O contrato de gaveta é um acordo particular e informal, feito apenas entre comprador e vendedor para a aquisição de um bem, geralmente imóvel. Contudo, também é firmado para bens imóveis apesar de menos comum.
O uso do contrato de gaveta dispensa registro em cartório, elaboração de escritura pública no tabelionato de notas e registro da venda na matrícula junto ao Cartório de registro de imóveis ou outros tipos de transferência de propriedade.
É uma opção menos burocrática, contudo mais insegura e pode significar riscos ao comprador e ao vendedor. Riscos tais como não pagamento e até o não recebimento de posse do imóvel por embargo de terceiro.
Neste artigo vamos esclarecer em detalhes a composição deste tipo de documento, quais seus riscos, o que diz a lei e alternativas ao uso do contrato de gaveta.
Siga a leitura!
O que é um contrato de gaveta?
A terminologia contrato de gaveta não existe no Código Civil, é uma expressão informal para qualquer contrato firmado entre comprador e vendedor de maneira privada e informal. Não pode envolver uma instituição financeira, como um banco, por exemplo. Apenas as duas partes envolvidas têm ciência da negociação.
Assim, o documento estaria “na gaveta“, ou seja, guardado em segredo. Este tipo de minuta de contrato é mais comum em contratos de compra e venda de imóveis justamente, como já falamos, para evitar a burocracia. Dispensando o registro em cartório, elaboração de escritura pública no tabelionato de notas e registro da venda na matrícula junto ao Cartório de registro de imóveis.
Costuma ser adotado em situações como: o vendedor ainda está pagando o financiamento do bem vendido e quer repassar as parcelas, ou até mesmo com má-fé com a venda de imóveis embargados ou penhorados.
O uso de contratos de gaveta não é proibido, mas é arriscado. Fazer todos os registros e transferências como indica a lei é uma opção mais segura para garantir a propriedade do bem comprado. Caso as partes optem por elaborar um contrato, o modelo de contrato de compromisso de compra e venda é uma opção segura e apoiada no CC02 nos artigos 1.417 e 1.418:
Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
Como funciona o contrato de gaveta?
Um modelo simples de contrato de gaveta é similar a um contrato particular de compra e venda. Nele terão as cláusulas das partes, objeto, valor, tributos, pagamentos e outras julgadas necessárias.
Outro caso particular de contrato de gaveta é quando o vendedor assume um financiamento no banco no valor do imóvel a fim de receber ´´à vista“, contudo o responsável pelo pagamento das parcelas é o comprador que só terá posse efetiva do bem imóvel após a conclusão do pagamento.
Toda essa negociação está feita no contrato de gaveta, reforçando que ele não envolve a instituição financeira. O financiamento foi feito pelo vendedor, apenas entre ele e o banco e assim usado por escolha própria.
Esses foram dois exemplos, mas a regra geral é que se trata de uma negociação particular que não terá interferência de agentes externos como cartório e banco.
O que diz a lei sobre contrato de gaveta?
Como já falamos, o contrato de gaveta é informal, não existe este termo juridicamente, o mais próximo desta prática que está regulamento pelo código civil é o contrato de compromisso de compra e venda.
Ainda assim, o contrato de compromisso não garante a posse do bem que só é de fato garantida com o registro em cartório e tabelionato responsável. E se estivermos tratando de um carro ou uma moto, por exemplo, precisará ser transferido nas Juntas do Detran.
Ainda assim, o contrato de gaveta não é ilegal, apesar de sua validade poder ser questionada. É uma modalidade mais insegura, mas o acordo entre as partes pode ser cumprido de boa-fé.
Para imóveis, o artigo 108 do código civil flexibiliza a necessidade de escritura pública para negócios inferiores a 30 salários-mínimos.
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País. (CC02)
Apesar disso, de não ser ilegal e do código civil flexibilizar a burocracia para negócios abaixo de 30 salários, o risco não costuma valer a pena. Há outras formas mais seguras de adquirir um bem de alto valor sem os riscos associados a um contrato de gaveta.
Contrato de gaveta tem validade?
O contrato de gaveta terá validade entre as partes que o assinaram, mas por não ter qualquer registro pode ser interpretado como inválido e sem ordenamento jurídico. Inclusive sua validade jurídica poderá ser questionada em esfera judicial.
Relembrando que ele não é proibido, o artigo 108 do código civil prevê contratações de compra e venda de imóveis sem escritura desde que inferiores a 30 salários-mínimos. E nesse e nos demais casos para além de imóveis, aplicam-se as regras gerais dos contratos civis.
Se não há nada irregular com o bem vendido e ambas as partes agem de boa-fé, o pagamento e transferência de propriedade é feita conforme acordado em contrato, a relação estabelecida com o contrato de gaveta pode até funcionar.
Entretanto, qualquer empecilho a este cenário ideal pode resultar em uma ação judicial ou na necessidade de uma audiência de conciliação em busca de um acordo extrajudicial.
Por exemplo, após a finalização do pagamento o comprador descobre que o imóvel está embargado e será penhorado para pagamento de uma dívida do vendedor. Por mais que exista um contrato de gaveta, a matrícula do imóvel possuí uma restrição judicial e ele não deveria ter sido vendido pois estava como garantia da dívida.
Neste caso o comprador não consegue tomar posse e o caminho será tentar uma solução junto ao judiciário ou um acordo, ambos os caminhos com risco de sair em desvantagem.
No caso de imóveis:
Atualmente, como existe a prática social do contrato de gaveta, o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que em alguns casos, mesmo o contrato de compra e venda de um imóvel não tendo sido registrado formalmente no registro de imóveis ele pode ser considerado válido.
Isso claro, quando o caso é levado ao judiciário. Outros elementos podem servir de apoio para isso: como o reconhecimento de firma das assinaturas e a posse do imóvel.
As decisões se baseiam na Súmula N.84
É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro.
Lembrando que há outras possibilidades de contratos de gaveta e está súmula é apenas para imóveis.
Contrato de gaveta pode ser anulado?
Sim, o contrato de gaveta pode ser anulado. As partes chegando a um acordo e decidindo por anulá-lo via aditamento. Ou no caso de disputa a justiça poderá anulá-lo por entender que ele não tem validade.
Riscos do contrato de gaveta
Os riscos de um contrato de gaveta envolvem tanto as questões de embargos de terceiros quanto ações de má-fé por parte dos compradores e vendedores envolvidos no contrato. Abaixo listamos os principais riscos da modalidade.
Venda duplicada do imóvel
O vendedor do imóvel, apesar do contrato de gaveta, segue sendo o proprietário perante o cartório de registro de imóveis e às instituições financeiras. Assim, de má-fé consegue negociá-lo novamente e fazer uma segunda e por vezes, terceira venda.
O primeiro comprador pode ter dificuldades para provar que possui o imóvel e acabar perdendo o bem e o valor investido, ainda mais se uma das vendas posteriores for feita com escritura pública no cartório de notas e transferência no cartório de registro de imóveis. Essas duas ações passam de fato a matrícula do imóvel para o novo proprietário.
O mesmo poderia ocorrer com um veículo, mas por ser um bem imóvel é mais improvável já que estaria em posse do novo dono ainda que não transferida a titularidade.
O vendedor, diante desse golpe pode responder pelo crime de estelionato.
Falecimento de uma das partes
Ao comprar um bem de alto valor não se imagina que a pessoa vendedora possa falecer no processo muito menos o comprador. Mas, com o contrato de gaveta, um acordo privado apenas entre essas duas partes, esse é um risco.
Com o falecimento do vendedor, o comprador pode perder a posse do bem pois este irá entrar no inventário e caso o comprador venha a falecer o vendedor pode alegar que é proprietário do bem e a família do comprador não irá herdá-lo.
Pois, lembre-se a propriedade não foi transferida e o acordo era particular e informal. Nesses casos as famílias podem recorrer à justiça sempre com o risco de perder o investimento do falecido.
Falta de pagamento das prestações
No modelo mais simples de contrato de gaveta, em que uma parte vende um veículo ou um imóvel e a outra compra e paga em parcelas, deixar de pagar as prestações é um risco menor. O vendedor pode prever em contrato a não entrega da posse do bem que seria feita na conclusão do pagamento e a devolução total ou parcial do que já foi pago.
A parte ruim é encontrar um novo interessado na compra que já estava garantida.
Contudo, no modelo de contrato de gaveta em que o vendedor, para ter o dinheiro à vista em mãos, assume um financiamento em seu nome cujo qual será pago pelo comprador isso é um problema.
Por exemplo: o vendedor vende uma casa no valor de 200mil reais e parcela em 48 meses, para ser paga durante quatro anos com juros. Contudo para ter os 200mil em mãos financia o valor para pagar ao banco em 4 anos, e na verdade irá pagar as prestações com o valor recebido do comprador da casa.
Se o comprador fica inadimplente, o vendedor deixa de pagar o banco e pode ser acionado pela instituição financeira. Ou terá que assumir a dívida para si. Esta forma é a mais arriscada e não indicada. Ainda que o comprador não tenha crédito para financiar o imóvel não é indicado que o vendedor financie no seu nome, pois não garante a adimplência de terceiro.
Não transferência do imóvel
Na compra e venda de imóveis com escritura pública e registro no cartório de imóveis a transferência de propriedade é feita no ato, junto ao pagamento geralmente. Ou quando há um financiamento o contrato envolve a instituição financeira que é dona do imóvel até o pagamento ser concluído ainda que o comprador tenha posse do local.
Já no contrato de gaveta, esse processo pode se complicar. Por não haver esta burocracia, o comprador toma posse do imóvel, mas pode ter dificuldade para transferi-lo para o seu nome. Até mesmo porque, muitas vezes, essa modalidade de contrato particular é escolhida justamente por haver alguma irregularidade na matrícula do imóvel.
Embargos de terceiro– Bem penhorado
Por fim, um último risco é ter o bem móvel ou imóvel embargado por terceiro e penhorado posteriormente. Como o contrato de gaveta é particular entre vendedor e comprador e não há registro em cartório, o vendedor pode ter vendido um bem embargado sem que seja do conhecimento do comprador.
E existe o risco com o embargo anterior ao contrato de gaveta, o comprador perder a posse da sua casa ou automóvel por este ter sido penhorado por uma dívida do vendedor.
Alternativas ao contrato de gaveta
Como abordamos ao longo do artigo, o contrato de gaveta está atrelado a uma série de riscos e suas partes por vezes tem seus direitos garantidos apenas por via judicial. Assim, existem maneiras mais seguras de fazer contratações.
Relembrando que um contrato de gaveta é qualquer documento não registrado, portanto as modalidades de contratos previstas no Código Civil e que podem ser registradas em cartório são inúmeras para tratarmos aqui.
Contudo seu uso popular é para operações de compra e venda, especialmente de imóveis e algumas vezes de veículos, bens móveis. Nesses casos há três alternativas mais seguras: contrato de compra e venda, a escritura definitiva (em imóveis) e a transferência da titularidade no Detran para veículos.
Contrato de compra e venda
Tal modalidade de contrato está prevista no artigo 481 do Código Civil:
Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.
Portanto, a legislação regula diretrizes para o tipo de relação contratual, protegendo as partes. Ali o comprador se compromete a transferir o bem vendido de acordo com as regras do contrato e do CC02. Tudo isso registrado em cartório.
Escritura definitiva
A escritura pública pode vir depois da formalização do contrato de compra e venda ou até algumas compras de imóveis encurtam o processo e elaboram direto a escritura, feita no Tabelionato de Notas. Este ato permite a transferência de propriedade do imóvel.
Transferência do veículo junto ao Detran
Assim como na escritura definitiva no caso de imóveis, vendedor e comprador podem optar por fazer um contrato de compra e venda e depois a transferência no Detran ou apenas transferir o veículo.
Regularizar a transferência de titularidade no Detran é o que garante a posse oficial de um carro ou moto ao comprador.
Conclusão
O contrato de gaveta, apesar de ser uma alternativa menos burocrática, envolve sérios riscos jurídicos e financeiros. A ausência de registro formal expõe as partes a problemas como disputas judiciais, perda de posse do bem e dificuldade para comprovar a propriedade em casos de embargos ou má-fé.
Por isso, optar por soluções formalizadas, como contratos registrados em cartório, escrituras públicas ou transferências de titularidade, é fundamental para garantir a segurança jurídica. Embora mais burocráticas, essas alternativas proporcionam maior proteção e evitam prejuízos futuros.
Perguntas frequentes
O contrato de gaveta é um acordo informal entre comprador e vendedor, usado principalmente para imóveis, sem registro em cartório ou escritura pública. Ele evita burocracias, mas não garante segurança jurídica, expondo as partes a riscos como disputas judiciais e perda de posse.
Os principais riscos do contrato de gaveta incluem perda da posse do bem por embargos, vendas duplicadas, invalidação judicial, inadimplência do comprador e complicações em caso de falecimento de uma das partes.
Não, o contrato de gaveta não é crime. Ele é uma prática legal, mas informal, que pode ter sua validade jurídica questionada.
Não, o contrato de gaveta, por definição, não é registrado em cartório, pois é um acordo informal e particular entre as partes. Caso seja registrado, deixa de ser um contrato de gaveta e passa a ser um contrato formalizado, com validade jurídica garantida.
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