Direito Imobiliário

Despesas condominiais: quem deve pagá-las após a venda do imóvel?

Não é novidade que o mercado imobiliário passou por uma grande recessão nos últimos anos.  Mesmo se recuperando aos poucos, a crise vivenciada em nosso país não atingiu somente o volume das negociações de compra e venda de imóveis, mas acabou por endividar os condôminos com as próprias cotas condominiais. Assim, também, impactou as relações de Direito Imobiliário. Diante disso, então, é preciso tomar cuidado quando da alienação de um imóvel, em especial no que diz respeito à responsabilidade sobre as despesas condominiais

Primeiro, as despesas condominiais possuem natureza de obrigação, que em latim leva o nome de propter rem. Ou seja, significa “por causa da coisa”. Por isso, na hipótese do direito real ao qual está interligada ser objeto de transmissão, a obrigação o segue independentemente do título translativo.

De conformidade com exposto acima, convém transcrever o entendimento do renomado doutrinador Silvio Rodrigues [1], a seguir exposto:

A obrigação propter rem é aquela em que o devedor, por ser titular de um direito sobre uma coisa, fica sujeito a determinada prestação que, por conseguinte, não derivou da manifestação expressa ou tácita de sua vontade. O que o faz devedor é a circunstância de ser titular do direito real, e tanto isso é verdade que ele se libera da obrigação se renunciar a esse direito.

A partir desse conceito doutrinário, podem-se extrair dois requisitos para que uma obrigação seja considerada propter rem. O primeiro deles é que deve decorrer de lei, ou seja, aqui a vontade da parte de se tornar sujeito passivo da obrigação é irrelevante. Já o segundo, diz respeito à espécie do direito exercido, que deve obrigatoriamente, portanto, ser um direito real (propriedade, superfície, usufruto, servidão, uso, o direito do promitente comprador do imóvel, entre outros).

Previsão da legislação no que diz respeito à responsabilidade das despesas condominiais

Nesse contexto, tratando-se de despesas condominiais, a legislação prevê, então, que as obrigações dessa natureza são vinculadas à coisa. Neste caso, portanto, à unidade autônoma. Dessa forma, o adquirente do imóvel em condomínio edilício responde pelas despesas condominiais, senão veja-se:

Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.

Natureza propter rem das cotas condominiais

Conforme o dispositivo também:

PROCESSO CIVIL E CIVIL. CONDOMÍNIO. DÉBITO. NATUREZA. LEGITIMIDADE  PASSIVA.  EXECUÇÃO.  PENHORA  DO  IMÓVEL. POSTERIOR CONFISCO EM PROCESSO CRIMINAL. ARREMATAÇÃO. PRODUTO. REPASSE À UNIÃO. PRÉVIO PAGAMENTO DE LESADOS E TERCEIROS DE BOA-FÉ. POSSIBILIDADE. LIMITES. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 307 DO CC/02; 42, § 3º, E 472 DO CPC; 91, II, DO CP; 133 E PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP; E 3º, IV, DA LEI Nº 8.009/ 90.

  1. Ação ajuizada em 29.11.2010. Recurso especial concluso ao gabinete da Relatora em 30.09.2013.
  2. Recurso especial em que se discute se, na hipótese específica dos autos, embora os imóveis penhorados em execução movida pelo condomínio tenham sido objeto de confisco em processo criminal, antes do repasse do produto da arrematação à União, devem ser resguardados valores para pagamento da dívida condominial relativa aos próprios bens e pensão alimentícia da filha do réu (alcançado pela declaração de perdimento).
  3. A dívida condominial constitui uma obrigação propter rem, cuja prestação não deriva da vontade do devedor, mas de sua condição de titular do direito real. Aquele que possui a unidade e que, efetivamente,exerce os direitos e obrigações de condômino, responde pela contribuição de pagar as cotas condominiais, na proporção de sua fração ideal. 10. Recurso especial parcialmente provido.

(STJ, 3ª Turma, REsp. 1366894 RS 2013/0030874-4. Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/04/2014, publicado em 02/06/2014)

Dessa maneira, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ sobre o tema das despesas condominiais confirma a natureza propter rem das cotas condominiais.

Sobre a transmissão de propriedade no Brasil

No Direito brasileiro, para que haja a transmissão da propriedade, não basta a assinatura de um contrato particular ou a lavratura da escritura pública. No entanto, se o valor do imóvel superar o teto de 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no país, é necessário que ocorra o registro do documento de transmissão na serventia, nos termos do artigo 1.245 do Código Civil, a seguir:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

Contudo, não é novidade que, no cotidiano, a dinâmica das transações imobiliárias, muitas vezes, corre à margem do que prevê a lei. Muitas negociações são, assim, realizadas por meio de contratos particulares de promessa de compra e venda. Por consequência, a lavratura da escritura pública e a regularização registral da transmissão são deixadas para um segundo momento.

Diante desse cenário, portanto, surge a controvérsia quanto ao marco inicial para que o adquirente/compromissário compra dor, assuma a obrigação de adimplir as despesas condominiais.

A celebração de contrato de promessa de compra e venda da unidade condominial nem sempre possui o condão de exonerar o proprietário das taxas condominiais.

Neste sentido, para fins de responsabilização do compromissário comprador pelo pagamento das despesas condominiais, é preciso que evidencie o desfrute da coisa, com o exercício da posse do bem, mesmo que a aquisição não esteja registrada perante a circunscrição competente.

Jurisprudência firmada sobre as despesas condominiais

A esse propósito, é importante, enfim, trazer em destaque que em sede de Recurso Repetitivo (tema 866), ao julgar o Recurso Especial nº 1.345.331-RS, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça pacificou a controvérsia acerca das despesas condominiais, conforme denota-se da ementa abaixo transcrita:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. CONDOMÍNIO. DESPESAS COMUNS. AÇÃO DE COBRANÇA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO LEVADO A REGISTRO. LEGITIMIDADE PASSIVA. PROMITENTE VENDEDOR OU PROMISSÁRIO COMPRADOR. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. IMISSÃO NA POSSE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firmam-se as seguintes teses:

  1. O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação.
  2. Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto .
  3. Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador. 2. No caso concreto, recurso especial não provido.

(STJ, 2ª Seção, Resp nº 1.345.331-RS/ 0199276-4. Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/04, publicado em 20/04/2015).

Considerações finais

Evidencia-se, enfim, a partir das teses lançadas na jurisprudência pacificada do Superior Tribunal de Justiça, a orientação para as demais instâncias. Isto é, que a atribuição da responsabilidade pelas despesas condominiais está intimamente ligada ao vínculo material exercido para com o imóvel. Ou melhor, é a realidade fática que define, então, com quem o condomínio mantém relação de credor.

Assim, para que o vendedor e proprietário registral não sejam surpreendidos meses ou anos após a alienação do imóvel com a ingrata surpresa de estar sendo demandado em juízo em razão de despesas condominiais provenientes de um bem que não exerce mais a posse, ainda que ressalvado o seu direito de regresso em face do adquirente, torna-se importante incluir no contrato cláusula de tradição ficta e manter o condomínio informado acerca da negociação, mesmo mediante notificação encaminhada para o síndico.

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Referências

  1. RODRIGUES, Silvio.  Direito Civil: parte gral das obrigações, vol. 2. 30ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 79.
  2. BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 1a edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

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