O Código de Processo Civil, instituído pela Lei 13.105/2015, trouxe alterações no tocante à produção de provas, notadamente no que diz respeito à chamada distribuição dinâmica do ônus da prova.
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Inicialmente, cabe conceituar a prova como todo e qualquer instrumento ou meio hábil, ainda que não previsto em lei, dirigido ao juiz com o objetivo de demonstrar, em regra, a existência de um fato que interessa à resolução do litígio, a partir do convencimento, pelo juiz, de que as proposições acerca dele apresentadas são verdadeiras.
Dessa forma, a partir da análise das proposições fáticas, com seu enquadramento jurídico, que o juiz extrairá o seu convencimento para a solução de mérito. Não é por outra razão, aliás, que o artigo 371 do Código de Processo Civil impõe ao magistrado:
Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.
Como princípio geral de direito, o autor deverá provar os fatos que constituem o seu direito, por si alegados, enquanto ao réu caberá demonstrar os fatos que impeçam a constituição do direito do autor ou que o extinga ou modifique. O caput do artigo 373 do CPC assegura tal regra clássica de distribuição do ônus da prova, in verbis:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I –ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II –ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Quando o art. 373 estabelece que cumpre ao autor a prova dos fatos constitutivos de seu direito, diz, em simultâneo, ao juiz e ao autor, quem sofrerá as consequências negativas da falta de prova desses fatos. Contudo, os §§ 1º e 2º inovam ao admitir e disciplinar expressamente os casos em que pode haver modificação (legal ou judicial) das regras constantes dos incisos do caput. Assim, o juiz deixou de ser um simples árbitro no processo e assumiu também a iniciativa de buscar a verdade real.
No processo civil o ônus da prova não é uma obrigação (visto que acarreta uma consequência processual negativa), trata-se de uma conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela alegados sejam admitidos pelo juiz, sendo que o caput do artigo 373, CPC, assegura a regra básica de ao autor recai o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito e ao réu recai o ônus de provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Os ônus da prova, conquanto regras de julgamento, interessam diretamente às partes que sofrerão as consequências negativas ou positivas da sua distribuição. Ocorre que, diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de produzir provas nos moldes do caput do artigo 373, ou considerando maior facilidade de obtenção de provas do fato, o juiz poderá atribuir o ônus da prova de modo diverso, essa é a chamada distribuição dinâmica do ônus da prova.
Ela terá relevância tanto para as partes quanto para o juiz e repercutirá no aspecto subjetivo e objetivo do ônus da prova. Do ponto de vista objetivo, se o juiz verificar, na sentença, que determinado fato não ficou comprovado, carreará as consequências negativas não para o litigante a quem elas seriam normalmente atribuídas, mas ao seu adversário. Do ponto de vista subjetivo, o autor não terá mais de provar os fatos constitutivos de seu direito, cumprindo ao réu fazer prova contrária; e o réu não terá mais o ônus de provar os fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor, cabendo ao autor a prova contrária.
Em razão da distribuição dinâmica, o ônus pode recair tanto sobre o autor, como sobre o réu, a depender do caso concreto, quando verificados os casos previstos em lei ou diante das peculiaridades da causa, conforme preconiza o § 1º, artigo 373, do Código de Processo Civil:
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
Nessa hipótese, o legislador acolheu a regra da dinâmica do ônus da prova, que poderá ser alterado se, com a aplicação da regra geral, o juiz verificar que a prova ficou excessivamente difícil para quem normalmente teria o ônus, ou excessivamente fácil para a parte contrária.
Trata-se da aplicação da regra de que o ônus deve ser atribuído a quem manifestamente tenha mais facilidade de obter ou produzir a prova. Nesse sentido entendeu o TJDF:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O Código de Processo Civil adotou uma Teoria Mista ou Eclética da Distribuição do Ônus da Prova, porquanto, em que pese os incisos I e II do artigo 373 do Código de Processo Civil contemplarem a Teoria Estática do Ônus da Prova, veja-se que o parágrafo 1º do referido artigo e o inciso III, do artigo 357, do Código de Processo Civil consagram a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova. 2. Cabível a aplicação da distribuição dinâmica do ônus probatório, caso haja maior possibilidade de uma das partes produzir a prova ou a impossibilidade ou demasiada dificuldade na obtenção da prova por um dos agentes processuais. 3. Recurso conhecido e desprovido.
(TJ-DF 07158228920188070000 DF 0715822-89.2018.8.07.0000, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, Data de Julgamento: 22/11/2018, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 27/11/2018 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Embora o ônus da prova seja, antes de qualquer coisa, regra de julgamento, caberá ao juiz na decisão de saneamento e organização do processo definir a sua distribuição. Cabendo agravo de instrumento não apenas contra a decisão que redistribuir, mas também contra a que não acolher o pedido de redistribuição do ônus da prova, formulado com fulcro no art. 373, § 1º, do CPC. Com isso, evita-se ofensa ao princípio do contraditório e eventual cerceamento de defesa daquele que ficaria prejudicado com a alteração do ônus. Isso porque, a questão será apreciada em momento processual tal que permita àquele a quem o ônus for carreado socorrer-se das provas necessárias.
Um exemplo recente de julgado do STJ demonstra bem como se pode, de maneira justa, aplicar a dinamização da prova que atribuiu ao ex-marido e coproprietário do imóvel o ônus de comprovar que as acessões e benfeitorias não foram realizadas na constância do casamento.
Para o colegiado, o TJPR – ao afastar a presunção legal relativa prevista no artigo 1.253 do Código Civil (CC) – adotou corretamente a distribuição dinâmica, em razão de peculiaridades que permitem ao coproprietário (o ex-marido é dono do bem em conjunto com terceiros), com maior facilidade do que a ex-esposa, demonstrar se as melhorias realizadas no imóvel tiveram ou não a participação dela.
Em seu voto, Villas Bôas Cueva comentou que, para dar concretude ao princípio da persuasão racional do juiz, disciplinado no artigo 371 do CPC, em conjunto com os pressupostos de boa-fé, cooperação, lealdade e paridade de armas previstos no código processual, foi introduzida a faculdade de o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso entre os sujeitos do processo, em virtude de situações peculiares –a distribuição dinâmica do ônus da prova.
“Desse modo, é indiferente procurar saber simplesmente quem teria realizado as construções ou edificações no imóvel objeto do litígio, mas é imprescindível definir em que momento elas teriam sido realizadas, se na constância ou não da união conjugal, mostrando-se mais adequado carrear a produção dessa prova para quem é o (co)proprietário do imóvel –no caso, o ora recorrente”, concluiu o ministro ao manter o acórdão do TJPR.
Conclui-se, então, que a distribuição dinâmica pode alcançar um ou alguns fatos ou instrumentos de provas. Buscando-se, assim, a cooperação em prol de uma maior efetividade e pronunciamentos jurisdicionais mais justos. Além disso, a distribuição dinâmica do ônus da prova busca dar concretude ao princípio da persuasão racional do juiz, disciplinado no artigo 371 do CPC, em conjunto com os pressupostos de boa-fé, lealdade e paridade de armas previstos no código processual.
1 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil –volume único –6 ed. –São Paulo: Saraiva Educação, 2020
2 MOUZALAS, Rinaldo – Processo Civil volume único –12 ed. –Salvador; Ed. JusPodivm, 2020.
3 THEODORO JUNIOR, Humberto; Curso de Direito Processual Civil –vol I, 60 ed. Rio de Janeiro; Forense, 2019.
4 Gonçalves, Marcus Vinicius Rios; Direito processual civil Esquematizado –11. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020.
Escrito por: Nayara Milhomens de Siqueira, advogada, professora universitária, mestra em Direito pela UFG, especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil.
Sim, é possível que ocorra a distribuição dinâmica do ônus da prova. Este recurso está disposto no art. 373 do novo cpc e pode ocorrer por convenção das partes, por lei ou convenção judicial ou extrajudicial.
É um instrumento jurídico que se utiliza para solucionar a impossibilidade de formulação de um critério geral para a distribuição do ônus da prova.
Diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de produzir provas nos moldes do caput do artigo 373, ou considerando maior facilidade de obtenção de provas do fato, o juiz poderá atribuir o ônus da prova de modo diverso. Isto é, então, a distribuição dinâmica do ônus da prova
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