“Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”, assim dispõe o primeiro inciso do art. 5º da Constituição Federal, um dos mais importantes do ordenamento jurídico brasileiro, porque institui os principais direitos e garantias fundamentais. Contudo, a previsão veio apenas em 1988, posterior, portanto, a toda uma gama de legislações – ainda que os artigos considerados incompatíveis com esta previsão tenham sido revogados, o que não apaga uma história jurídica de discriminações. E mesmo mais de 30 anos depois da nova constituinte, ainda é necessário discutir os chamados direitos da mulher ou direitos das mulheres, como talvez seja mais acertado falar.
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Os direitos da mulher ou direitos humanos da mulher são uma ramificação dos direitos humanos e baseiam-se no princípio da integridade e dignidade do ser. Embora os direitos humanos sejam ditos universalistas, ou seja, aplicáveis a todos indiscriminadamente, as condições históricas, econômicas e sociais impedem que a previsão realizada em um plano teórico se concretize. Portanto, apesar da regulação jurídica, depara-se com uma sociedade em que ainda vige a discriminação contra mulheres, negros, homossexuais, entre tantas outras categorias marcadas pela diferenciação em relação a uma normatividade (inspirada pela figura do homem branco, heterossexual, eurocêntrico).
Apesar das discussões teóricas que foram e ainda levantadas e dos inúmeros avanços necessários, ainda, no que concerne não apenas a uma criação de direitos da mulher, mas à sua efetivação, também houve conquistas no âmbito legislativo. É claro que a lei por si não se faz eficaz. Afinal, a eficiência da lei depende da força com que ela adentra a sociedade. E uma sociedade que, culturalmente, não está preparada para uma legislação, coloca em risco a eficácia da letra legal.
O Direito anda em conjunto com o meio social. Desse modo, não pode ser visto unicamente como salvação a todos os problemas sinalizados. No entanto, como ferramenta humana (de controle social, de regulamentação, etc.), pode ser tanto uma barreira quanto um quebra-barreiras.
Nesse sentido, pode ser tanto utilizado para conservar ou manter tradições vigentes, quanto para inovar. E se a ideia é que se rompa com uma cultura de anulação dos direitos das mulheres, então é preferível que o direito ande à frente de seu tempo em uma prevenção e estímulo à sociedade – muito embora, ressalte-se, por vezes o discurso progressista seja também uma faxada para a manutenção das engrenagens sistêmicas.
Analisemos, portanto, algumas legislações importantes dentro dos direitos da mulher desde a Constituição Federal de 1988.
A Convenção de Belém do Pará, adotada na cidade em 1994, ratifica as disposições da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher. É uma importante marco na legislação brasileira dos direitos da mulher, porque conceitua o que seria a violência contra as mulheres, embora somente tenha sido promulgada em 19996 pelo Decreto 1973/1996. E serve, assim, de base para legislações posteriores como a emblemática Lei Maria da Penha.
O documento de adoção da Convenção de Belém do Pará pela Assembleia Geral inicia-se com um texto de destaque das ciência das condições da mulher americana. Assim, dispõe que “o reconhecimento e o respeito irrestrito de todos os direitos da mulher são condições indispensáveis para seu desenvolvimento individual e para a criação de uma sociedade mais justa, solidária e pacífica”. Do mesmo modo, reconhece a necessidade de um instrumento normativo para a erradicação da violência de gênero.
Violência contra a mulher, então, é entendida como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”, conforme o art. 1º. Dessa maneira, abrange não apenas a violência física, visível e mais denunciada, mas também uma preocupante violência psicológica a que estão submetidas inúmeras mulheres.
Como dispõe o preâmbulo da Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, a legislação:
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
Portanto, diferentemente do que se acredita, a Lei Maria da Penha não tem apenas um caráter punitivo, ainda que sejam previstas punições. Antes disso, a legislação visa coibir a violência doméstica.
Conforme o art. 2º da Lei 11.340/2006:
Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
E do mesmo modo que a Convenção de Belém do Pará, a Lei Maria da Penha interpreta que a violência contra a mulher vai além das agressões físicas ou dos assassinatos – últimas instâncias de uma cultura de violência. O ato violador dos direitos fundamentais inicia-se, portanto, já no abuso psicológico perpetrado no âmbito social.
Quase 9 anos depois da Lei Maria da Penha, então, entrou em vigor a Lei 13.104/2015, conhecida como Lei do Feticídio. A mais recente das legislações aqui citadas, alterou, enfim, o Código Penal para incluir a modalidade de feminicídio dentro da categoria de homicídio qualificado.
Dessa maneira, passam a ser incisos do parágrafo 2º do art. 121, CP:
Feminicídio
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
Igualmente, a lei inclui um novo parágrafo ao artigo, segundo o qual:
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I – violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Ainda que não se trate de uma legislação propriamente dita, é importante reconhecer os avanços da OAB. Em 2015 foi criado, desse modo, pelo provimento 164, o Plano Nacional da Advogada, que visava fortalecer os direitos da mulher. E 2016 foi considerado o ano da mulher advogada no Brasil, por iniciar a implementação de práticas que apoiam a mulher no exercício da advocacia.
Constavam, enfim, entre as diretrizes do plano:
Um documento da ONU reuniu, então, os principais acordos, leis e convenções nacionais e internacionais no que concerne aos direitos da mulher e à igualdade de gênero. É, dessa maneira, a lista:
Por fim, um importante questionamento. Muito se fala dos direitos da mulher – ou dos direitos humanos da mulher, mas a própria definição de mulher envolve uma série de discussões e complexidades. O que é, então, ser mulher? E de que modo isto reflete, assim, nos avanços legislativos? Por exemplo, estão as mulheres trans abrangidas por essas legislações, ou ainda figura, mesmo em frente a tribunais, um preconceito de gênero?
Portanto, uma corrente defende que não se fale de direito da mulher, mas de direitos das mulheres, porque abrange a complexidade e diversidade de gênero muitas vezes resumida em uma única palavra. E isto é necessário, principalmente considerando outras correntes que vislumbram a mulher apenas em seu aspecto biológico – a fêmea da espécie humana – em detrimento a tantas condições de influência na construção do gênero.
Como Simone de Beauvoir questiona, enfim: o que é ser mulher? Ser mulher é uma construção social, histórica, cultural, que envolve também aspectos biológicos e fisiológicos, vide o controle dos corpos femininos pelo aspecto da capacidade de gestar de algumas, mas não se resume a isto, considerando, também, as mulheres trans. E como simplificar, desse modo, tamanha complexidade e diversidade?
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