Em condomínios edílicos, se destina grande atenção às unidades autônomas ou aos benefícios que se oferecem aos futuros condôminos nas áreas comuns dos edifícios. Entretanto, quando o assunto é venda, é importante refletir a respeito de uma área de pode gerar bastante atrito no dia a dia dos moradores de um condomínio edilício: o abrigo de veículos. Isso porque, o direito de propriedade sobre vaga de garagem traz diversas questões legais, que geram certa confusão.
Tamanha é a importância deste item no projeto de um edifício edílico, que o chamado abrigo de veículo, ou então, garagem, recebe tratamento específico na legislação.
Os parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 2º da Lei nº 4.591/64, trazem, então, as definições legais para distinção entre as modalidades dessas áreas. Eles abordam, inclusive, a configuração da propriedade nos edifícios-garagem, veja-se:
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Art. 2º Cada unidade com saída para a via pública, diretamente ou por processo de passagem comum, será sempre tratada como objeto de propriedade exclusiva, qualquer que seja o número de suas peças e sua destinação, inclusive (VETADO) edifício-garagem, com ressalva das restrições que se lhe imponham.
No primeiro parágrafo, a lei sugere que:
O direito à guarda de veículos nas garagens ou locais a isso destinados nas edificações ou conjuntos de edificações será tratado como objeto de propriedade exclusiva, com ressalva das restrições que ao mesmo sejam impostas por instrumentos contratuais adequados, e será vinculada à unidade habitacional a que corresponder, no caso de não lhe ser atribuída fração ideal específica de terreno.
Já nos segundos e terceiros, a lei diz que o direito do que se trata no primeiro parágrafo pode ser transferido a outro condômino, independente da unidade a que corresponder. No entanto, esse direito é vedado a pessoas estranhas ao condomínio. E por fim, o terceiro parágrafo dispõe que nos edifícios-garagem, às vagas serão atribuídas frações ideais de terreno específicas.
No entanto, o artigo 1.331 do Código Civil, com redação dada pela Lei nº 12.607/12 dispõe:
Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
§ 1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio.
Segundo o autor Melhim Namem Chalhub, a forma como se apresenta o assunto na legislação, causa a impressão de que a lei os considera parte acessória à unidade autônoma. Isso porque, o termo “abrigo de veículos” está junto às áreas privativas do edifício. No entanto, o que ocorre, é que existem várias modalidades de abrigo de veículos.
Nesse sentido, citam-se as palavras mestras do doutrinador supramencionado a seguir:
De acordo com essa legislação especial e com a construção doutrinária e jurisprudencial sobre a matéria, as vagas de garagem podem ser consideradas unidades autônomas (obrigatoriamente numeradas, localizadas e demarcadas), exclusivas ou acessórias de unidades autônomas(destinadas a utilização exclusiva de determinada unidade, à qual se ligam como acessório) ou direito de uso(não têm vinculação a unidades determinadas e têm seu uso regulado pela Convenção).
Especificamente em relação à venda dos locais para abrigo de veículo, o aclamado autor continua dessa maneira:
Há, de uma parte, vagas localizadas e demarcadas que são acessórias de determinadas unidades autônomas e, portanto, obrigatoriamente vinculadas a essas unidades, enquanto que, de outra parte, há vagas não-localizadas e não-demarcadas, que têm existência não-vinculada a unidade alguma. De acordo com essa caracterização legal, a alienação das primeiras (demarcadas e vinculadas) opera a desvinculação da vaga da unidade a que estava anteriormente vinculada e sua subsequente vinculação à unidade do adquirente; já a alienação das demais espécies de vaga (não-demarcadas) não depende de desvinculação e posterior vinculação pois, obviamente, trata-se de direito de uso sem vínculo com unidade alguma.
Nesse sentido, o atual Código Civil inovou ao permitir, no parágrafo 2º do artigo 1.339, que o condômino promova a alienação da parte acessória a um estranho ao condomínio. Mas, isso somente pode ocorrer quando o ato constitutivo do condomínio e a respectiva assembleia-geral permitirem.
Outra questão que envolve o assunto “abrigos de veículo” e mostra sua grande importância na compra de uma unidade autônoma para este fim, diz respeito a possibilidade de penhora deste bem, ao passo que, nos termos da súmula 449 do STJ, as vagas de garagem com tal característica não configura bem de família:
Súmula 449 -STJ -A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora.
Sobre a temática, decidiu, então, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região:
BEM DE FAMÍLIA. PENHORABILIDADE. VAGA DE GARAGEM COM MATRÍCULA PRÓPRIA. Não se reconhece como bem de família, para fins de impenhorabilidade, vaga de garagem que possui matrícula própria, ainda que pertença ao mesmo condomínio de unidade habitacional enquadrada nas hipóteses de bem de família (Lei n.º 8.009/1990). (Inteligência da Súmula n.º 449 doSTJ).
(TRT-12 -AP: 00043244720155120002 SC 0004324-47.2015.5.12.0002, Relator: GILMAR CAVALIERI, SECRETARIA DA 2A TURMA, Data de Publicação: 07/12/2018)
De cujo inteiro teor extrai-se:
Acrescentou que o artigo 1331 do CCB não impõe óbice à constrição dos bens em penhora, mas restringe apenas sua eventual alienação, a qual só pode se realizar a outro condômino. Também, que esse dispositivo legal somente limita a vontade do proprietário do bem, mas não a expropriação judicial. (…) Por fim, ressalto que a restrição da venda da garagem somente aos condôminos não impossibilita a constrição judicial das vagas de garagem, ainda mais porque individuadas no Registro de Imóvel com matrícula própria, e diante da ausência de outros bens que garantam a satisfação do crédito da exequente.
Por outro lado, a legislação civilista, não se limitou a disciplinar sobre a venda das vagas de garagem, mas também da possibilidade de locação destas, sobretudo a terceiro. E o fez por meio do artigo 1.338 do Código Civil que assim dispõe:
“Art. 1.338. Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, preferir-se-á, em condições iguais, qualquer dos condôminos a estranhos, e, entre todos, os possuidores.”
A respeito do direito de preferência na locação de vaga de garagem, colhe-se da jurisprudência:
APELAÇÃO. DIREITOS REAIS. CONDOMÍNIO. PRELIMINAR DE PERDA DE OBJETO. REJEIÇÃO. MÉRITO. LOCAÇÃO DE ÁREA COMUM DO PRÉDIO COMERCIAL PARA TERCEIRO. POSSIBILIDADE. DIREITO DE PREFERÊNCIA DE CONDÔMINO. INEXISTÊNCIA. APELANTEINADIMPLENTE APELO IMPROVIDO. Preliminar de perda de objeto. Manutenção da pretensão da Apelante, apesar da celebração do negócio jurídico. Rejeitada. A Apelante admite nos autos que a destinação do imóvel é para fins comerciais, logo, é irrazoável o argumento de que foi modificada a área comum do prédio. -Os condôminos são proprietários da área comum do edifício, podendo usar, gozar e dispor da coisa. Ao optarem, em unanimidade, por locar a região para terceiro e receber os seus frutos, não violam o art.1.335, III, do Código Civil. -O direito de preferência disposto no art. 1.338 do Código Civil está limitado às hipóteses em que a discussão da locação trata de utilização das vagas de garagem. Dispositivo inaplicável ao caso dos autos. Aprovação do aluguel em assembleia sem voto da Apelante, motivado por sua inadimplência. Apelo improvido.
(TJ-PE -APL: 3449218 PE, Relator: Cândido José da Fonte Saraiva de Moraes, Data de Julgamento: 01/04/2015, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 10/04/2015).
(grifou-se).
Como se vê, são inúmeros os desdobramentos que podem ocorrer em relação às vagas de garagem de um condomínio, a depender da modalidade escolhida para o abrigo, de sorte que se reforça a orientação quanto à necessidade de ser efetuada uma análise aprofundada dos documentos, seja do imóvel, do seu proprietário, ou ainda, do próprio condomínio, quando da aquisição de uma unidade autônoma de um edifício.
Até a próxima.
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Bom dia, comprei um imóvel em um edifício em 1985, e na convenção não cita numero da garagem mas sim o direito de uso de uma garagem, tenho direito adquirido da garagem que eu uso deste 1985?
Vaga de garagem na escritura está sujeita à rodízio?
Bom dia !
Gostaria de uma ajuda, ou seja, um novo proprietário comprou um apto, cuja a vaga de garagem vinculada ao apto que comprou, não cabe o carro dele, entendendo que o proprietário anterior não notificou que a vaga da garagem era menor do que as outras existentes, e nem o novo proprietário verificou a vaga em si, contudo, o novo proprietário verificou que na convenção de 1994 do condominio que informa que as vagas são indeterminada, ele pode abrir um processo para que seja reparado essa situação ref. a vaga nesse caso?, ...pergunta, se fizermos uma assembleia para alterar a convenção de indeterminada p/ DETERMINADA, o condominio pode fazer isso sem sofrer alguma consequência?
Desde já, agradeço a atenção!
Marco Silva