Os grandes desastres ambientais estão em evidência no país, o que faz ascender as discussões em torno de um Direito dos Desastres.
Em novembro de 2005, por exemplo, o rompimento de uma barragem na cidade de Mariana (MG) provocou o vazamento de rejeitos de minérios retirados das minas da região. As consequências foram avassaladoras. A lama matou 19 pessoas, causou danos à fauna e à flora da região e a todo o ecossistema do Rio Doce, interferindo no abastecimento de água de 230 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo.
Três anos depois, a cena se repetiu em outra cidade mineira, Brumadinho. O rompimento de outra barragem causou um novo desastre de grandes proporções. Desta vez, no entanto, a lista de vítimas cresceu. Foram mais de 200 pessoas mortas e cerca de 93 desaparecidas.
Embora o desastre ainda esteja sendo investigado, representantes da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Minas Gerais e especialistas no assunto vêm afirmando que a causa do rompimento da barragem de Brumadinho pode ser a mesma de Mariana. Trata-se de um fenômeno chamado liquefação, comum em depósitos de rejeitos. Esse recurso, ao pressionar a estrutura, leva ao rompimento.
Independente dos motivos, no entanto, ambos os desastres e suas consequências devastadoras são reais. Nesse contexto, pode o Direito agir para evitar novas situações semelhantes? (Alprazolam) Ou, então, interferir para amenizar os impactos ambientais, industriais e humanitários causados por rompimentos semelhantes que se repetem no tempo?
Este post, portanto, faz referência à ideia de um Direito dos Desastres, que vem ganhando espaço ao longo dos anos no mundo.
No Brasil, o conceito de um Direito dos Desastres é relativamente recente. Os debates começaram a partir dos impactos causados pelo Furacão Catarina, que atingiu Santa Catarina em março de 2004. À época, ventos de 180 quilômetros por hora destruíram cerca de 1,5 mil residências e danificaram outras 40 mil casas, matando 11 pessoas e deixando outras 518 feridas. O Furacão Catarina se tornou o primeiro registro oficial de um ciclone tropical no Atlântico Sul.
O Direito dos Desastres, no entanto, foi se firmando ao longo dos tempos. Seu conceito foi trazido ao Brasil pelo advogado gaúcho Delton Winter de Carvalho, doutor em Direito Ambiental e Direito dos Desastres. Desde então, ele vem reunindo os reflexos jurídicos dos últimos desastres no país e estudando formas de preveni-los e de repará-los.
Há quem o considere um novo ramo do Direito, enquanto outros o creditem a uma subárea do Direito Ambiental. A diferença entre os ambos, no entanto, está no fato de que o Direito dos Desastres vai muito além do Direito Ambiental. Ele dispõe, por exemplo, sobre aspectos civis, securitários, previdenciários, econômicos e tributários dos desastres.
No entanto, a sua origem e classificação ficam a segundo plano se considerados os propósitos que levaram a seu surgimento: uma resposta jurídica necessária para proteger a sociedade diante de eventos catastróficos naturais de grande repercussão.
Essa necessidade surge porque o Direito tradicional não oferece respostas suficientes para os riscos de danos ambientais que decorrem da atividade industrial ou das forças da natureza, ainda que influenciadas pela ação humana. Tais eventos costumam apresentar peculiaridades tão específicas que não se enquadram nas situações do ordenamento jurídico brasileiro.
O professor da Universidade de Berkeley, na Califórnia (EUA), Daniel Farber, diz que
o Direito encontra-se completamente despreparado para lidar com desastres.
Os desastres geram uma série de problemas jurídicos, alguns exigindo solução imediata. Isso porque a legislação brasileira que faz referência à temática sequer mencionam questões sobre enchentes e deslizamentos em seu texto. É o caso, por exemplo, da Lei de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997) e do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).
Assim, veja, por exemplo, algumas situações em que ele é necessário:
Nem todas as pessoas que são vítimas de um desastre natural são identificadas. No entanto, seus corpos precisam ser sepultados. Outros tantos, no entanto, nunca são encontrados.
A família, por sua vez, pode necessitar de guarda provisória para a prática urgente de atos da vida civil. Problemas desse tipo surgiram em 2011, por exemplo, quando os municípios da região serrana do Rio de Janeiro foram atingidos por enchentes e deslizamentos de terra, matando cerca de mil pessoas.
À época, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Recomendação 40/2012. Veja:
Recomendação Nº 40 de 13/06/2012. Recomenda aos Tribunais de Justiça dos Estados a elaboração de plano de ação para o enfrentamento e solução de situações decorrentes de calamidades e desastres ambientais.
Desde então, alguns tribunais vêm criando gabinetes de crise que são acionados nos casos de desastre ambiental.
Em geral, grandes desastres naturais deixam centenas ou milhares de pessoas desabrigadas. Nesses casos, é preciso, portanto, que o município ou o Estado tenham um plano que dê conta de disponibilizar grandes áreas, já dotadas de estrutura mínima, para receber essas pessoas em alguma emergência.
Dentro da ideia de Direito dos Desastres, há o chamado o ciclo de gerenciamento de riscos. A ideia, com isso, é formar uma espécie de rede de proteção que ajuda a orientar os rumos para onde o Direito dos Desastres deve migrar.
Nesse sentido, Delton Winter de Carvalho diz que
A ocorrência de um desastre deve iniciar um novo ciclo de aprendizagem e adoção de medidas para evitar os próximos e eventuais desastres. Para tanto, deve haver uma avaliação sistêmica de quais foram os pontos de falhas (estruturais, regulatórias, terceiros, fatores físicos, etc) e quais as medidas preventivas devem ser incorporadas aos eventos futuros.
Trata-se, portanto, de três passos. Veja, na prática, como eles se complementam:
Com base nos exemplos dos desastres de Mariana e Brumadinho, pode-se afirmar que as técnicas usadas para construir barragens não é segura no Brasil, como se supunha. Portanto, há a necessidade de se revisar a manutenção dessa técnica. Além disso, é preciso analisar também a possibilidade de desfazer o que já está feito.
No acidente de Mariana, que já completou três anos e meio, a perícia realizada pelo Instituto Nacional de Criminalística conseguiu apontar que as causas têm relação com problemas de manutenção e fiscalização.
No rompimento da barragem de Brumadinho aconteceu a mesma coisa. Segundo especialistas, o desastre ocorreu entre o último monitoramento (setembro de 2018) e o prazo de validade da declaração de estabilidade (1 ano).
Portanto, é possível afirmar que tenha ocorrido alguma falha no monitoramento e também na fiscalização dessas barragens. O Poder Público, por sua vez, não consegue acompanhar e fiscalizar, sozinho e em tempo real, a regularidade desse tipo de atividade. Aliás, ele nem deve fazer isso sozinho, segundo determina a Constituição Federal.
Veja:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
Assim, mostra-se necessário o desenvolvimento de formas alternativas de controle. E isso pode (e deve) ser feito também pela própria iniciativa privada.
Segundo o advogado Pedro Niebuhr, mestre e doutor em Direito, essa saída pode estar em auditorias ambientais.
Por meio das auditorias ambientais, a Administração socorre-se ao trabalho desenvolvido por empresas privadas, preferencialmente acreditadas previamente para tal incumbência, as quais certificam o desempenho ambiental de certa atividade. As empresas auditoras colhem, processam e compilam as informações necessárias, por exemplo, relacionadas a emissões resíduos, consumo de matéria prima, energia, água, ruído, dentro outros, e as disponibilizam a todos interessados (ao público e à própria Administração).
Depois da análise e regulação vem a pergunta: o que o Direito pode aperfeiçoar para evitar desastres futuros? Entra-se, portanto, nas discussões a respeito da responsabilização administrativa.
A principal finalidade da sanção administrativa não é a de reparar o dano. Pelo contrário. É, sim, dissuadir e desencorajar a ocorrência de nova infração. Com a legislação atual, por exemplo, não há força suficiente para esse propósito. Afinal, ficaram as perguntas:
É preciso refletir, portanto, sobre essas questões para alinhar cada vez mais o conceito de Direito dos Desastres no Brasil. Esse novo ramo tem força para fazer surgir decisões jurídicas capazes de avaliar não somente os danos já concretizados. Mas também aquelas situações de risco que são provocadas.
Isso pode fazer com que as medidas implantadas não sejam apenas uma alternativa corretiva. Mas também uma forma de se antecipar à ocorrência do dano, gerando uma proteção maior no futuro.
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