Diferença legal entre discernimento e vontade para a incapacidade a curatela

02/07/2021
 / 
14/10/2024
 / 
37 minutos

Inicialmente, deficiente mental não é sinônimo de doente mental. E a ausência de conhecimento sobre a terminologia gera repercussão na rotina das famílias dos doentes mentais. A leitura deste artigo, portanto, deve ser feita considerando que o foco está no exercício do múnus da curatela, quando o indivíduo a ela submetido é um doente mental crônico, cuja patologia atinge, de forma indiscutível, a capacidade de discernir, mas mantém a capacidade de expressar vontade.

Navegue por este conteúdo: mostrar

O foco, então, é chamar atenção para necessidade de sanar a lacuna legal trazida pela impossibilidade dessa pessoa ser considerada absolutamente incapaz, o que impossibilita também a proteção aos direitos do curatelado, a proteção à sua dignidade, à sua vida, à sua saúde e outros direitos fundamentais da pessoa humana.

A pessoa com deficiência e a incapacidade: reflexos da alteração no Código Civil

Conforme preceitua o artigo 2º da lei 13.146/2015, denominada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, “considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

Contudo, além de trazer uma substancial alteração no ordenamento jurídico, o Estatuto trouxe para o Direito uma lacuna com relação ao conceito abarcado pelo art. 3º, II do Código Civil, em sua redação original da lei 10.406/2002, revogado pela lei 13.146/2015.

Art. 3º do Código Civil: conceito de incapacidade absoluta

Hoje, dispõe o art. 3º do Código Civil:

Art. 3 São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

Vê-se, portanto, a revogação dos incisos que seguiam seu caput, como se observa da antiga redação:

Art. 3º São ABSOLUTAMENTE incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário DISCERNIMENTO para a prática desses atos; (grifo)

III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua VONTADE. (inciso redirecionado para o artigo do Código Civil que trata dos relativamente incapazes).

Art. 4º do Código Civil: conceito de incapacidade relativa

Da mesma forma, alteraram-se os incisos II e III do art. 4º do Código Civil.

Atualmente, vige a seguinte redação:

Art. 4 São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

IV – os pródigos.

Parágrafo único.  A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

No entanto, era a redação anterior:

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV – os pródigos.

No atual cenário legislativo, após a vigência da lei 13.146/2015, assim estão definidos os absolutamente incapazes:

Art. 3 São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

Percebe-se, desse modo, que o critério adotado para a constatação da incapacidade civil absoluta é unicamente, a idade biológica do sujeito. Atingido os 16 anos, portanto, passa-se a relativamente capaz, sem qualquer ressalva.

Critérios para a incapacidade absoluta e a incapacidade relativa

Restringindo a análise, aqui, ao doente mental ou portador de transtorno mental, a ausência da incapacidade civil absoluta deve ser reconhecida a seu favor. 

É evidente que as proteções legais antes trazidas ao doente mental curatelado, no que tange à incapacidade absoluta, foram completamente extirpadas, pois, como dito acima, só é absolutamente incapaz aquele que tem menos de 16 anos de idade completos.

A problemática grave trazida é quando a expressão da vontade passa a ser o único requisito para a análise da capacidade da prática dos atos da vida civil, no que tange aos doentes mentais, cuja incapacidade, agora, é exclusivamente relativa. E aqui se enquadra a questão apresentada.

Análise dos critérios do art. 4º, CC

Art. 4 São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: 

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos (critério de idade biológica pura)

II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (retirou-se a necessidade de que essas pessoas preencham a condição de discernir, vinculando a capacidade a um conceito aberto, já que habitualidade e vícios, por si só, não são capazes de inibir o discernimento e a vontade, causando uma insegurança jurídica para quem sofre da patologia e para o terceiro que realiza um ato jurídico com o ébrio habitual e com o viciado em tóxico, por não ser possível apresentar um critério objetivo para a constatação do momento da incapacidade relativa, salvo se a lei quis abranger de forma absoluta o que tiver um atestado médico nesse sentido, pouco importando se está sob o efeito do álcool e toxico)

III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (inciso colado da redação original do Código Civil que estava inserida no rol dos absolutamente incapazes)

IV – os pródigos. (conceito determinado que se distingue de vicio ou habitualidade – critério patológico puro)

Diferença entre vontade e discernimento

Nenhuma lei contém palavras inúteis, verba cum effectu, sunt accipienda [1]. Logo todas as palavras inseridas trazem sentido.

É indiscutível, assim, que vontade e discernimento são terminologias distintas. Desse modo, se na redação original da lei 10.406/2002 havia a utilização de ambas, a exclusão de uma sem o preenchimento da lacuna deixada, por óbvio, causaria problemas.

Tratando-se de vontade e discernimento é notório que a distinção não está só no campo jurídico, mas no senso comum.

Vontade não é o sinônimo de discernimento, vejamos, então:

  • Vontade: substantivo feminino, etimologia: do latim, volūntas,ātis : Capacidade individual de escolher ou desejar aquilo que bem entende; faculdade de fazer ou não fazer determinadas ações. [2]
  • Discernimento: substantivo masculino, etimologia: A palavra discernimento deriva da junção do verbo discernir e do sufixo-mento: Capacidade para perceber a diferença entre o certo e o errado; juízo: tinha discernimento para verificar um ato criminoso. [3]

Vistos os conceitos, não paira dúvida de que vontade é a expressão daquilo que o sujeito deseja e que discernimento é a capacidade de saber se sua vontade é certa e errada, é o juízo. Logo, temos a possibilidade clara da existência da vontade desprovida do discernimento.

Vontade x discernimento na lei

Vejamos alguns exemplos constantes da lei, de modo a aproximar, para os aplicadores do direito e os jurisdicionados, por que não se pode aplicar indistintamente a lei 13.146/2015 para o doente mental e o para a pessoa com deficiência mental.

Código Penal – Decreto-Lei n.º 2.848 de 07 de dezembro de 1940

No Código Penal, há exemplo de que, para praticar o ato criminoso, a pessoa tem que ter capacidade de decidir se faz ou se não faz, se quer ou se não quer praticar a conduta.

Mas, nos casos em que, ainda que haja vontade da vítima, se constata que esta não tinha o necessário discernimento para entender que aquela conduta que lhe foi induzida era ERRADA, ou seja, a vítima não tinha o JUÍZO para compreender a conduta, para distinguir com clareza, avaliar com bom senso e sensatez o que estava sendo induzida ou instigada, a pena do autor da conduta é maior.

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:

..

§ 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos termos do art. 121 deste Código.

Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.              

§ 1o  Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.       

Art. 218-B.  Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:        

Código Civil – Lei Federal 10.406/2002

Outro exemplo de vontade desprovida de discernimento abrange o ato de testar.

O relativamente incapaz, por exemplo, pode ter vontade de testar.

Contextualizando, contudo, digamos que o doente mental, num surto psicótico e diante de uma paranoia, tem a vontade de testar em favor de alguém, embora sua vontade esteja maculada pela ausência do discernimento do ato que quer praticar. O doente mental testa, então, em favor desse terceiro porque acredita que ele é um enviado de Deus para tomar conta, após sua morte, de todo seu patrimônio.

Agora, observe a redação do art. 1.860 do Código Civil.

Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento. (grifo)

Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos.

O papel do curador diante da ausência de discernimento e da incapacidade relativa prevista em lei

A ausência de conhecimento sobre a terminologia das palavras e não observância da hermenêutica jurídica acabaram por trazer à pessoa com doença mental um tipo do gênero pessoa com deficiência, além de ignorar a repercussão da doença mental no discernimento da pessoa acometida pela doença.

Como é possível equiparar, então, o curador ao assistente do relativamente capaz, se é da essência da figura jurídica da assistência que o assistido exprima vontade (vontade essa munida de discernimento)?

Com o início da pandemia, por exemplo, noticiou-se o aumento do número de casos de diagnósticos de doença mental [4] e transtornos graves mentais, além do aumento considerável no número de suicídios.

Isso traz à baila a questão da má interpretação da lei, da necessidade de aprimorar o estudo sobre a incapacidade absoluta do doente mental que tem o discernimento inibido, embotado ou até extirpado da sua consciência por causa da doença, mas que, mesmo assim, permanece ativo e exprimindo sua vontade de ir ao supermercado, de cortar os cabelos, de comer determinado alimento, de comprar determinado item, ou seja, de  praticar os atos por livre vontade, sem adentrar no juízo, no bom senso, na avaliação daquela vontade.

Entretanto, essa mesma pessoa, que após a alteração da legislação é relativamente incapaz, durante os surtos, imprevisíveis e de duração indeterminável, pode ser assaltada por delírios e alucinações, ouvindo vozes e vendo seres imaginários, sofrendo ideias de perseguição e possessões de espíritos estranhos, e pode ser tomada por vontade de comer carne humana, de voar, de matar animais também.

Incapacidade de discernimento durante surtos agudos

Tal pontuação não é notada pela maioria das pessoas, até que se deparam com um caso de portador de doença mental, pessoa que consegue expressar sua vontade com as devidas justificativas, mas sem qualquer discernimento.

O que fazer quando um portador de doença mental grave se recusa a tomar a medicação, porque não é mais da sua vontade utilizá-la, ou recusa a receber tratamento médico, porque percebe que aquela medicação e internação são as causas de suas alucinações e delírios?

Se interpretado literalmente o artigo 13 da lei 13.146/2015 [5], o curador deve aguardar o surto agudo dessa pessoa, já que os poderes do curador estão, em tese, restritos à administração patrimonial e, conforme o previsto na lei 10.216/2001, restaria a internação involuntária e a compulsória [6], já que a vontade deve ser ao máximo respeitada.

Baseando em dados de processos para internação involuntária e compulsória, não se localiza aqueles com tutela de urgência ou medida concedida em 20 minutos, 1 dia ou dentro das 72 horas (tempo esse máximo para a manutenção do doente contra sua vontade desprovida de discernimento em internação involuntária sem ordem judicial).

E então? Como se pode manter a confusão terminológica existente hoje na aplicação da legislação? É indispensável sanar tal vicio.

Internação involuntária: os limites do curador

A referida redação trouxe grandes prejuízos epistemológicos, seja na área jurídica ou não, já que muitos que lidam com os processos judiciais de pessoas que estão incapacitadas mentalmente por patologias estão distanciados das bases conceituais cientificas, bem como do trato na prática diária dessas pessoas, seja por desinteresse, por ausência de afinidade epistemológica, por crenças pessoais amparadas por ideologias sem qualquer substrato prático.

A internação voluntária não merece abordagem aqui pois o debate envolve pessoa portadora de doença mental grave, que em sua maioria rejeita veementemente qualquer intervenção médica. Resta a análise da internação involuntária e a compulsória da pessoa já curatelada.

Como dito, a regra geral é que o doente mental interditado é relativamente incapaz e tem resguardado, na sua totalidade, inúmeros direitos, entre os quais frisamos à saúde, ao corpo, à privacidade e à moradia, ficando vedado ao curador a interferência ou assistência ao curatelado quando esse exprime sua vontade, sem discernimento.

Então, a situação do curador e do curatelado com a alteração legislativa trouxe prejuízos a ambos e também incorre em recorrentes prejuízos a terceiros, já que o incapaz de fato, aos olhos da lei é capaz mesmo que com algumas limitações.

Com isto, trazem-se problemas tais como realizar negócios jurídicos, tomar decisões com relação a sua saúde, tomar decisões com relação ao seu corpo, sem falar na possibilidade de casar, decidir sobre sua vida sexual, sobre direitos reprodutivos, tudo em decorrência da exclusão do discernimento do requisito para análise da capacidade civil. 

A curatela em parecer jurídico

Citando parte dos pareceres emanados pelo Promotor de Justiça Joaquim Emboaba em inúmeros processos judiciais de curatela, quando atuante perante a comarca de Pouso Alegre/MG, já em 2017, é necessário assegurar que:

a promoção do bem de todos não pode estar adstrita a um desejo abstrato do legislador, qual seja, a inclusão das pessoas portadoras de deficiência. Ela deve ser efetiva, concreta, razão pela qual deveria ser exigido do legislador a observância das inúmeras circunstâncias relacionadas à incapacidade de exercer os direitos civis em razão das incapacidades mentais, psíquicas e de eventual deficiência. [7]

O doente mental crônico expressa sua vontade como dito anteriormente, mas essa leitura de que a expressão da vontade, descontextualizada, é sinal de capacidade inviabiliza o múnus do curador, que fica engessado.

A vontade do doente mental com diagnóstico, a título exemplificativo, de esquizofrenia, ocorre de acordo com suas alucinações, que produzem significativas mudanças de comportamento. Desse modo, elas levam a manifestações de comportamento instável e, muitas vezes, agressivo.

Em casos mais graves, a pessoa com esquizofrenia revela extrema desorganização do pensamento, e isto torna a convivência familiar, ou com o cuidador, profundamente prejudicada, muitas vezes marcada por medo e insegurança diante da agressividade.

Ainda citando o parecer do Promotor de Justiça Joaquim Emboaba:

Ocorre que a vigência da Lei 13.146/2015, na tentativa do legislador de inclusão das pessoas deficientes, acabou por negligenciar a efetiva proteção de cidadãos como a requerida, trazendo enorme perplexidade em sua sistematização, inclusive colidindo com a Constituição Federal, na medida em que desconsidera, em vários dispositivos, a realidade da existência de pessoa totalmente incapaz para o exercício de atos civis” [8]

Conceito de pessoa com deficiência mental

A leitura atenta da lei 13.146/2015 devidamente contextualizada traz, de forma clara, que nela estão resguardados os direitos da pessoa com deficiência, cujo conceito mais inteligível está na redação do Decreto 3298/99, artigo 4º IV:

Artigo 4º […]

IV – deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a) comunicação;
b) cuidado pessoal;
c) habilidades sociais;
d) utilização dos recursos da comunidade;
e) saúde e segurança;
f) habilidades acadêmicas;
g) lazer; e
h) trabalho.

Resta claro pela leitura da conceituação acima, que não estamos diante de pessoa diagnosticada com esquizofrenia paranoide, transtorno esquizoafetivo, surto psicótico, portador de Alzheimer. Entretanto, não é assim que a lei 13.146/2015 tem sido aplicada na rotina do judiciário.

A inviabilidade da curatela em casos de doença mental

A demanda de processos, a ausência de pessoal qualificado e especializado, a instabilidade do sistema processual brasileiro, a ausência de uniformização das decisões judiciais e o descompasso na aplicação da ritualística prevista no Processo Civil que abarrotam as comarcas do interior e, por óbvio, a quantidade de normas aprovadas quase que diariamente impossibilitam a aplicação diferenciada para o caso de curatela de pessoa com deficiência mental e doente mental, ocasionando a aplicação genérica a ambos os casos. Assim, inviabiliza-se, por completo, a curatela de um doente mental.

Lei 13.146/2015

Art. 6.  A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I – casar-se e constituir união estável;

II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Art. 11.  A pessoa com deficiência não poderá ser obrigada a se submeter a intervenção clínica ou cirúrgica, a tratamento ou a institucionalização forçada.

Parágrafo único.  O consentimento da pessoa com deficiência em situação de curatela poderá ser suprido, na forma da lei.

Art. 12.  O consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa com deficiência é indispensável para a realização de tratamento, procedimento, hospitalização e pesquisa científica.

§ 1º  Em caso de pessoa com deficiência em situação de curatela, deve ser assegurada sua participação, no maior grau possível, para a obtenção de consentimento.

Art. 13.  A pessoa com deficiência somente será atendida sem seu consentimento prévio, livre e esclarecido em casos de risco de morte e de emergência em saúde, resguardado seu superior interesse e adotadas as salvaguardas legais cabíveis.  

Art. 85.  A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.

§ 1º  A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.

§ 2º  A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado.

Aspectos jurídicos da esquizofrenia no Brasil

Uma das doenças mentais mais graves e que afeta mais de dois milhões e quinhentas mil pessoas, somente no Brasil, é a esquizofrenia. A definição mais conhecida tecnicamente é que se trata de uma doença mental crônica, que não tem cura e deve ser tratada durante toda a vida do paciente para melhorar a sua qualidade de vida [9].

Afirma-se que o esquizofrênico tem dificuldades em interpretar a realidade e discernir o que é real e o que não é. Ou seja, o esquizofrênico não tem discernimento, mas tem vontade. O portador é capaz de escolher a sua roupa, escolher sua alimentação, escolher sair ou ficar em casa. Todavia, essa mesma pessoa escolhe também pular da varanda, tomar veneno, não tomar medicação, não comer, se mutilar, tudo expressando sua vontade.

Resta, aí, comprovado o perigo de considerar a vontade puramente, isto é, a vontade desprovida de discernimento.

Discernimento esse que o legislador da redação original do Código Civil de 2002 observou como sendo de suma importância, já que não basta vontade. Essa expressão do querer tem que ser lastreada na realidade, no possível, no juízo, no bom senso, subjetivação essa aniquilada pela doença mental.

Pergunta-se: Como é possível, diante de um quadro com diagnóstico confirmado de esquizofrenia paranoide, esquizofrenia indiferenciada, transtorno Esquizoafetivo, transtorno psicótico agudo polimorfo com sintomas esquizofrênico, pessoa com quadro de confusão mental e déficit cognitivo progressivo e outros quadros crônicos de psicose, que os poderes do curador sejam limitados “a apenas à prática de atos de conteúdo patrimonial e negocial” (Artigo 85 da lei 13.146/2015)?

A rejeição ao tratamento: expressão de vontade ou ausência de discernimento?

A maioria dos portadores de doença ou transtorno mental, inicialmente, não aceitam o diagnóstico e o prognóstico, rejeitam a medicação e não aceitam a intervenção no corpo de qualquer procedimento médico ou laboratorial. Como é possível assegurar a dignidade da pessoa humana, direito à vida e à saúde (direitos constitucionais), se a pessoa que tem o dever de cuidar do doente não pode interferir na decisão diária de cuidados com o corpo e saúde do seu ente?

Os benefícios das medicações antipsicóticas hoje desenvolvidas trazem os malefícios da ausência de continuidade do tratamento do doente, já que:

[…] ocasionando a melhora e controle dos sintomas, possibilitando alta hospitalar e retornar o ao convívio social, constatou-se que os doentes, uma vez melhorados tendiam a tomar irregularmente o medicamento ou até mesmo a interrompê-lo. Em consequência, recaídas e reintegrações passaram a ser comuns. Tornou-se evidente que esses agentes atuavam na fase aguda ou de exacerbação aguda, mudavam intensamente as manifestações e o curso da esquizofrenia, sem, entretanto, curá-la. [10]

Diante dos incontáveis pareceres vindos dos órgãos que deveriam proteger os doentes e sentenças judiciais determinando a limitação dos poderes do curador à esfera patrimonial do curatelado (caso específico do doente mental grave, crônico), como uma pessoa que se dispõe a ser o curador, ou seja, cuidador de fato, vai exercer os cuidados se não pode garantir a saúde e bem-estar do curatelado?

Exemplos que são trazidos onde a curatela do doente mental, sem que o curador possa reger o corpo e a saúde do curatelado tornam a curatela um instituto ineficaz:

CASO 1:[11]

Curatela judicial ajuizada para submeter o jurisdicionado com 50 anos de idade à interdição, requerendo a nomeação da esposa como curadora.

Histórico médico colacionado aos autos, jurisdicionado aposentado por invalidez, diante diagnostico CID-10 Quadro: Grave, refratário a diversos ensaios com psicofármacos em associações e em doses máximas. Cursando atualmente, com sintomas psicóticos além de ideação de autoextermínio (já tentado por algumas vezes). medicação de usO DIARIO: Venlafaxina 150mg, Mirtazapina 45mg, Olanzapina 10mg, Clonazepam 2mg, Prgabalina 75 mg, Zolpidem 10mg e sessão de eletroconvulsoterapia semanal.(grifamos)

Laudo Pericial Judicial

Consta ainda do laudo que o paciente apresenta “humor discretamente deprimido, com afeto embotado, pensamento deficitário de conteúdo empobrecido e delirante, associado a alucinações auditivas, com capacidade intelectual reduzida, hipotenaz, com déficit cognitivo moderado, sem juízo crítico.”

Ademais, “é importante ressaltar que  o paciente na maioria de suas crises, apresentou junto aos sintomas psicoativos, alteração de humor, contudo, houve períodos de apenas psicose, com humor inalterado. Tem uma melhor resposta terapêutica com eletroconvulsoterapia”.

Por fim, “considerando as diversas experiências terapêuticas e psicopedagógicas, conclui-se que o mal é crônico e não apresenta expectativas de cura, apesar de ser aconselhável manter os tratamentos oferecidos. Conclusão: Diante do exposto até o momento, concluímos ser o periciado incapaz de gerir seus bens e sua vida civil”.

Parecer do Ministério Publico após a análise do laudo pericial:

No que toca à natureza do quadro clínico incapacitante, consta do laudo pericial juntado aos autos que o interditando é portador de Transtorno Esquizoafetivo (CID 10 – F25), o que a torna permanentemente incapaz de reger sua pessoa e administrar os próprios bens.

Sabido que, para fins de interdição: A interdição, por se tratar de medida extrema, apenas pode ser deferida quando as provas produzidas nos autos não deixam margem à dúvida de ser o interditando incapaz de reger sua pessoa e administrar seus bens. (TJMG – Apelação Cível 1.0145.14.067623-3/001, Relator(a): Des.(a) Audebert Delage, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/08/2018, publicação da súmula em 20/08/2018)

E efetivamente é este o caso sub judice, denotando-se não só da documentação médica juntada aos autos, mas também do próprio interrogatório judicial, ausência de pleno gozo da saúde mental por parte do interditando. CONCLUSÃO Isto posto, provados os fatos elencados na inicial, opina o Parquet pela PROCEDÊNCIA do pedido exordial, a fim de que seja decretada a interdição do requerido, nomeando a autora como sua curadora e fixando-se a extensão da curatela, nos termos do art. 755, inciso I, do CPC/15, apenas à prática de atos de conteúdo patrimonial e negocial. (grifamos)

Sentença judicial:

[…] Reportando-me aos autos, verifico que o laudo pericial acostado em Id.XXXX indica que o requerido não possui capacitação para gerir sua pessoa e administrar seus bens, sendo portador de doença mental incapacitante e de caráter irreversível. No caso dos autos, está perfeitamente comprovado que o interditando não possui plena capacidade de discernimento (grifamos), notadamente para gestão de assuntos de natureza patrimonial e negocial. Desta forma, a medida visa preservar os interesses do curatelado, atendendo, pois, aos ditames da lei de regência. […] Ante o exposto, nos termos do art. 755 do CPC, combinado com artigos 84 e 85 da Lei 13.146 de 2015, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, para sujeitar o interditando xxxx à curatela, especificamente para a prática de atos de natureza patrimonial e negocial, mantendo incólume os direitos ao corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. (grifamos). Nomeio curador a requerente, a qual deverá representar o interditando nos termos acima, com poderes limitados à gestão e administração de negócios e bens (grifamos) e que não importem em transferência ou renúncia de direito, inclusive para fins de recebimento de aposentadoria e benefício previdenciário. O curador deverá prestar contas, anualmente, conforme disposto no artigo 84, parágrafo 4º da Lei 13.146-2015. Em virtude da ausência de interesse recursal, dou a sentença por transitada em julgado na presente data. (grifamos) […] Esta sentença servirá como ofício, dirigido ao cartório Eleitoral da Zona Eleitoral de Santa Luzia, para onde deverá o ofício ser remetido para cancelamento do cadastro do eleitor ora interditado. (grifamos)…

CASO 2: [12]

Curatela Judicial ajuizada para submeter a jurisdicionada com 84 anos de idade à interdição, requerendo a nomeação da sobrinha como curadora.

Diagnostico portadora de doença neurológica degenerativa, não podendo assinar, nem tampouco gerir os atos da vida civil, não compreende as palavras, não sabe assinar e aparentemente não conseguindo compreender atos.(grifamos)

Parecer do Ministério Publico após a análise do laudo pericial

Inobstante o disposto no art. 85 da Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a análise dos autos, notadamente o atestado médico da requerida e a ata de audiência, não se faz prudente conferir a ela a prática dos diversos atos da vida civil sem a direta representação de sua sobrinha, dada a patologia que sofre e que lhe causa sérias limitações para qualquer ato civil.(grifamos)

Sentença Judicial

No caso dos autos, se mostra suficiente a representação da requerida no que diz respeito à gestão do patrimônio e à prática de atos negociais, nada impedindo, por sua vez, que a requerente o assista quanto aos demais atos, como a busca de auxílio médico hospitalar. Posto isso, mantenho a liminar deferida e decreto a interdição de xxxxxxxxx, declarando-a incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, inclusive para eventual recebimento de benefício previdenciário junto ao INSS, na forma do art. 85, caput, da Lei nº 13.146/2915, nomeando-lhe como curadora sua sobrinha, xxxxxxxx, servindo a presente, assinada eletronicamente, como TERMO DE CURATELA DEFINITIVO, inclusive como ofício para o Registro Civil de Pessoas Naturais, devendo ser observada a justiça gratuita.(grifamos)

CASO 3 :[13]

Curatela Judicial ajuizada para submeter a jurisdicionada com 84 anos de idade à interdição, requerendo a nomeação da filha como curador.

Jurisdicionado diagnosticado com doença de Parkinson e Demência na Doença de Parkinson – Informa que apesar de haver comprometimento permanente da capacidade de raciocínio e tomada de decisões, o paciente consegue se comunicar. (grifamos)

Laudo Pericial Judicial

Sofre de doença mental classificada cientificamente no grupo das DEMÊNCIAS; A enfermidade compromete a consciência, capacidade de discernimento, atenção, memórias e capacidades executivas; O transtorno e as condições psicopatológicas decorrentes impedem o periciado de reger sua pessoa e bens; desaguando na incapacidade de exercício para os atos da vida civil. A moléstia apresentada é permanente. A moléstia apresentada é considerada equivalente àquelas que conferem incapacidade para praticar os atos previstos no disposto do art. 1782 do CCB. O instituto da interdição, caso decretado, deverá contemplar a REPRESENTAÇÃO por terceiro (curador) nos demais atos da vida civil. Tratando-se de deficiência intelectual, existe comprometimento de manifestação da vontade ou prejuízo de discernimento? R.: PREJUDICADO. NÃO SE TRATA DE DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E SIM ENFERMIDADE NEUROMENTAL ADQUIRIDA. 8) Quais são as medidas apropriadas para promover a cura da pessoa periciada? R.: NÃO HÁ POSSIBILIDADE DE CURA. (grifamos)

Sentença Judicial

Pelo exposto e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido para decretar a interdição de xxxxxxx e nomear-lhe curadora xxxxxx, que deverá representá-lo nos atos patrimoniais e negociais e assisti-lo nos demais atos da vida civil, à exceção daqueles de natureza personalíssima, com observância da norma do art. 1748 do CCB.(grifamos)

Limitação da curatela ao conteúdo patrimonial e negocial

Fazendo a leitura das alterações legislativas que impactaram no campo da incapacidade absoluta, qual seria a intenção do legislador ao estabelecer, para o curador (considerando curatela medida excepcional para o doente mental), o poder para prática de atos de conteúdo patrimonial e negocial, se o justamente o que se busca com a curatela de um familiar portador de doença mental é resguardar sua saúde e corpo? Relembrando que os questionamentos são pertinentes às pessoas com doenças mentais crônicas que se negam receber tratamento.

Em 23 de outubro de 2019, numa audiência realizada na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Brasileiro, o coordenador do Programa de Esquizofrenia da Universidade Federal de São Paulo, o professor Ary Gadelha, deixa claro que quanto mais precoce a intervenção médica, maior a chance de sucesso no tratamento.

Em suas palavras: “Se perdermos a janela de oportunidade, que é a intervenção logo após constatado o primeiro episódio psicótico, fica muito mais difícil tratar porque o cérebro começa a fase de prejuízos mais significativos” [14].  

Intervenção no corpo e na saúde do curatelado

As conclusões obtidas nessa audiência contrariam a legislação em vigor, ao deixar expresso que ao doente mental curatelado deve ser mantido incólume o direito de decidir sobre sua saúde e corpo. Sendo assim, contradição maior ainda não foi localizada, já que se menos de 40% dos doentes diagnosticados aceitam o tratamento, como salvaguardar a saúde e o corpo do curatelado, se esse rejeita o tratamento?

Pela aplicação da lei, como está ocorrendo, tem-se que é necessário aguardar que o curatelado em decorrência de uma doença mental crônica entre em crise, tente fugir do hospital, rejeite a medicação até que haja um surto para que, assim, o curador, diante do iminente risco à vida, diante da crise aguda, possa tomar as medidas contra vontade desprovida de discernimento, já que não lhe foram concedidos os poderes para intervir no corpo e na saúde do curatelado.

Qual a razão para o curador de um doente mental grave ter poder sobre o patrimônio do ente querido, se a SAÚDE e o CORPO é que precisam de ajuda e estão contaminados pelos efeitos da doença mental, e não poder intervir, atuar da forma necessária, já que isso contraria a vontade desprovida de discernimento do incapaz?

O poder essencial do curador de uma pessoa com doença mental dessa categoria é o poder sobre o corpo, sobre a saúde, vida sexual e reprodutiva do incapaz e patrimônio, esse último que venha por consequência.

Da hermenêutica jurídica ao Código de Processo Civil

Aqui, é evidente que o tema vai retornar às faculdades, à formação dos profissionais aplicadores do Direito, já que nada disso estaria ocorrendo se o uso da hermenêutica jurídica, a contextualização dos fatos com os atos jurídicos e, em especial, se os artigos 1º e 8º do Código de Processo Civil (Lei 13105/2015) fossem fielmente seguidos:

Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil , observando-se as disposições deste Código.

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência

Outros desafios da diferenciação entre vontade e discernimento

É possível apontar mais problemas advindos da ausência de diferenciação conceitual e não percepção da lacuna deixada pela eliminação do discernimento, já que, com o devido respeito, tem-se assistido pareceres optando pela limitação dos poderes do curador a administração patrimonial, onde está evidenciado e provado através de laudo pericial, que o interditando rejeita a doença, é incapaz de se auto cuidar:

Isto posto, provados os fatos elencados na inicial, opina o Parquet pela PROCEDÊNCIA do pedido exordial, a fim de que seja decretada a interdição do requerido, nomeando a autora xxxxxxxx a como sua curadora e fixando-se a extensão da curatela, nos termos do art. 755, inciso I, do CPC/15, apenas à prática de atos de conteúdo patrimonial e negocial.”

Isso sem contar contestações à curatela, as contestações genéricas contrárias ao pleito inicial, mesmo diante da comprovada incapacidade do paciente, do incapaz.

Curador especial

O curador especial tem a obrigação de resguardar o bem-estar do sujeito à curatela. E isso não quer dizer que sempre tem que ser contra o pleito inicial.

Não é possível que, com o avançar dos meios tecnológicos e a disseminação do conhecimento de forma extremamente rápida, um curador especial, quando se envolve pessoa com doença mental irreversível, crônica e gravíssima que causa risco à sua própria integridade física, com histórico documentado de tentativa de autoextermínio, ter em seu nome a apresentação de uma contestação pleiteando:

[…] Por tudo o que restou exposto, requer a improcedência do pedido, ora contestado por negativa geral; Em caso de procedência do pedido inicial, pugna seja a requerente nomeada curadora do curatelado para representá-lo, apenas, nos atos de natureza patrimonial e negocial, determinando que esta preste contas de sua administração. Com a devida formalidade que merece o debate, mas esse tipo de manifestação reflete a de um verdadeiro algoz e não defensor. É evidente que se curatela for o adequado e melhor para aquele que está defendendo, que apresente a anuência, ora, onde está a observância aos artigos 1º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do Código de Processo Civil.

Esse artigo deixa evidenciado que estamos diante de um problema de intepretação da lei, uma lacuna trazida pela revogação e retirada do discernimento como guia da vontade livre.

Ora, uma vez constatado a incapacidade total, absoluta da pessoa sujeita a curatela, a impossibilidade de autogoverna-se, a gravidade da doença, os riscos iminentes à vida do curatelado, não é compreensível a aplicação indiscriminada da regra geral, a ausência de discernimento, impõe-se a proteção integral à pessoa.

Deficiência intelectual, deficiência mental e doença mental

Por fim, é trazido ao conhecimento de que a questão controversa é de cunho meramente interpretativo, já que desde 1995 a Organização das Nações Unidas havia modificado o termo deficiência mental para deficiência intelectual, com o objetivo de diferenciá-la da doença mental.

A lei. 13.146/2015 quando redigida, foi inspirada na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, podendo-se afirmar que não há dúvidas que os direitos ali resguardados se referem a pessoa com deficiência.  Porém, o que estamos assistindo desde 2015 é o contrário, a ausência de base de conhecimento sobre a matéria, o descaso com o estudo da hermenêutica jurídica pelos aplicadores da lei e do Direito causaram e causam esses já relatados problemas na vida dos cidadãos.

Essa ausência de técnica legislativa causou uma equiparação grave de conceitos, generalizando uma demanda de cunho gravíssimo, trazendo para os curadores de portadores de doença mental a função de meros administradores de bens, contadores, organizadores de planilhas de contas, ignorando aquele que realmente precisa da lei para sua proteção. DEFICIÊNCIA MENTAL não é o mesmo que DOENÇA MENTAL.

Distinção entre doença mental e deficiência mental: uma diferenciação para o norte da atividade jurídica

Nesse sentido, deve ser dado publicidade a um artigo publicado pela Procuradora de Justiça do Estado do Paraná, Dra. Rosana Beraldi Bevervanço – Coordenadora dos CAOP Idoso e PCD do MPPR – que, de forma iluminada, traz à tona o problema causado pela ausência de distinção dos conceitos de deficiente e doente pelos aplicadores do Direito e da lei e, após trabalho que merece aplausos, apresentou que a demanda emergencial quanto ao assunto não é para saber exatamente, dentro das diversas ciências que envolve a questão, a diferenciação e tratamentos. Essa diferenciação é para NORTEAR A ATIVIDADE JURÍDICA:

[…] Evidentemente o presente e singelo estudo limitar-se-á a conceitos básicos apenas para nortear a atividade jurídica no âmbito do MPPR, sem a pretensão de incursões na ciência médica psiquiátrica….

Em resumo, a principal diferença entre deficiência mental e doença mental é que, na deficiência mental, há uma limitação no desenvolvimento das funções necessárias para compreender e interagia com o meio, enquanto na doença mental, essas funções existem mas ficam comprometidas pelos fenômenos psíquicos aumentados ou anormais.” [15] 

Assim, diante da necessária urgência em nortear a atividade jurídica quanto ao tema e considerando que não é possível assegurar a todos os jurisdicionados, no momento de seu pleito, a aplicação do direito adequado ao contexto exato do quadro de saúde de seu ente querido, e ainda tendo em vista a importância do tema que se mostra especialmente relevante diante das notícias, cada vez mais frequentes, acerca do aumento dos diagnósticos de doenças mentais e a repercussão na vida daqueles se amoldam como destinatários daquela legislação, observando as peculiaridades de cada doença mental,  é que se tornou indispensável que a matéria seja submetida a debate jurídico.

Isto implica em elaboração de normas técnicas, cartas para orientação dos aplicadores do Direito, visando nortear a atividade jurídica ou, sendo esse o caminho mais longo a preencher, que seja, pelos nobres deputados federais ou órgãos constitucionalmente legitimados, apresentado proposta de projeto de lei para constar expressamente a distinção entre deficiente e doente, corrigindo os equívocos que resvalaram do Código Civil e Código de Processo Civil. Essa conduta possui caráter urgente para retirar das famílias uma parte da burocracia e barreiras que tem que ultrapassar diariamente para o bem estar de seu ente.

Escrito por:

Lívia de Paula Alves Martins Vieira, OAB/MG 101.245

Victor Fabiano Pedrosa da Silva Vieira, OAB/MG 101.246

Referências

[1] Tradução do latim: a lei não contém palavras inúteis. [2] Dicionário Online de Português – Site: https://www.dicio.com.br/vontade/ [3] Dicionário Online de Portugues – Site: https://www.dicio.com.br/discernimento/ [4] Mudanças causadas pela covid-19 aumentam sofrimento e transtornos mentais. Site:  https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/08/10/mudancas-caudas-pela-covid-19-aumentam-sofrimento-e-transtornos-mentais.htm?cmpid=copiaecola  – Site: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/08/10/mudancas-caudas-pela-covid-19-aumentam-sofrimento-e-transtornos-mentais.htm [5] Art. 13. A pessoa com deficiência somente será atendida sem seu consentimento prévio, livre e esclarecido em casos de risco de morte e de emergência em saúde, resguardado seu superior interesse e adotadas as salvaguardas legais cabíveis. [6] Artigo 6 – A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I – internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II – internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro;
III – internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. [7] Parecer de autoria do promotor de Justiça Joaquim Emboaba no processo de curatela autuado sob o n.º 5006399-07.2017.8.13.0525. [8] Parecer de autoria do promotor de Justiça Joaquim Emboaba no processo de curatela autuado sob o n.º 5006399-07.2017.8.13.0525.

[9] Tipos de esquizofrenia e como são classificados – Site: https://hospitalsantamonica.com.br/tipos-de-esquizofrenia/ [10] In Rev Latino-am Enfermagem 2003 maio-junho; 11(3):341-9 – Pagina 342 – Antipsicóticos de ação prolongada. [11] Processo autuado sob o n. 5001975-15.2019.8.13.0245  [12] Processo n.º 5008532-56.2016.8.136.0525 [13] Processo n.º 5150355-95.2018.8.13.0024 [14]Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/10/23/esquizofrenia-precisa-de-mais-atencao-dizem-especialistas-em-audiencia-na-cas [15] Diferença entre Deficiência Mental e Doença Mental e a atuação do Ministério Público – BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DIFERENÇA ENTRE DEFICIÊNCIA MENTAL E DOENÇA MENTAL E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – De autoria da Dra. Rosana Beraldi Bevervanço – Procuradora de Justiça Coordenadora dos CAOP Idoso e PCD do MPPR –  http://pcd.mppr.mp.br/pagina-343.html?fbclid=IwAR0FwvDsbeUt7taT3i_faYl5lZNEU39nR32t0-vlS-lQNPYCHEbcpzhYwTA –

Use as estrelas para avaliar

Média 5 / 5. 2

Nenhum voto até agora! Seja o primeiro a avaliar este post.

Deixe um comentário