A Reforma da Previdência foi aprovada em segunda votação no plenário do Senado, com o placar de 60 votos a favor por 17 contra, e foi promulgada no dia 12/11/19. Sabe-se que não está inteiramente concluída, pois ainda tramita a PEC nº 133/2019, a chamada PEC Paralela, que discute, entre outras coisas, a inclusão dos estados e municípios na reforma. Apesar disso, muitas mudanças já podem ser observadas, em especial para os empregados públicos.
Por isso, o objetivo deste artigo é traçar, brevemente, as principais mudanças para essa classe de agentes públicos. Além disso, diagnosticaremos possíveis discussões judiciais que envolvem a alteração.
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Empregados públicos: agentes públicos, mas não servidores
Quando uma pessoa trabalha na Administração Pública, estabelece uma relação jurídica com o respectivo ente federativo. A natureza desse vínculo varia, a depender de cada caso.
De início, esclareça-se um ponto: todos que trabalham no Estado são agentes públicos, desde o estagiário até o Presidente da República. Agente público é o conceito mais amplo (gênero) que engloba tanto os servidores públicos como os empregados públicos (espécie).
Servidores públicos são aqueles titulares de cargo efetivo, que ingressam no Estado por meio de concurso público de provas e títulos (art. 37 da CF), adquirem estabilidade e estão vinculados a Regimes Próprios de Previdência (RPPS), que podem ser instituídos pelos entes federativos (art. 40 da CF). A Reforma da Previdência se estende, nesse primeiro momento, apenas aos servidores da União, mas alguns estados já sinalizaram intenção de mudanças.
Empregados públicos, por sua vez, são os que trabalham no Estado de carteira assinada. Ou seja, no aspecto trabalhista, estão regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Já no aspecto previdenciário, estão vinculados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que é gerido pelo INSS. Empregados públicos costumam trabalhar em empresas públicas ou sociedade de economia mista, como é o caso da Caixa, do Banco do Brasil, Correios, entre outros.
Diante da distinção entre os regimes jurídicos, naturalmente haverão diferenças no aspecto previdenciário, razão pela qual também se distinguem os regimes de Previdência. Cada um possui regras próprias e, em termos mais simples, os empregados públicos trabalham para o Estado, mas aposentam pelo INSS. Há que se ressaltar, enfim, que os entes federativos que não instituírem seu RPPS vincularão seus servidores ao INSS. Logo, é possível que existam servidores públicos regidos pelo RGPS.
Mudanças na Previdência de empregados públicos
Definido o conceito de empregado público, voltemos nossa atenção às mudanças que os atingem. É possível destacar três grandes alterações com a Reforma da Previdência.
1. Novas alíquotas de contribuição
A primeira diz respeito à alíquota de contribuição. Hoje, esse valor varia de 8% a 11%. Com a Reforma, passará a ser de 7,5% a 14%. Essas pequenas variações farão com que aqueles que ganham menos paguem menos, ao passo que aqueles que ganham mais pagam mais.
2. Aposentadoria compulsória
A segunda grande alteração está ligada à questão da aposentadoria compulsória. Esse “benefício previdenciário” cria um limite etário para que o servidor trabalhe no serviço público. Hoje ele é de 75 anos.
Muito se discutiu a aplicação deste limite, uma vez que se direciona para servidores públicos titulares de cargos públicos efetivos. É certo que a LC 152/15 estendeu a aplicação a todos os agentes, o que inclui os empregados públicos. Porém esse limite foi afastado pelo STF (vide REx 786.540-RG/DF). De forma que alguns Tribunais o aplicavam, e outros, afastavam.
Com a reforma da Previdência, a discussão, aparentemente, cai por terra. Será adicionado o §16º do art. 201 da Constituição Federal, que expressamente assevera:
Os empregados de consórcios públicos das empresas públicas, das sociedades de economia mista e das suas subsidiárias serão aposentados compulsoriamente, observado o cumprimento do tempo mínimo de contribuição, ao atingir a idade máxima de que trata o inciso II do §1º do art. 40, na forma estabelecia em lei.
Dois comentários. Primeiro: foi inserida a regra do art. 51 da Lei nº 8.213/91, que estabelece a observância do tempo mínimo de contribuição para o requerimento da aposentadoria por idade pelo empregador – o que, às avessas, aplicava-se ao empregado público como se compulsória fosse. Entende-se, pois, que é condição para a aplicação do limite etário o preenchimento do tempo de contribuição mínimo para se aposentar. Quem não preencher, só poderá ser demitido após ter completado o requisito da contribuição – mesmo que se ultrapasse a idade.
Segundo: desapercebeu-se o legislador que existem empregados públicos que laboram na administração direta, de sorte que, aparentemente, a eles não se aplica o limite etário. Da redação do §16º é possível extrair que a limitação está restrita aos empregados da administração indireta, o que reclamará resposta definitiva do Poder Judiciário.
3. Acumulação de aposentadoria com serviço público
Por fim, a terceira – e talvez mais relevante – mudança: a possibilidade de acumular aposentadoria com o emprego público. Sabe-se que no RPPS (regime próprio) há vedação para que o servidor público permaneça em atividade depois de se aposentar. Diferente era o caso dos empregados públicos, pois vinculados ao RGPS (INSS), que permitia que o trabalhador permanecesse em atividade. Permitia.
Agora, com a inserção do §14º no art. 37 da Constituição Federal:
A aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição.
O texto permite algumas interpretações possíveis, de acordo com a situação de cada segurado. Tais como:
- Empregado que já estava aposentado: não deve ser afetado, sob pena de violar o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, e prejudicar o ato jurídico perfeito;
- Empregado que preencheu os requisitos antes da entrada em vigor da reforma: também deve preservar seu direito adquirido, com base no mesmo fundamento acima (art. 5º, XXXVI da Constituição Federal), se a DDA (data do direito adquirido) for anterior à entrada em vigor da reforma da Previdência. Com muito mais razão aqueles cuja DER (data de entrada do requerimento) for anterior à nova regra, embora não seja esse o grande parâmetro para mensurar a aplicação da lei (tempus regit actum).
- Empregado que se aposentou depois da reforma, mas não utilizou o tempo de contribuição do atual emprego público: se a contratação for recente, mas não houver impacto significativo na RMI, poderá excluir esse período para manter a acumulação, caso seja interessante.
Análise deverá ser caso a caso
É importante ressaltar, porém, que pesquisas indicam que o funcionalismo público cresceu 83% nos últimos 20 anos e que sua maior concentração está nos municípios. Normalmente, estes não instituem RGPS e mantêm servidores públicos titulares de cargo efetivo vinculados ao INSS. Cria-se, então, um regime jurídico sui generis em que ora se aplicam as regras estatuárias, ora as regras do RGPS. Essa especificidade gera uma situação turva no que tange ao regime jurídico. O que naturalmente cria confusão.
Recentemente, em decisão monocrática do Ministro Alexandre de Moraes, o STF entendeu pela impossibilidade de acumular cargo público com aposentadoria do RGPS, quando a lei estatuária prever a vacância do cargo público em decorrência da aposentadoria. Conquanto não seja uma decisão do Plenário e não tenha observância obrigatória, serve para ilustrar como o tema gera particularidades e pode causar violações aos empregados públicos diante da má aplicação da lei.
Exige, portanto, por parte de todos os operadores do direito, estudo aprofundado sobre as novas regras, sob pena de se causar ilegalidades e impedir o acesso à ordem jurídica justa.
Conclusão
Diante do exposto, é possível observar que a Reforma da Previdência, recém promulgada, traz três principais alterações para os empregados públicos: a mudança nas alíquotas de contribuição; a (aparente) pacificação sobre a aposentadoria compulsória; e, por fim, a proibição de acumulação da aposentadoria com o emprego público que gerou tempo de contribuição utilizado.
Cria-se, assim, um cenário muito específico, que demandará estudo e planejamento caso a caso. Afinal, não há uma resposta geral a tudo e a todos. A pior decisão para o segurado é se precipitar e buscar resolver tudo sozinho. Recomenda-se, mais do que nunca, o apoio de um profissional capaz de simular os cenários e descobrir a melhor estratégia.
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A matéria é esclarecedora, no entanto, ainda fica vago os direitos trabalhistas que terão os empregados públicos aposentados compulsoriamente. O art. 51 da Lei nº 8.213/91 estabelece:” caso em que será garantido ao empregado a indenização prevista na legislação trabalhista. Mas essa aposentadoria compulsória será a título de justa causa ou não. Cabe reflexão.
Excelente o artigo, no entanto ficou a dúvida quanto aos servidores públicos filiados ao RGPS, serão eles exonerados após a aposentadoria quando utilizado o tempo do serviço público?