Este artigo tem como principal objetivo demonstrar quais os meios de defesa do contribuinte em sede de execução fiscal. A partir disso, pontuam-se as vantagens e desvantagens de cada uma das modalidades, quais sejam: a exceção de pré-executividade e os embargos à execução.
Em especial, o artigo também visa demonstrar a possibilidade, ainda que remota, de oposição dos embargos à execução sem garantia do juízo. Isso, a fim de assegurar ao executado o exercício de seu direito constitucional de contraditório e ampla defesa, dado que na maior parte dos casos os valores a serem discutidos extrapolam a capacidade financeira do contribuinte.
A execução fiscal é o meio judicial de que se vale a Fazenda Pública para a cobrança dos seus créditos tributários e não tributários inscritos em dívida ativa.
Ressaltando o princípio da legalidade a que deve obediência a administração pública – cite-se art. 37 da Constituição Federal -, a cobrança por meio da execução fiscal deve se ater aos exatos termos da lei, cabendo-se aplicação subsidiária do Código de Processo Civil somente no que aquela for omissa.
Desse modo, o processo de execução fiscal é fundado em um título de crédito extrajudicial denominado Certidão da Dívida Ativa. Esta será emitida após constituído o crédito tributário pelo lançamento ausente de pagamento.
A lei 6.830/80, Lei de Execuções Fiscais, em seu art. 2º, §5º, bem como o Código Tributário Nacional, em seu art. 202, trazem os requisitos que deverão conter o título executivo. Sem qualquer dos quais, acarretar-se-á a nulidade dele, uma vez que deve ser revestido de liquidez, certeza e exigibilidade.
Por isso, a desconstituição destes requisitos é o que primeiro deverá ser analisado no momento da elaboração de uma defesa nos autos da execução fiscal. Qualquer vício formal, ou seja, no modo estrutural da constituição do título, poderá atribuí-lo nulidade.
Uma vez citado para responder a um processo de execução fiscal, ao alegado devedor será oportunizado o pagamento ou a apresentação de sua defesa. A melhor forma de defesa deverá ser analisada diante do caso concreto, após uma detida análise.
Com efeito, deve-se estudar as viabilidades de defesa para cada tipo de contribuinte. Por exemplo: se ele possui bens passíveis de penhora, se há prejuízo na ausência de suspensão da exigibilidade do crédito, se possui meios financeiros para arcar com as despesas processuais e garantia do juízo, se há vícios na forma da elaboração da Certidão da Dívida Ativa, entre outras situações.
Detectada a melhor forma de defesa para o caso concreto, passa-se à elaboração de uma exceção de pré-executividade ou de embargos à execução. Então, vejamos cada um deles.
Em caso de erros formais no título da dívida ativa ou matérias que possam ser conhecidas de ofício pelo juiz, denominadas matérias de ordem pública, a exceção de pre-executividade é o meio de defesa mais conveniente. Isso porque ela independe de garantia do juízo e de pagamento de custas.
A exceção de pré-executividade, que também recebe o nome de objeção de pré-executividade, é um dos instrumentos de defesa do executado mais utilizados na prática. Isso porque a sua utilização se dá de maneira simplificada, por meio de uma petição incidental, sem custos e sem dilação probatória. Ao lado disso, o sistema de defesa típico na execução fiscal comporta dificuldades ao executado, especialmente pela exigência de garantia para a apresentação de embargos à execução e pelos encargos aplicáveis em eventual derrota nesse procedimento. [1]
A petição de exceção de pré-executividade se vê amparada pelo princípio do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, CF). Por isso, pode ser arguida em qualquer fase processual. Tampouco há, portanto, prazo para a sua interposição. Quando julgada procedente, poderá desconstituir total ou parcialmente o crédito tributário.
No entanto, duas observações são importantes. A medida é desestimulada ante a impossibilidade de dilação probatória. Isso pois nesta peça processual somente poderão ser alegadas matérias de ordem pública. Portanto, se a defesa carecer de produção de provas, a medida torna-se inviável.
Além disso, deverá ser analisada a vantagem da medida no caso concreto, uma vez que ela não suspende a exigibilidade do crédito tributário, cuja previsão se dá de forma taxativa no art. 151 do Código Tributário Nacional. Portanto, caso o devedor, em razão da sua atividade ou motivo pessoal, necessite de uma certidão negativa de débitos, somente o protocolo da exceção de pré-executividade não solucionará o seu problema, persistindo a exigibilidade do crédito.
Como meio de defesa do contribuinte executado nos autos da execução fiscal, tem-se, além disso, a oposição dos embargos à execução. Este é o meio de defesa com procedimento próprio para as execuções de natureza fiscal. No entanto, por ser bastante oneroso, sua interposição é difícil. Ademais, nos termos da Lei de Execuções Fiscais, o executado deverá obrigatoriamente garantir o juízo.
No que concerne a essa imposição, o §1º do art. 16 da Lei de Execuções Fiscais é categórico. Assim, ele estabelece:
Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.
Uma vez que haja a garantia do juízo, ao contrário do que se explanou em sede da exceção de pré-executividade, a oposição dos embargos suspende a exigibilidade do crédito tributário. Assim, o executado obterá a sua certidão negativa de débitos fiscais até o julgamento definitivo do processo.
Absoluto, tal entendimento há muito foi aceito. Entretanto, desse modo, boa parte dos executados jamais conseguiria opor embargos e discutir a dívida sem antes prestar garantia dela em juízo.
No entanto, em 2002, uma pequena evolução na matéria foi levantada, quando o Superior Tribunal de Justiça admitiu a possibilidade de garantia parcial do juízo para a oposição dos embargos à execução. [2]
Ocorre que, em 28 de maio de 2019, a 1ª Turma do STJ, ao julgar o Recurso Especial 1.487.772/SE, decidiu assim:
Deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado, inequivocamente, que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo. [3]
Dada a hipossuficiência do executado, caso não deferida a possibilidade de embargar e produzir provas, seu direito de defesa estaria ceifado. De fato, após análise, mostrou-se que ele não possuía patrimônio suficiente para garantir a dívida. Assim, citamos a ementa do acordão completa.
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUTADO. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA. EXAME. GARANTIA DO JUÍZO. AFASTAMENTO. POSSIBILIDADE.
1. “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n. 2 – STJ).
2. Os embargos são o meio de defesa do executado contra a cobrança da dívida tributária ou não tributária da Fazenda Pública, mas que “não serão admissíveis … antes de garantida a execução” (art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/80).
3. No julgamento do recurso especial n. 1.272.827/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, submetido ao rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção sedimentou orientação segunda a qual, “em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736 do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 – artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos – não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal”.
4. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, CF/88), tendo esta Corte Superior, com base em tais princípios
constitucionais, mitigado a obrigatoriedade de garantia integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução fiscal, restando o tema, mutatis mutandis, também definido na Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.127.815/SP, na sistemática dos recursos repetitivos.5. Nessa linha de interpretação, deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo.
6. Nada impede que, no curso do processo de embargos à execução, a Fazenda Nacional diligencie à procura de bens de propriedade do embargante aptos à penhora, garantindo-se posteriormente a execução.
7. Na hipótese dos autos, o executado é beneficiário da assistência judiciária gratuita e os embargos por ele opostos não foram recebidos, culminando com a extinção do processo sem julgamento de mérito, ao fundamento de inexistência de segurança do juízo.
8. Num raciocínio sistemático da legislação federal aplicada, pelo simples fato do executado ser amparado pela gratuidade judicial, não há previsão expressa autorizando a oposição dos embargos sem a garantia do juízo.
9. In casu, a controvérsia deve ser resolvida não sob esse ângulo (do executado ser beneficiário, ou não, da justiça gratuita), mas sim, pelo lado da sua hipossuficiência, pois, adotando-se tese contrária, “tal implicaria em garantir o direito de defesa ao “rico”, que dispõe de patrimônio suficiente para segurar o Juízo, e negar o direito de defesa ao “pobre”.
10. Não tendo a hipossuficiência do executado sido enfrentada pelas instâncias ordinárias, premissa fática indispensável para a solução do litígio, é de rigor a devolução dos autos à origem para que defina tal circunstância, mostrando-se necessária a investigação da existência de bens ou direitos penhoráveis, ainda que sejam insuficientes à garantia do débito e, por óbvio, com observância das limitações legais.
11. Recurso especial provido, em parte, para cassar o acórdão recorrido.
(REsp 1487772/SE, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/05/2019, DJe 12/06/2019) [4]
De fato, é brilhante a decisão do Superior Tribunal de Justiça. Este assistiu à particularidade do executado que necessitava produzir provas e que, no entanto, não dispunha de bens suficientes para garantir o juízo.
Na verdade, no nosso entendimento, a obrigatoriedade de garantia do juízo é uma afronta aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, bem como de acesso ao judiciário.
Com efeito, tal exigência condiciona o cidadão à disponibilidade de seu patrimônio para discutir uma dívida que não raras vezes extrapola sua condição econômica com valores definitivamente indevidos e confiscatórios. A facilitação da defesa do executado fiscal, assim como já ocorreu nos embargos do executado na esfera do processo civil, é medida de extrema urgência na legislação tributária pátria.
Com o recente julgado, tem-se, assim, um grande salto na possibilidade de o contribuinte se defender de exações fiscais.
Entretanto, há um longo caminho a ser percorrido. De fato, é difícil a aceitação, por juízos de primeiro grau e tribunais, da oposição dos embargos à execução fiscal sem que haja a garantia do juízo. No entanto, a mudança está iniciada, e a melhora de possibilidade de defesa dos executados em ações fiscais é o que se espera.
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A autora
Ana Paula Freitas Mariano é advogada e contadora no escritório Capital Advogados, atuante em Direito Tributário e Previdenciário. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes, cursando MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, associada ao Instituto de Estudos Avançados em Direito e membro dos núcleos de Direito Tributário e Direito Previdenciário. Seu e-mail para contato é anapfmariano@gmail.com. Siga-a também no Instagram: @anapfmariano.
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