No mês passado, falamos aqui no blog sobre como ser um bom argumentador e pontuamos algumas habilidades requeridas do profissional jurídico para alcançar esta excelência, já que a atividade argumentativa permeia todo o seu dia a dia, de uma defesa de um processo ao atendimento do cliente.
Vendo a oportunidade de nos aprofundar no assunto, entrevistamos o Dr. Felipe Asensi, pós-Doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP/UERJ) e cientista Social formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Além de um currículo rico, também escreveu o livro Curso Prático de Argumentação Jurídica, que aborda o papel da argumentação no mundo contemporâneo e a relevância desta técnica nas práticas jurídicas. A obra em questão é o tema de nossa entrevista. Confira:
Para começar a entrevista, gostaria que você falasse rapidamente da essência da sua obra, Curso Prático da Argumentação Jurídica, publicada pela Editora Forense. Qual é a proposta dele e quais perspectivas ele aborda?
A obra deriva de uma preocupação que sempre tive como advogado e professor: o problema da baixa qualidade dos argumentos por diversos operadores do direito. Isto não ocorre por conta de um déficit de ensino somente, mas em muitos casos porque o ensino do direito produz o vício de que basta “reproduzir” para produzir bons argumentos.
A minha inquietação então foi a seguinte: como eu posso contribuir para que as pessoas assumam o protagonismo de seus argumentos e “fazerem diferente” no cotidiano do direito? Daí veio a ideia do livro e de falar não somente das ferramentas do direito (ex: normas), mas também de atributos individuais que temos desenvolver (ex: criatividade, comunicação, etc).
Se você pudesse listar, anatomicamente, as características de um argumento convincente e bem estruturado, quais seriam?
O meu pressuposto no livro é que não existe argumento perfeito ou livre de contestações. Isto porque ninguém é dono da verdade ou intérprete exclusivo da verdade, então sempre há margem para “o outro lado” no direito. Porém, é importante dizer que o “o outro lado” não quer dizer que seja melhor, mais consistente ou perfeito também.
Portanto, se você deseja potencializar a chance do argumento ser aceito, considero importante que ele seja interdisciplinar, crítico e inovador. Além disso, é importante saber mais sobre o seu interlocutor, pois até a linguagem importa. Vale também ressaltar que não adianta ter o melhor argumento do mundo se não há uma organização lógica e bem feita da sua exposição.
Essa entrevista se originou a partir de um conteúdo criado no blog da ProJuris. Ele traz 4 dicas de como ser um bom argumentador de maneira muito sintética, mas que são: 1) faça perguntas; 2) tenha empatia; 3) antecipe e 4) interdisciplinaridade. O Dr. poderia citar outras duas características do bom argumentador e dissertar um pouco sobre elas?
Essas dicas realmente são muito boas. Eu completaria com mais duas: humildade e criatividade.
A humildade é importante porque, em geral, no direito as pessoas “se apaixonam” pelos seus argumentos e passam a concebê-los como os “melhores do mundo”. Como eu disse, todo argumento é falho. Então, você tem que ser o primeiro a identificar problemas do seu argumento, o que só é possível se você tem uma boa dose de humildade.
A criatividade também é essencial. No direito, aprendemos sempre a venerar a doutrina, a lei e a jurisprudência. Olhe que curioso: o direito é o único campo do conhecimento em que o autor é chamado de doutrinador, o que revela a autoridade quase que sobrenatural que ele possui. O efeito disso é que as pessoas se preocupam mais em se filiar a ideias, correntes e pensamentos externos a elas do que construírem o seu próprio.
Lendo seu livro, fica claro que existe um modo diferente de argumentar para cada público. O que você recomenda para que o argumentador saiba ‘sentir’ o público? Como descobrir quem é este público?
É verdade. Costumo dizer que não existe estratégia argumentativa “de prateleira”. É preciso ter sensibilidade sobre as características do público ao qual se dirige o argumento.
Por exemplo: uma sustentação oral no STF é muito diferente de uma audiência de conciliação no JEC. O contexto é diferente, as pessoas estão em posições diferentes e a interação é diferente. O advogado não pode estar insensível a isto.
Para “sentir” o público, vai muito do feeling. Nessas horas tem que ser mais antropólogo, psicólogo e sociólogo que jurista. Leio muito autores externos ao direito destas áreas, inclusive da Programação Neuro-Linguística, para compreender as expectativas e crenças do público ao qual me dirigirei.
E quando um advogado sente que seu argumento foi vencido, qual deve ser sua atitude?
Bom, como falei, diante da inexistência de um passo-a-passo para o argumento perfeito, o fracasso é um fator sempre passível de ocorrer. Acho que o advogado deve ter em mente duas coisas:
Em segundo lugar, é preciso reconhecer que o fracasso não quer dizer que o argumento em si seja ruim. Há uma série de fatores que podem incidir no sucesso da argumentação, tais organização racional de idéias insuficiente, a inadequação da linguagem utilizada, os problemas na definição precisa dos componentes do argumento, o momento inapropriado para a exposição do argumento, etc.
Em entrevista ao Dr. Ricardo Gusmão, do programa Juristas Católicos, você disse que ‘a argumentação jurídica não é simplesmente sobre o direito’ e que ela é muito mais abrangente e se aplica a todas as pessoas. Poderia falar um pouco mais sobre isso?
É verdade. Para que a argumentação seja satisfatoriamente convincente, não bastam os instrumentos oferecidos pelo campo do direito. Para posicionar-se a favor ou contra a política de cotas, aborto de fetos anencéfalos, tributação na indenização por danos morais ou reintegração de posse por ocupação do MST, é preciso lançar mão de uma série de instrumentais do direito e de outros campos de saber.
A argumentação jurídica, para ser convincente, clama incessantemente pela interdisciplinaridade.
Uma boa argumentação consegue articular, de forma original e convincente, aspectos culturais, sociológicos, políticos, jurídicos, axiológicos, etc. Por isso que todo argumento não se reduz ao direito, inclusive porque tal reducionismo pode implicar no fracasso do argumento.
Ainda nesta entrevista, você comenta sobre a última abordagem do seu livro, e diz que ‘geralmente as pessoas estudam as normas, mas não as lógicas das instituições, que a argumentação jurídica é diferente no Parlamento, na defensoria, no ministério público etc. Gostaria que explicasse um pouco melhor esse assunto também.
O mundo do direito não se reduz às normas jurídicas. O bom argumentador deve buscar compreender os pressupostos e a lógica interna de funcionamento e desenvolvimento das instituições jurídicas, sob pena de promover alguns equívocos argumentativos evitáveis.
De fato, as instituições jurídicas desempenham um papel fundamental na aplicação e construção do mundo do direito. É nas instituições jurídicas que os argumentos encontram um espaço institucional comum.
Aquele que se propõe a argumentar juridicamente no interior das instituições deve necessariamente buscar conhecer sua lógica de funcionamento, hierarquias, especificidades e formas de funcionamento. Isso permitirá ao argumentador eliminar problemas básicos de acesso às instituições. Isso também ajuda na possibilidade de adesão dos membros das instituições aos seus argumentos.
Para finalizar, uma curiosidade: existe, na história da argumentação, algum discurso que você gosta muito, que te é referência?
Sim, o discurso não é jurídico, mas tem tudo a ver com o direito. Felizmente tenho lido muitas coisas de uma autora nigeriana chamada Chimamanda Adichie.
Numa palestra que ela concedeu no TED, intitulada “O perigo de uma história única”, ela mostra como que os argumentos e as interpretações dependem de uma alta percepção crítica das pessoas em relação a si próprias.
Toda a palestra é baseada na história de vida dela. Recomendo a todos que estão lendo esta entrevista que reservem um tempinho na agenda para assistirem este discurso:
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MUITO BOM, AMEI A ENTREVISTA, PRINCIPALMENTE , PORQUE ESTOU ESTUDANDO DIREITO NA ANHANGUERA E A PROF. DESSA MATÉRIA É TOTALMENTE INCAPAZ DE TRANSMITIR QUALQUER COISA, PORTANTO TENHO QUE ME VALER DESSES MEIOS PARA APRENDER ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA.