Contratos

Regras do contrato atípico no Direito Civil

Os contratos tornaram-se tão comuns em todo tipo de relação comercial que a legislação reguladora não consegue acompanhá-los, o que origina o contrato atípico. Apesar disso, eles estão não estão completamente à parte do ordenamento jurídico. Como você verá neste artigo, no Código Civil (CC/02) encontraremos as regras gerais e os princípios contratuais que norteiam essa modalidade contratual.  

Contratos atípicos são também conhecidos como inominados, isto é, `sem nome` . Eles não são considerados nominados por não estarem devidamente expressos na lei. Por exemplo, um contrato de compra e venda está dito, já um de joint venture não é citado na legislação. Contudo, estas minutas contêm nome no seu ambiente de uso, seguindo o exemplo anterior. Por essa ressalva, estudos da área contratualista preferem manter a denominação “contrato atípico”, e evitar chamá-los de inominados.

Além da discussão de como chamá-lo, os contratos atípicos demandam o entendimento profundo dos princípios contratuais que os regem.

Neste artigo vamos diferenciar contratos típicos e atípicos e entender os cuidados e aplicações destes últimos.

O que é um contrato atípico?

Os atípicos ou inominados se fundamentam pela liberdade de contratar, quando existe a necessidade de um acordo mas este não se enquadra nos moldes dos contratos empresariais típicos, detalhados no título V do Código Civil.

Apesar dos contratos atípicos afastarem-se dos moldes legais, pois não são expressamente regulados pela lei, são permitidos juridicamente, desde que não contrariem os bons costumes e princípios gerais de Direito. As partes devem agir dentro da probidade e boa-fé presumida. De acordo com o visto, no artigo 425 do CC/02:

É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código. Artigo 425, Código Civil.

Isso significa que suas cláusulas e condições são definidas livremente pelas partes envolvidas, desde que não sejam contrárias à legislação, à ordem pública ou aos bons costumes.

Em outras palavras, os contratos atípicos são contratos personalizados, que se adaptam às necessidades específicas das partes. Eles são muito utilizados em situações em que não existe um modelo que se encaixe perfeitamente na relação jurídica desejada.

Características dos contratos atípicos

  • Ausência de previsão legal: o contrato atípico não está previsto em nenhuma lei específica.
  • Autonomia da vontade: as partes têm liberdade para definir as cláusulas e condições do contrato, desde que não sejam contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes.
  • Flexibilidade: os contratos atípicos são mais flexíveis do que os contratos típicos, pois podem ser adaptados às necessidades específicas das partes.
  • Aplicabilidade dos princípios gerais do direito: mesmo que não estejam previstos em lei, os contratos atípicos são regidos pelos princípios gerais do direito, como o princípio da boa-fé, o princípio da pacta sunt servanda e o princípio da igualdade.

Exemplos de contratos atípicos:

Um dos motivos da existência de contratos atípicos é a crescente necessidade de novos acordos pelo movimento natural da economia. Alguns contratos atípicos são conhecidos, portanto nos servem de exemplos para compreensão do tema.

Há outros casos como o contrato de consórcio que já foram peças atípicas. Até a década de 60 os consórcios não estavam na lei, a partir de 1976, passaram a ser típicos e regidos pela Lei nº 6.404/76. O exemplos de contratos atípicos hoje podem mudar ao longo dos anos.

Contrato de build to suit:

É um contrato no qual a construtora se compromete a construir um imóvel de acordo com as especificações do cliente para ser posteriormente locado. É um imóvel sob medida. Aqui, o dono do local personaliza sua construção em troca de um contrato de longo prazo com o inquilino.

Este tipo de contrato é importante para o comércio e a indústria, geralmente resulta em fábricas, galpões, sede comerciais entre outros espaços destinados a empresas que não podem mudar de endereço com facilidade. Ele está previsto nas lei de locações, entretanto a jurisprudência atualmente tende a não aplicar este código a contratos build to suit. É atípico uma vez que as obrigações ultrapassam as encontradas em contratos de aluguel.

O contrato de build to suit cumpre as regras gerais do CC/02 a medida em que o locatário garante renda passiva por um período maior de tempo que os contratos comuns de aluguel, geralmente com prazo de um ano, e em contrapartida o inquilino tem o imóvel personalizado e a garantia de não ser despejado. Os benefícios das partes estão equilibrados.

Contrato de franquia:

É um contrato no qual o franqueador cede ao franqueado o direito de explorar sua marca e know-how. O franqueado tem a obrigação de seguir as regras da franquia quanto ao produto ou serviço oferecido, uso da marca, estrutura do loja e muitas vezes até no padrão de atendimento dos colaboradores.

Os contratos de franquia determinam as taxas a serem pagas na compra dos direitos e ao longo do funcionamento do comércio. As obrigações do franqueado são personalizadas e variam pela franquia. Em contrapartida, o franqueado recebe apoio de negócio do franqueador para o sucesso da unidade recém aberta e tem a vantagem de atuar em uma empresa com o nome já consolidado.

contrato de franquia é atípico uma vez que a lei não determina os direitos e deveres das partes. Apenas obriga os empresários que franqueiam seu negócio a expor aos interessados informações essenciais antes do fechamento do acordo.

Contrato de Joint Venture:

Joint venture é um tipo de sociedade constituída quando duas entidades se juntam com um objetivo de explorar uma atividade por tempo limitado. Neste processo, nenhuma empresa ou marca é dissolvida.

Assim, um contrato de joint venture será associativo e também atípico, as duas associadas podem exercer no limite da função social do contrato a autonomia da vontade das partes. O contrato desta sociedade determina um atividade comum a ambas as empresas, mas não a criação de um negócio unindo-as.

As obrigações e direitos dos empreendimentos devem ser proporcionais à sua contribuição de recursos, financeiros ou não, como em outros contratos sociais. Pela sua complexidade e personalização, a lei não obriga um tipo contrato para as joint venture.

Diferença entre contrato típico e atípico?

Como já tratamentos, os contratos atípicos são os que carecem de regulamentação específica. Portanto, os contratos típicos são o oposto: estão previstos e regulados pela legislação brasileira. O Código Civil estabelece diversas espécies de contratos típicos, por exemplo:

Para ficar ainda mais claro, abaixo, sintetizamos as diferenças ente contrato típico e contrato atípico. Veja!

Contratos típicosContratos atípicos
DefiniçãoPossuem previsão legal específica, detalhando seus elementos e regras em leis ou decretos. São contratos mais comuns e padronizados.Não possuem previsão legal específica, sendo criado pelas partes de acordo com suas necessidades.
RegulamentaçãoRegulamentado por lei específica, que define os direitos e obrigações das partes, forma de celebração, prazos e outros.Regulamentados pelos princípios gerais do direito e pelas normas do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/02), que fornecem base para a criação de contratos atípicos. As partes têm liberdade para definir as regras do contrato.
VantagensMaior segurança jurídica; Menor margem de interpretações; Processos mais simples em caso de litígios.Maior flexibilidade; Mais opções de personalização.
DesvantagensMenor flexibilidade; Menos opções de personalização.Menor segurança jurídica; Maior margem de interpretações; Processos mais complexos em caso de litígios.
ExemplosCompra e venda de imóveis; Locação de imóveis residenciais e comerciais; Prestação de serviços; Trabalho.Joint venture; Consórcio imobiliário; Cessão de uso de software; Franquia.
Quadro comparativo entre contratos típicos e contratos atípicos.

A tabela acima é um resumo. Considerando que o contrato atípico deverá seguir as normas gerais fixadas no código civil, importa ao gestor de contratos entendê-las.

Normas gerais do Código Civil para contratos

O Código Civil permite a criação de contratos atípicos, e sabemos que eles estão bastante presentes no cotidiano das empresas, pois é impossível a lei evoluir na mesma velocidade que a tecnologia e novos negócios. Porém devemos observar as normas gerais de contratos. São elas a função social do contrato, a relatividade e a boa-fé objetiva.

Estes princípios buscam manter um equilíbrio entre as partes de forma que não haja desvantagem maior a um dos contratantes. As normais gerais que citamos estão nos artigos 421 a 422 do CC/02 conforme menção abaixo:

Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Art. 421-A.  Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Código civil, 2002

O que é a função social do contrato?

Trata-se de um limitador da liberdade de contratar, ou seja não é tudo que pode ser escrito em um contrato mesmo sendo atípico este deverá prezar pelo direito de terceiros não serem prejudicados na execução da minuta contratual. O contrato deve visar o bem social e não só de uma das partes.

O que é a relatividade dentro do direito contratual?

A relatividade irá impor os direitos e obrigações entre as partes e somente entre elas, protegendo a relação jurídica contratual de terceiros que não participaram dela. Contudo podem existir exceções e o princípio da função social do contrato reduz a relatividade, está acima dela.

Boa-fé objetiva nos contratos

Por fim, a boa-fé objetiva é o dever da honestidade e respeitar o interesse de ambas as partes, sendo que contratante e contratado devem colaborar para alcançar a finalidade do contrato.

Contratos mistos

Na doutrina do jurista Ludwig Enneccerus, os contratos atípicos ainda podem subdividir-se em atípicos propriamente e os atípicos mistos. Os atípicos propriamente ditos são contratos bastante originais, alteram os elementos de contratos típicos e até eliminam alguns elementos secundários.

Os contratos mistos, por sua vez, são como contratos típicos e atípicos mesclados. Constroem-se a partir de contratos típicos mas com elementos originais, é uma contratação única contudo existem cláusulas similares a um contrato típico.

Alguns contratos de aluguel podem enquadrar-se neste segundo caso, os reajustados pelo IPCA, por exemplo.

Cuidados ao elaborar e gerir os contratos atípicos

Ao longo do artigo reforçamos que os contratos atípicos são regidos apenas pelas regras gerais do Código Civil, o peso da vontade dos contratantes é maior do que em contratos típicos, o que ao mesmo tempo dá liberdade e aumenta o risco do contrato.

As cláusulas de uma minuta atípica serão interpretadas sem a força da lei. Portanto o primeiro cuidado que recomendados é a escrita de uma cláusula contendo as regras de interpretação do contrato a fim de evitar discordâncias na interpretação das demais.

Também evite a redação de termos ambíguos ou cláusulas inconclusivas que deixam margem para dedução das partes. A redação de um contrato atípico precisa de atenção dobrada e uma revisão ainda mais cuidadosa.

Sempre revise suas minutas junto com um especialista na área, advogado interno da empresa ou consultor externo.

Já na gestão de contratos atípicos, o primeiro passo é armazená-los cuidadosamente no seu sistema de gestão de contratos e se preciso crie cópias de segurança para serem usadas no dia-a-dia, pois neste caso o texto do contrato funciona como lei. Será imprescindível ter o documento original em caso de litígios.

Outra dica é criar resumos das minutas e inseri-los no software de gestão de contratos usado pelo setor. Como as regras de execução deste contrato são personalizadas, o resumo ajuda a relembrá-las sempre que necessário.

Perguntas frequentes

O que é contrato inominado?

Contrato inominado é uma outra forma de chamar os contratos atípicos, àqueles não regulados por lei específica e que seguem apenas as regras gerais do código civil. O nome inominado vem da ideia de estes contratos não têm nome já que são de livre criação das partes. Porém, popularmente alguns tipos de contratos que são atípicos tornaram-se comuns e são nomeados por exemplo, os contratos de franquia e de joint venture.

Conclusão

As relações sociais e comerciais estão em constante evolução, exigindo instrumentos jurídicos que também se adaptem. Os contratos atípicos permitem a criação de soluções personalizadas, atendendo às particularidades de cada caso.

A falta de legislação competente de um modelo a ser seguido pode gerar insegurança jurídica e dificuldade na interpretação das cláusulas. Por isso a importância de escrevê-las de modo claro e objetivo. Outro recurso é buscar as jurisprudências relacionadas e exemplos de empresas que fizeram contratos atípicos similares a sua proposta, tendo, assim, uma base de como elaborar.

É inevitável a elaboração e gestão de contratos atípicos nas rotinas empresariais, por isso a área jurídica deve conhecer com detalhes as regras implicadas neste tipo de contrato.

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