.159448-2 – Dúvida de Registro de Imóveis – 8º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo. CP. 242. – Adv: Luiz Henrique Coke – OAB 165271/SP) (grifou-se)
Sendo assim, em que pese as restrições impostas pela legislação, conforme o item “f” da decisão supramencionada, o jardim frontal e quintal dos fundos, quando mantidos como propriedade comum dos condôminos podem constituir área de uso exclusivo de cada unidade, ao passo que este parâmetro de construção se mostra como uma solução razoável para colocar um ponto final na discussão, propiciando, assim, a instituição de condomínio edilício de casas geminadas.
Até a próxima.
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