A retenção de colaboradores estratégicos é um dos grandes desafios das empresas, e muitas táticas são acionadas para atingir esse objetivo. Uma delas é o contrato de vesting. Você já ouviu falar nessa modalidade?
O contrato de vesting tem sido utilizado, sobretudo em empresas em fase inicial – como as startups, porque permite ao colaborador adquirir participação societária gradualmente, à medida que cumpre com certas condições acordadas no instrumento contratual.
Entretanto, ainda que seja de uso cada vez mais comum, os contratos de vesting dispõem de pouca regulamentação específica no direito brasileiro. Motivo pelo qual seu uso é cercado de dúvidas.
Neste artigo, além de entender em mais detalhes o que é e quando cabe usar contratos de vesting, você verá como elaborar um contrato desse tipo.
O contrato de vesting é um tipo contratual usado com a finalidade de permitir ao colaborador ou funcionário de uma sociedade a aquisição de participação societária na mesma, de modo gradual e desde que cumpra os requisitos legais previamente estabelecidos.
Assim, a longo prazo, um contrato de vesting dá ao colaborador a oportunidade de tornar-se parte da sociedade, sem precisar fazer uma contraprestação financeira direta – pagamento – para adquirir a participação.
Na doutrina, há pelo menos três correntes de entendimento distintas, quando o assunto é a natureza do contrato de vesting. A primeira delas, entende que esse tipo contratual nada mais é que uma maneira de estabelecer uma contraprestação, frente a prestação de serviços por parte do colaborador.
Por outro lado, uma segunda corrente entende que o vesting é um tipo de contrato de compra. Neste caso, se está comprando participação em uma determinada sociedade.
E, por fim, um terceiro entendimento considera os contratos de vesting como um tipo de contrato de investimento. Efetivamente, no entanto, ainda não há doutrina ou jurisprudência consolidada para pacificar essa questão.
Os contratos de vesting são utilizados sobretudo por empresas que precisam reter talentos, mas que não podem arcar com obrigações salariais maiores. Um dos modelos de negócio que mais usa os contratos de vesting são as startups.
No entanto, nada impede que outros modelos de negócio adotem o contrato de vesting. Basta ter em mente que, por meio desse instrumento, o colaborador, pouco a pouco, adquirirá direitos sobre aquela sociedade.
Embora não haja regulamentação específica para os contratos de vesting, há alguns códigos e leis que colaboram para formar as bases legais desse modelo contratual. Vejamos os principais.
Como fica evidente, os contratos de vesting são uma modalidade relativamente nova no Brasil, de modo que ainda não há lei específica para regulá-los. Por conta disso, esse tipo de relação contratual pode ser considerada um contrato atípico.
No Código Civil (Lei 10.406/02), os contratos atípicos são contratos atípicos são admitidos e considerados lícitos, desde que condicionados às normas gerais de contratos, conforme especifica o Art. 425.
Aprovada em 2019, a Lei 13.874, ou Lei de Liberdade Econômica, entre outros pontos, acrescentou ao Código Civil o Art. 421-A, bem como, reformou o Art. 420.
Por meio dessa alteração legislativa, se reforçou a liberdade contratual das partes, e se estabeleceu, com ainda mais clareza, os princípios de similaridade e paridade entre os participantes da relação contratual. In verbis:
Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.” (NR)
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:
I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e
III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
Adicionalmente, a partir da redação da Lei de Liberdade Econômica, passa a ser majoritário o entendimento dos contratos de vesting enquanto um tipo de contrato empresarial.
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A Deliberação Nº 728/2014, da Comissão de Valores Méritos, tem o mérito de reconhecer e regulamentar algumas das práticas relacionadas ao contrato de vesting, aumentando a segurança jurídica e contábil dessa modalidade de contrato.
Na prática, a Deliberação 728 altera o Pronunciamento Técnico CPC 10, que trata do pagamento baseado em ações. Entre outras coisas, o documento passa a incluir definições legais para conceitos como “Meta de desempenho” e “Condição de serviço”. Também modifica o conceito de “Condição de mercado”.
Todos esses termos são comumente encontrados nos contratos de vesting. Além disso, o texto da própria deliberação acaba por mencionar a prática de vesting, quando trata especificamente da definição de “condição de mercado”:
“Condição de mercado é a meta de desempenho sob a qual o preço de exercício, a aquisição de direito (vesting) ou a exercibilidade do instrumento patrimonial dependem, estando relacionada com o preço (ou valor) de mercado dos instrumentos patrimoniais da entidade (ou instrumentos patrimoniais de outra entidade do mesmo grupo).[…]” (grifo nosso)
Quando se trata de permitir aos colaboradores adquirir participação societária em empresas, há duas modalidades possíveis – e frequentemente confundidas. Estamos falando dos contratos de vesting e das stock options.
Como você viu, os contratos de vesting permitem aos colaboradores receber ações da empresa onde trabalham, de forma gradual, e frente ao cumprimento de algumas condições ou ao atingimento de certas metas.
As stock options – ou opções de ações – também são uma forma de tornar o colaborador parte do negócio. Ocorre que, neste caso, o que a relação contratual pactua é o direito do colaborador de adquirir participação societária, em um determinado tempo, e por um determinado valor – geralmente mais baixo do que o praticado no mercado.
Um das principais diferenças entre contratos de vesting e stock options é que estes últimos possuem regulamentação mais consolidada. É o que vemos, por exemplo, no Art. 168, da Lei de Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), onde se lê:
Art. 168. O estatuto pode conter autorização para aumento do capital social independentemente de reforma estatutária.
§ 3º O estatuto pode prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembléia-geral, outorgue opção de compra de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle.
Assim, encontramos outra diferença entre stock options e vesting. Os planos de stock options só são aplicáveis a um tipo de empreendimento (as sociedades anônimas) e estão limitados a alguns tipos de colaboradores (administradores, empregados, pessoas naturais que prestem serviços).
Quando falamos em vesting, uma vez que não há regulamentação específica, também não há limitação para que outros tipos de sociedades ou outras categorias de colaboradores sejam inclusas.
Essa característica torna o vesting ainda mais atrativo para empresas jovens e escaláveis – como as startups – que raramente adotam o modelo de sociedade anônima.
Contudo, há que se fazer uma ressalva. Alguns pesquisadores, como o professor de Direito Fabrício Vasconcelos de Oliveira, entendem que o Art 1.055, § 2 º, do Código Civil, que trata da integralização de quotas da sociedade limitadas, acaba por limitar o uso do contrato de vesting nesse modelo societário.
Ocorre que, no referido trecho da legislação, é vedada “a contribuição que consista em prestação de serviços”. Na interpretação do professor, portanto:
“Tal vedação acaba por impossibilitar a utilização do vesting em sociedades limitadas no Brasil, uma vez que a quota será adquirida em decorrência de critérios de produtividade decorrentes dos serviços prestados pelo empregado ou administrador em benefício da sociedade; ou seja, a contribuição para a integralização da quota acabará por decorrer da prestação de serviços, o que é expressamente vedado pelo referido artigo 1.055, § 2 º do Código Civil.”
Já está claro que o contrato de vesting ainda carece de regulamentação no Brasil, o que faz com que seu uso exija cuidados extras, para garantir a segurança jurídica das organizações.
Dentre os principais riscos causados pela não regulamentação do contrato de vesting, estão:
Em outras esferas, há também outros riscos a serem considerados, quando se pensa em firmar um contrato de vesting. Dentre eles:
Para combater os riscos de governança e recursos humanos, as empresas podem limitar a porcentagem de ações disponíveis ao vesting. Já no que diz respeito à segurança jurídica e a redução do contencioso, a melhor medida é redigir contratos sólidos. Mas, como fazer isso? É sobre o que falaremos a seguir.
Os contratos de vesting seguem, em parte, a estrutura padrão de um contrato de prestação de serviços ou de compra.
Mas, para que a relação de vesting esteja devidamente regulada e as obrigações fiquem claras para ambas as partes, é preciso incluir algumas cláusulas específicas. Veremos algumas das mais comuns, abaixo:
A cláusula de aceleração é acionada quando ocorrem eventos de liquidez, como a venda total ou parcial da organização, o recebimento de aportes e investimentos, entre outros movimentos que podem provocar aporte de capital.
Neste cenário, a cláusula de aceleração permite que se adiante – ou, “acelere” – a participação societária do colaborador.
Cláusulas de lock-up são bastante comuns em contratos de investimento. Na prática, esse tipo de cláusula tem por objetivo criar uma limitação de tempo, durante o qual os sócios não poderão vender suas ações.
No contrato de vesting, a cláusula de lock-up é uma garantia ao colaborador, indicando certa estabilidade na sociedade e na administração da organização.
Clausúlas de bad e good leaver são acionadas quando da saída do colaborador da empresa. São criados alguns critérios que determinam se a saída foi boa(good) ou ruim (bad).
Uma saída em que o colaborador não cumpre o prazo mínimo estabelecido pode resultar, por exemplo, no acionamento da cláusula de bad leaver. A saída por aposentadoria, por sua vez, acionaria a cláusula de good leaver.
E, enquanto uma cláusula de bad leaver pode impor algumas desvantagens para o colaborador que sai, a cláusula de good leaver pode estipular gratificações extras.
O cliff nada mais é do que um “período de carência”. É um período de tempo mínimo que o colaborador deverá permanecer na sociedade, para obter o direito à participação societária. Encerrado o período de cliff determinado no contrato de vesting, o colaborador passa a fazer parte, gradativamente, da sociedade.
Existem muitas maneiras para criar os critérios que determinarão a entrada do colaborador na sociedade. Um das mais comuns é pelo estabelecimento de metas de desempenho.
Assim, para ter efetividade, a cláusula de meta de desempenho deve especificar, com o máximo de clareza possível, quais objetivas ou metas deverão ser atingidas pelo colaborador que é parte do contrato de vesting.
Deve-se especificar também, em linhas gerais, como essas metas serão mensuradas – quais indicadores serão considerados, onde e como os dados serão coletados – e com que periodicidade essas metas serão avaliadas – semestralmente, anualmente, etc.
Uma cláusula de meta de desempenho bem escrita é capaz de evitar uma série de problemas futuros, por isso, esteja atento a ela.
Alguns tipos de sociedade guardam em sua estrutura diferentes tipos de ações ou cotas. No caso da Lei das Sociedades Anônimas, tem-se a previsão de alguns tipos distintos de ações, como aquelas preferenciais, ordinárias ou de fruição.
Cada tipo de ação dá direitos distintos ao seu proprietário. Por exemplo, algumas ações vão permitir voto, enquanto outras oferecem outras vantagens preferenciais, mas não incluem o voto,
Logo, é fundamental que haja uma cláusula específica do contrato determinando quais tipos de ações serão concedidas ao colaborador, pelo contrato de vesting. E, tão importante quanto, é deixar especificado quais os direitos – e quais as restrições – desse tipo de ação.
Ao longo de uma relação contratual, muitas mudanças podem ocorrer, por isso é fundamental que o contrato preveja pelo menos algumas hipóteses de resolução do contrato.
Por exemplo, caso o colaborador queira se desligar da empresa, o que ocorre? Ou, caso a empresa deseja promover o desligamento do colaborador? Nestes casos, pode-se criar previsão contratual específica, evitando que certos temas sejam levados à justiça.
Vale lembrar ainda que o mais recomendável é incluir no contrato de vesting, tanto hipóteses para a rescisão quanto para a resilição do contrato. Assim, um número maior de eventualidades ficará coberto.
Tanto o colaborador quanto a empresa podem, em qualquer momento da relação contratual, decidir por rescindir o contrato de vesting. Nestes casos, o ideal é que haja previsão em contrato para determinar o que ocorre quanto ao direito à aquisição de participação societária.
Em não havendo previsão, um novo cenário se desenha. Se o colaborador é quem deseja rescindir o contrato, em tese, ele não teria direito a verbas rescisórias. Isso porque, o contrato de vesting não pressupõe vínculo trabalhista.
Se o período de cliff houver se encerrado, e o colaborador já dispuser de ações da empresa, pode-se buscar um acordo, objetivando que ele venda suas ações para algum acionista preferencial – sócio-fundador da empresa, por exemplo.
Se o contrato for rompido, por iniciativa do colaborador, antes que se encerre o cliff, em tese, não teria ele direito a aquisição societária, uma vez que o contrato de vesting regula um direito de participação futuro, dentro de determinadas condições.
Evidentemente que as hipóteses desenhadas acima podem ser contestadas junto ao poder judiciário. Não é incomum que colaboradores, após a rescisão do contrato de vesting, busquem na justiça do trabalho o reconhecimento do vínculo empregatício, por exemplo.
Os contratos de vesting exigem cuidados adicionais por parte das empresas, inclusive no que diz respeito ao seu armazenamento e gestão.
É que esse tipo de contrato, como vimos, acaba por alterar a formação societária da companhia ao longo do tempo, conforme colaboradores adquirem, pouco a pouco, participação societária.
Além disso, um contrato de vesting comum costuma conter cláusulas sensíveis e temporais, como a cláusula de cliff, o que exige ainda mais monitoramento.
Assim, para fazer a boa gestão de contratos de vesting, é essencial:
A boa notícia é que esses pontos de atenção podem ser controlados com a ajuda de ferramentas tecnológicas. É o caso, por exemplo, dos softwares para contratos.
Por meio desse tipo de solução é possível automatizar a maior parte do trabalho manual, e reduzir o risco de inconsistências na formulação do contrato, ou da perda de prazos ao longo da sua vigência.
Para ver como esse tipo de solução funciona na prática, agende uma demonstração!
O contrato de vesting é uma modalidade contratual por meio da qual uma pessoa pode adquirir, gradualmente, ações de uma sociedade, desde que atendidas certas condições previamente acordadas. Os contratos de vesting são geralmente utilizados por empresas em fase inicial, como as startups, para manter e fidelizar colaboradores. Nestes casos, o colaborador recebe as ações caso sejam atingidas certas metas de desempenho.
Cliff é um termo comumente utilizado para designar um “período de carência” mínimo no contrato de vesting, durante o qual a parte não receberá ações. Passado o período de cliff, a pessoa vai gradativamente adquirindo ações, de acordo com as condições firmadas no contrato.
Para fazer um contrato de vesting, é fundamental ter em mente alguns pontos como: (I) quais tipos de ações serão objeto do contrato, (II) qual será o preço delas, (III) como e em que tempo se dará o pagamento, (IV)qual será o “período de carência” ou cliff do contrato, (V) quais são as metas ou condições (de desempenho, de serviço ou de mercado) a serem atingidas e (VI) quais são as hipóteses de resolução do contrato.
Como você viu, os contratos de vesting são uma oportunidade interessante para empresas que precisam reter talentos. No entanto, sem o conhecimento sobre os riscos advindos dessa modalidade contratual, e sem o devido cuidado ao elaborar a minuta, não é possível utilizá-la com segurança.
Assim, esperamos que as dicas listadas aqui colaborem na elaboração de contratos de vesting certos e seguros para todas as partes. Bom trabalho!
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Excelente artigo Tiago. Muito didático e bem detalhado. Parabéns!
Tiago, é necessária alteração no contrato social em cada meta atingida pelo colaborador? Ou isso pode ser feito apenas no final de todo processo?