Livre concorrência, cartéis, fusões e aquisições, regulação de mercado… certamente você já ouviu algum desses termos. Mas, sabia que eles estão diretamente relacionados à prática do Direito Concorrencial, ou Direito da Concorrência?
Esse é um ramo do direito muito frequentemente associado ao Direito Econômico. Contudo, ainda que seu desenvolvimento seja recente – como veremos ao longo deste texto – o Direito Concorrencial tem legislação própria e merece atenção especial.
Além disso, o Direito da Concorrência é também uma área frutífera para os profissionais do direito, advogados autônomos ou corporativos. Prova disso são os números do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Eles revelam que, apenas em 2021, o órgão julgou mais de 600 processos de concentração econômica no Brasil. No mesmo período, as multas aplicadas à empresas que infringiram as regras de concorrência atingiram 1,2 bilhões de reais.
É hora, então, de entender de uma vez por todas o que é o Direito Concorrencial, para que ele serve e, principalmente, qual o papel do jurídico nesse cenário. Ao final, você encontrará também sugestões de materiais para se aprofundar na área. Boa leitura!
O Direito Concorrencial – também chamado de Direito da Concorrência – é uma área associada ao Direito Econômico, por meio da qual se analisam os comportamentos e relações concorrenciais entre pessoas e empresas.
De modo geral, o Direito Concorrencial estuda e se manifesta não apenas sobre os entes envolvidos em relações de concorrência, mas sobre o mercado em geral.
Assim, esse ramo do direito trata de analisar o panorama de concorrência e competitividade como um todo.
Garantir a competitividade justa e saudável, promovendo o bom funcionamento do mercado, são algumas das principais funções do Direito Concorrencial.
Por meio dessa área do direito – e das leis, órgãos e processos instituídos a partir da criação do Direito da Concorrência – tem-se ainda a regulação dos mercados. E, no mesmo sentido, o estabelecimento de políticas de concorrência leal.
Ainda, no nível prático, o Direito da Concorrência tem impacto direto no dia a dia dos consumidores. Um mercado regulado, com condições justas de competitividade e concorrência leal, reduz as chances de que os direitos dos consumidores sejam violados.
O Direito Concorrencial brasileiro remonta às políticas de combate a cartéis e trustes, que foram implementadas pelos Estados Unidos entre os séculos XIX e XX.
O país norte-americano, junto à União Europeia, foi quem primeiro demonstrou preocupações com a regulação da concorrência. Ambas as regiões foram pioneiras no estabelecimento de normas sobre o tema, motivo pelo qual muitos países – entre eles o Brasil – têm nos EUA e na Europa a principal inspiração quando o assunto é Direito Concorrencial.
Mas a necessidade de que o Direito trabalhe questões de concorrência é bastante anterior à criação das primeiras políticas públicas.
A maior parte dos historiadores costuma afirmar que as preocupações com a competitividade dos mercados datam do século XVIII, quando do advento da Revolução Industrial.
Fato é que, quanto maior o número de empresas e o poder econômico e financeiro concentrado nelas, maior se tornou também a necessidade de regulação.
No Brasil, o desenvolvimento do Direito Concorrencial segue a mesma regra. Por aqui, as primeiras menções à questão da concorrência ocorrem justamente durante o governo de Getúlio Vargas (1930-45) – período de fortalecimento da indústria nacional.
Foi, portanto, nas Constituições de 1934 e 1937 que pela primeira vez se menciona mais explicitamente a liberdade econômica, a regulação dos lucros, entre outros temas relacionados.
Embora as primeiras leis brasileiras em matéria de concorrência tenham sido promulgadas durante o governo Vargas (1930-45), é certo que a consolidação do Direito Concorrencial como área de estudos, e a estruturação de políticas e órgãos de regulação, só se deram algumas décadas depois.
Como veremos a seguir, as principais legislações em vigor na área datam de anos mais recentes.
Fundamental para a consolidação do Direito Concorrencial como ramo autônomo foi a promulgação da Constituição Federal de 1988 que traz, no Art. 170 (grifo nosso):
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
[…]
Como se vê, pelo inciso IV a livre concorrência passa a ser um princípio norteador de toda a atividade econômica no país. Além disso, a mesma carta magna traz ainda o Art. 173, onde se tem a seguinte menção à regulação do mercado:
“§ 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”.
Assim, pela primeira vez em uma Constituição brasileira tem-se menção direta à concorrência e a manutenção da competitividade. Entretanto, como se verá a seguir, seriam necessários ainda outros dispositivos legais para que políticas concorrenciais fossem estabelecidas.
É apenas em 1962, durante o governo do presidente João Goulart, que é promulgada a primeira lei para criação de uma entidade de regulação. Trata-se do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), na época ainda vinculado ao Conselho de Ministros do Governo Federal.
Na mesma lei, são definidas as formas em que se manifesta o abuso de poder econômico e como se dará sua repreensão.
Ainda, estabelece-se as funções do Cade. Dentre elas, algumas diretamente relacionadas à concorrência.
Contudo, essa legislação não seria suficiente para o efetivo funcionamento do órgão – e das políticas de proteção concorrencial.
Por isso, em 1994, é sancionada a Lei 8.884. Por meio desse dispositivo, o Cade foi transformado em autarquia federal. O mesmo dispositivo contribuiu ainda para estabelecer novos parâmetros de prevenção e repreensão a infrações econômicas.
Contudo, aqui não nos deteremos nos pormenores da Lei 8.884/94, uma vez que ela foi em grande parte alterada pela nova Lei de Defesa da Concorrência, como veremos a seguir.
A Lei 12.529/11 representa um aprimoramento do código legal, uma vez que clarifica o rito processual e as instâncias legais pelas quais tramitará qualquer tipo de processo relacionado a infrações contra a ordem econômica.
Esse ordenamento contribui ainda para o fortalecimento dos órgãos regulatórios associados ao direito da concorrência. Isso porque é por meio da Lei 12.529/11 que se estabelece o Sistema Brasileiro de Defesa do Consumidor (SBDC).
Além do SBDC, essa lei contribui para a reestruturação do Cade, prevendo novos recursos para o órgão e estabelecendo de modo claro quais são – e quais não são – as atribuições e responsabilidades do órgão.
A nova Lei de Defesa da Concorrência também promove atualização em matéria penal, definindo novas sanções e penas. E, na mesma medida, estabelecendo claramente os tipos de procedimento – processos penais, administrativos, entre outras – que podem se dar no âmbito do Direito Concorrencial.
Por tudo isso, a nova Lei de Defesa da Concorrência é o dispositivo mais completo que se tem no país, em matéria de concorrência.
Para saber mais, confira também nosso guia completo sobre a Lei Antitruste.
Com o desenvolvimento do Direito Concorrencial, alguns órgãos foram ganhando relevância.
Qualquer advogado que almeja trabalhar na área precisa conhecer essas entidades, uma vez que elas criam regulamentações, avalizam movimentações e estão implicadas em todo o processo de concorrência.
O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) é relativamente recente, tendo sido criado pela Lei 12.529/11, mencionada anteriormente. O sistema atua em duas frentes: prevenção e repreensão.
Além disso, pode-se dizer que o SBDC é formado por duas entidades principais: o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade) e a Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (Seprac).
A Seprac é responsável sobretudo por atividades educativas e de conscientização. Ou seja, atua no âmbito da prevenção. Por outro lado, o Cade atua na prevenção específica da concentração de mercado. Para isso, a entidade se vale de processos administrativos autorizativos.
Ainda, no nível repreensivo, é também função do Cade apurar possíveis infrações à concorrência, por meio de processos administrativos sancionadores.
Por esses motivos, o Cade é a entidade mais comumente lembrada no âmbito do Direito Concorrencial. Mas é preciso destacar que a repreensão não é atividade única do órgão.
Pelo contrário, o Ministério Público também atua na Civil e Criminal, apurando crimes contra a ordem econômica, concorrência desleal, entre outras infrações.
A Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei 13.848/19) traz um capítulo específico para tratar da relação dos órgãos de defesa da concorrência (como Cade e Seprac) com as agências reguladoras.
De modo geral, essas entidades têm o dever de cooperar com Cade, Seprac e Ministério Público, de modo a defender e promover um ambiente de concorrência saudável.
Ainda, as agências estão obrigadas, por exemplo, a comunicar os órgãos de defesa da concorrência quando identificarem movimentações que podem representar infração – como por exemplo a fusão ou aquisição de empresas em um mesmo mercado, o que pode gerar concentração.
No mesmo sentido, pela Lei 13. 848/19, as agências têm a atribuição de colaborar com a defesa da concorrência, sobretudo por meio da elaboração de pareceres técnicos, mas também pelo monitoramento e acompanhamento do mercado regulado.
Assim, fica evidente o papel dessas agências no âmbito do direito da concorrência.
As funções do Banco Central muitas vezes se confundem com aquelas atribuídas ao Cade, o que motiva discussões acerca de um possível conflito de competências entre os órgãos.
Contudo, a Lei nº 4.595/1964, no Art. 18, aponta a competência do Bacen quando se trata de analisar questões concorrenciais relacionadas a instituições financeiras. Nos termos da lei:
§ 2º O Banco Central da República do Brasil, no exercício da fiscalização que lhe compete, regulará as condições de concorrência entre instituições financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação da pena nos termos desta lei.
Ademais, já há jurisprudência corroborando com o entendimento de que é função exclusiva do Bacen a regulação da concorrência no mercado financeiro.
Assim sendo, fica estabelecido que movimentações nesse setor específico precisam necessariamente ser submetidas ao Banco Central e não apenas ao Cade.
De maneira geral, pode-se dizer que quaisquer atos de concentração de mercado – compras, fusões, aquisições de grandes empresas ou mudanças no quadro societário – precisam ser submetidos a órgãos de defesa da concorrência.
Além disso, ao trabalhar com Direito Concorrencial, é preciso ter em mente que as infrações à concorrência podem se dar em dois níveis. O primeiro nível é o das condutas horizontais, que diz respeito às infrações que ocorrem entre empresas do mesmo setor ou nível produtivo. Isto é, empresas que atuam precisamente no mesmo mercado e com o mesmo tipo de atividades.
Já as infrações de nível vertical são aquelas em que estão envolvidas empresas ou agentes econômicos que atuam em mercados diferentes, mas complementares entre si. Ou seja, participam da mesma cadeia produtiva, ainda que em etapas distintas.
Com essa divisão em mente, listamos algumas das infrações mais comumente encontradas, de acordo com a previsão trazida no Art. 36 da Lei de Defesa da Concorrência:
O Direito Concorrencial é um ramo em crescimento no Brasil, principalmente frente ao aumento da regulação do setor.
Assim, os advogados que trabalham com Direito Concorrencial ou almejam se especializar na área podem atuar tanto no nível contencioso, junto ao Poder Judiciário e aos órgãos regulatórios, como também no âmbito consultivo.
Vejamos algumas das oportunidades nessa área:
Muitas empresas buscam aconselhamento jurídico prévio antes de realizar movimentações societárias, M&As ou mesmo mudanças nas políticas de preço.
Para isso, as companhias podem acionar tanto a equipe do departamento jurídico interno, quanto profissionais e escritórios de advocacia externos, desde que especializados no tema.
Essa consultoria e orientação é um importante filão de atuação, uma vez que permite aos profissionais do direito consolidar uma posição de autoridade na área.
Antever possíveis riscos, sugerir alterações de planos e práticas, prevenir possíveis processos administrativos e reduzir os gastos com esse tipo de judicialização são alguns dos benefícios agregados pelo advogado, ao atuar nessa área.
As empresas podem sofrer processos administrativos autorizativos ou sancionadores junto ao Cade. Podem, ainda, enfrentar processos administrativos junto às agências reguladoras de cada setor – ANS, Ancine, ANTT, Aneel, Anac, entre tantas outras.
Nesses casos, o advogado – seja do departamento jurídico interno, seja de um escritório de advocacia terceirizado – é acionado para fazer a defesa da empresa e monitorar o andamento processual do caso.
Para atuar nessa área, portanto, é necessário que o profissional tenha conhecimento acerca das particularidades dos processos administrativos que tramitam nesses órgãos, conheça as plataformas utilizadas por esses órgãos e, sobretudo, mantenha-se atualizado quanto à legislação e jurisprudência pertinentes.
Uma das maneiras mais eficientes de evitar infrações à ordem econômica e à concorrência é mantendo controle e auditando toda a documentação e movimentações societárias da empresa.
Nesse sentido, o profissional do direito – sobretudo aquele que atua junto ao departamento jurídico da companhia – deve se responsabilizar por manter a adequação legal dos registros de atas, assembleias, estatutos, entre outros documentos societários. E, precisa ainda manter esses documentos seguros!
Soluções de armazenamento em nuvem e softwares jurídicos podem ajudar nessa tarefa. Um exemplo é o Projuris Empresas, Plataforma de Inteligência Legal que conta com um módulo exclusivo para a gestão do Societário.
Para entender mais sobre como esse tipo de ferramenta pode ser útil, agende uma demonstração.
Compliance é um termo advindo do inglês que significa agir de acordo com. Neste caso, trata-se de estar em conformidade com a legislação, regulamentos e normas internas e externas.
Os programas de compliance geralmente abrangem quase todos os aspectos e setores da empresa, estabelecendo políticas e práticas de adequação legal. No âmbito da concorrência, não poderia ser diferente.
O papel do advogado, neste cenário, é fazer estudos e análises que habilitem-o a construir um programa ou políticas internas de compliance na empresa. E, uma vez estabelecido formalmente esse programa, cabe ainda ao jurídico monitorar e auditar essas práticas.
Se você se interessou pelo ramo do Direito Concorrencial e quer saber mais ou se especializar no tema, algumas leituras podem ajudar.
Os próprios órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) disponibilizam gratuitamente alguns materiais como o tema. É o caso da cartilha “Introdução ao Direito da Concorrência”, escrita pelo jurista Roberto Domingos Taufick.
Para quem deseja se aprofundar, os seguintes livros podem ajudar:
O Direito Concorrencial é um ramo do direito que analisa as relações de concorrência entre empresas e pessoas, bem como o panorama de competitividade e concorrência do mercado como um todo.
A concorrência desleal é uma infração à ordem econômica, caracterizada pelo uso de práticas ilícitas e abusivas para reduzir a participação de mercado ou eliminar um ou mais concorrentes.
Diante do exposto, fica evidente que o Direito Concorrencial, ainda que menos tradicional frente a outras áreas, é um ramo repleto de particularidades e oportunidades para atuação jurídica.
Entender o papel do Direito Concorrencial na manutenção de um ambiente econômico competitivo e estar atualizado acerca das principais legislações da área é fundamental para qualquer advogado – e essencial para aqueles que almejam trabalhar na área.
Esperamos que esse conteúdo tenha ajudado você nessa jornada!
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