O termo “inteligência artificial” nunca foi tão debatido quanto nos últimos anos. Desde o final de 2022, o ChatGPT se popularizou e em apenas dois meses conquistou mais de 100 milhões de usuários. Para além de texto, outras ferramentas são capazes de criar imagens, vídeos, sons e muito mais. Nesse contexto, dúvidas sobre direitos autorais e inteligência artificial começam a surgir.
Afinal, todos queremos saber: de quem é a autoria de uma texto, áudio ou imagem gerada por uma Inteligência Artificial? É sobre isso que falaremos neste artigo. Vamos lá?
A Lei nº 9.610/98 (LDA) legisla a respeito dos direitos autorais. Contudo, embora tenha essa nomenclatura, na realidade, protege muito mais o titular do direito patrimonial. Ocorre que nem sempre este será o autor. Desse modo, a legislação, muitas vezes, protege mais o titular que o autor de fato da obra.
No seio de uma lei que vislumbra a proteção do autor, mas não é totalmente eficaz, nasce a problemática de se reconhecer quem é o autor. E esta pode ser uma tarefa árdua em alguns casos, como nos de obras oriundas de Inteligência Artificial por exemplo.
A tecnologia que acompanha a vida contemporânea tornou a defesa pelos direitos autorais uma tarefa mais difícil. A chegada da internet e seu uso como poderoso meio de veiculação de obras enseja, portanto, modificações no mecanismo de proteção aos direitos autorais. O amplo acesso de grande parte da população mundial à rede mundial de computadores facilitou não somente o acesso, mas também a possibilidade de cópia e modificação das obras.
Os direitos autorais se exteriorizam através de leis criadas para garantir a circulação e veiculação da produção cultural. Tais direitos visam proteger duas bases que consubstanciam os direitos autorais, que são: os direitos patrimoniais e os direitos morais.
O primeiro está ligado a titularidade que pode ser transferida a qualquer terceiro, seja pessoa física ou jurídica. Os direitos patrimoniais, assim, estão intimamente relacionados com a questões pecuniárias/econômicas, que visam fomentar o mercado. São esses direitos que, em tese, garantem aos artistas e divulgadores instrumentos para recuperar o capital investido.
Noutro giro os direitos morais dizem respeito a autoria da obra. O autor, desse modo, é o criador e somente o ser humano pode criar – pessoa física. Os direitos morais são, por fim, intransferíveis e irrenunciáveis. Dessa forma, ainda que os direitos econômicos sejam transferidos, o autor continuará a ser o autor da obra para sempre.
O autor da obra é pessoa física criadora da obra, seja ela literária, artística ou cientifica. Esta, então, é a previsão legal contida no art. 11º da LDA. Para as pessoas jurídicas, a autoria será concedida, de maneira restritiva, somente em poucos casos previstos pela lei. Há uma grande celeuma a respeito da autoria ser atribuída à pessoa jurídica, mas o avanço da Inteligência Artificial vem trazendo à tona novos desafios.
A quem atribuir a autoria de uma música produzida (letra e melodia) por algoritmos, por exemplo? Quem é o autor de uma pintura de Di Cavalcanti produzida por um computador e uma impressora 3D?
Essas são perguntas atuais, existentes, e cujas respostas não são simples à luz da nossa legislação. Nos exemplos citados, a quem pertenceriam os direitos autorais dessas obras caso elas fossem produzidas no Brasil? Seriam protegidas pela atual Lei de Direitos Autorais (LDA)?
Conforme já exposto o ordenamento jurídico brasileiro define autor – detentor de direitos morais – como pessoa física. E prevê, então, poucas exceções que atribuem autoria às pessoas jurídicas.
Nesse sentido, portanto, os computadores/robôs não se enquadrariam como autores. No entanto, por trás de toda forma de inteligência artificial há uma programação executada por humanos. Esta conclusão superficial trás uma falsa certeza de que há respostas rápidas e simples às indagações. Poderia ser a autoria do criador do código do programa, do operador do programa ou algo do gênero.
Falsa certeza, sim, pois desaba através de uma simples análise perfunctória do problema e da evolução da IA – inteligência artificial. Esta pode, afinal, se desenvolver e ultrapassar as instruções originais. E, consequentemente, pode produzir novas obras. Há algoritmos “treinados” (com base de dados) a ouvir somente Beatles e que já produzem músicas sem a interferência humana. Produzem músicas com diversas características da banda, mas totalmente originais [1].
Nota-se que, no caso supramencionado, o autor do código original deixa de ter controle sobre as ações e a produção elaboradas pela Inteligência Artificial. Se a obra não for resultado da ação original, não se pode entender que o programador, por exemplo, é o autor da obra.
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A Inteligência Artificial está mais propagada em alguns países do mundo. Na Inglaterra, as obras produzidas por robôs são protegidas por direitos autorais. E a discussão já tem – ainda que possa não ter o entendimento acertado – uma resposta. Na Inglaterra, então, a lei atribui a autoria “à pessoa que faz os arranjos necessários para a criação da obra” e não às máquinas.
No Brasil, além da dúvida a respeito da autoria da obra, surge a indagação: se não há um autor, teria essa obra proteção autoral? Isto porque a LDA determina, em seu art. 45, incisos I e II, que pertencem ao domínio público, entre outros casos, as obras de autores desconhecidos. Portanto, conclui-se que as obras criadas pela Inteligência Artificial, por não possuírem autoria nos moldes da lei, estariam em domínio público?
Acredito que a saída – ainda que momentânea – seja recorrer ao direito alienígena, mas atribuindo uma espécie de autoria compartilhada entre: criador da inteligência artificial; aquele que a opera; e ainda quem insere as informações necessárias para gerar conteúdo.
Conferir a autoria a quem quer que seja será uma resposta momentânea, sim, pois novos desafios surgirão à medida que a IA evolui e se insere em nossas vidas.
Na realidade já há, no Reino da Arábia Saudita, o primeiro robô ao qual foi concedido o título de cidadão. Desenvolvida pela Hanston Robotics, com sede em Hong Kong, a robô Sophia possui um sistema de Inteligência Artificial capaz de aprender a expressar emoções como os humanos.
Portanto, logo teremos robôs com personalidade jurídica e direitos de personalidade reconhecidos. E, sem sombra de dúvidas serão capazes de produzir obras artísticas. Contudo, ainda não serão equiparados às pessoas físicas. Portanto, não se enquadrarão como autor na atual previsão da legislação pátria. Ou seja, haverá um novo problema!
A Lei n. 9.610/98 protege as obras exteriorizadas não protegendo ideias. Ou seja, o que não saiu do plano de cogitação não tem a proteção dos direitos autorais
A abrangência da LDA está prevista em seu art. 7º [2], que em seu caput trás a expressão “obras intelectuais” que enseja um juízo de valor para que se possa entender a abrangência da proteção autoral em sede de LDA. O conceito de obra intelectual. Como o direito de autor pressupõe uma obra, é prudente que a análise se inicie pelo art. 7º da Lei de Direitos Autorais – LDA, que trata das obras intelectuais protegidas.
Obra intelectual protegida pela legislação em comento pode ser conceituada como [3]:
[…] são as obras resultantes do trabalho (da atividade) intelectual, pessoal, de uma pessoa, que se exteriorizam de alguma forma.
Urge destacar que, sem obra intelectual, não existe direitos autorais a ser tutelado, eis a importância de compreender o conceito de “obra intelectual” para a proteção e gestão dos direitos autorais.
O artigo 7º da LDA apresenta um rol exemplificativo. Nesta senda, importante enfatizar que visivelmente o legislador se preocupou com dois pontos: a necessidade de a obra ser uma criação do espírito já exteriorizada e que o meio que esta obra foi expressada não é relevante.
Neste último ponto, o meio que a obra foi expressada tem quase nenhuma importância, exceto para fins de comprovar a anterioridade. Entretanto, ressalta-se que a obra intelectual não necessita estar registrada para ter seus direitos protegidos. O registro, no entanto, serve como início de prova da autoria e, em alguns casos, para demonstrar quem a declarou primeiro publicamente.
Há ainda alguns requisitos necessários para que a obra seja protegida pelos direitos autorais. A obra deve pertencer ao domínio das letras, artes, ou das ciências; a obra deve ser resultado do talento criativo do homem; a obra deve ser original e achar-se dentro do período de proteção, preenchidos os requisitos a proteção será reconhecida com independência do gênero da obra, sua forma de expressão, mérito ou destino.
Vale destacar que não é somente a LDA que protege o direito autoral no Brasil, pois há previsão na Constituição Federal. Tal é a relevância que a ordem jurídica brasileira empresta aos direitos autorais que a Constituição de 1988 os tutela no âmbito dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, no seu artigo 5º, incisos XXVI e XXVII e no Código Civil onde há previsão referente à propriedade intelectual, ainda que indiretamente.
Conclui-se que o avanço na tecnologia – que atualmente é um dos pesos na balança “acesso e proteção autoral”, pois viabiliza o acesso de forma brutal – trará com seu desenvolvimento e novo braço chamado de Inteligência Artificial um novo elemento. Este “elemento” nada mais é do que a dúvida em identificar o beneficiário moral da proteção autoral (o autor – direito moral). Desta forma, a indagação sobre quem é o autor da obra parece ganhar força e espaço com a evolução de Inteligência Artificial e infelizmente parece que o Direito Brasileiro não irá apresentar uma resposta célere.
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Super interessante as colocações. Estou no último período do curso de Direito e meu trabalho de conclusão de curso será sobre este tema.
Muito bom o comentário , nos trás explicações claras e obscuras sobre a problemática da I.A.