Evicção: o que é, requisitos e como ocorre

14/04/2022
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14/10/2024
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A evicção é a perda de algo que, em última análise, nunca se teve. Ela ocorre na medida em que o juízo reconhece que um bem adquirido – imóvel, veículo ou outro – não pertencia a quem o vendeu, mas sim a outrem. 

Assim, a evicção acaba por ser resultado de  um tipo de vício ou defeito dos contratos. Por isso, qualquer pessoa – física ou jurídica – ao firmar um contrato oneroso, precisa ter em mente o risco de evicção. 

Mas, em que bases legais se fundamenta esse recurso? Como ele é aplicado, na prática, no sistema de justiça brasileiro? E, o que resta ao evicto (pessoa que sofre uma evicção)?

Neste artigo, veremos o que o Código Civil(CC), o Código de Processo Civil de 2015 (CPC) e a jurisprudência trazem, acerca das ações de evicção. 

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O que é evicção?

A evicção é, simplesmente, a perda total ou parcial de coisa adquirida, em virtude de sentença ou decisão judicial que atribui a posse ou propriedade da coisa a um terceiro. O termo vem do latim, evictio, que significa “recuperação de propriedade”.

A sentença, neste caso, reconhece que o terceiro tem sobre a coisa um direito anterior ao contrato. Entretanto, como a evicção se traduz na prática?

Imagine que você adquiriu um bem, como um terreno, por meio de um contrato oneroso de compra e venda. Alguns meses depois, recebeu uma intimação, por meio da qual soube que o terreno comprado estava, na realidade, penhorado em uma instituição bancária. 

Neste cenário, o banco possuía um direito anterior ao contrato de compra e venda sobre o terreno. Ao reconhecer esse direito por meio de sentença ou decisão, a justiça promove a evicção. 

– O conceito de evicção no Código Civil (CC)

No Código Civil de 2002, no título acerca dos Contratos em Geral, temos uma seção específica para abordar as ações de evicção. 

Ali, fica expressa a responsabilidade da parte que realizou a venda – o alienante – sob o bem que é alvo de transação:

Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.

A hasta pública, neste caso, se refere ao ato processual por meio do qual um bem penhorado é alienado (vendido a terceiro) por meio de um leilão público. 

Para além das alienações feitas por meio de contratos onerosos e hasta pública, o Código Civil prevê ainda outras situações em que pode ocorrer a evicção

São situações bastante específicas, como por exemplo, nas doações propter nupcias: quando há um contrato de doação em caso de casamento com pessoa certa e determinada (Art. 552 do CC). Outra hipótese de evicção é sobre os bens de quinhão hereditário (Art. 2024). 

Assim, o Código Civil acaba por ser o principal diploma legal a regular a evicção. 

Para seguir aprendendo, confira nosso guia completo sobre contratos no Direito Civil

o que e eviccao, com definição e significado da palavra

Quais os requisitos de uma ação evicção?

Para que a evicção ocorra de fato, é preciso que cumpra a uma série de requisitos que, em última análise, também colaboram para caracterizar o que é evicção.

Abaixo, vejamos quais são esses requisitos. 

– Aquisição onerosa

Como o Art. 447 do Código Civil deixa claro, a evicção só ocorre quando há aquisição onerosa. Os contratos onerosos mais comuns são aqueles de compra e venda (de imóveis, automóveis, etc), de permuta e de dação em pagamento, embora existam outros.

Em algumas circunstâncias, são admitidas evicções para contratos que não são diretamente onerosos. É o caso, por exemplo, dos contratos gratuitos de doação, quando o julgador pode entender que existe certa onerosidade. O entendimento, nesses cenários, é de que há uma doação onerosa. 

– Perda

A existência de perda – total ou parcial – da posse ou propriedade de um bem adquirido onerosamente é outro dos requisitos da evicção. 

A perda é prevista, indiretamente, no Código Civil, por meio do Art. 455. Ali são apresentadas algumas hipóteses de ação, caso a perda seja considerável. Na letra da lei:

455. Se parcial, mas considerável, for a evicção, poderá o evicto optar entre a rescisão do contrato e a restituição da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido. Se não for considerável, caberá somente direito a indenização.

– Anterioridade

A anterioridade, neste caso, se refere ao direito anterior de um terceiro sobre o bem em questão. Em outras palavras, o princípio da anterioridade pressupõe um vício anterior à alienação do bem, em favor de um terceiro que vem a reivindicar esse bem.  

A anterioridade pode se manifestar por uma certidão de posse ou escritura em nome do terceiro, por um documento de penhora, por um decreto expropriatório, entre outros. 

Contudo, todos esses elementos de comprovação de anterioridade precisam, naturalmente, ter sido expedidos antes da celebração do contrato oneroso para que se caracterize o direito anterior.

– Ignorância do adquirente

A ignorância do adquirente – da pessoa que adquire o bem – é um requisito tão importante que está expresso claramente no Código Civil (CC). Temos ali que:

Art. 457. Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a coisa era alheia ou litigiosa.

Ou seja, para que haja condições de evicção, é necessário que o adquirente da coisa desconheça os vícios anteriores à aquisição. Isto é, desconheça o direito anterior de um terceiro sobre aquele bem.

– Sentença judicial

A sentença ou a decisão judicial são os meios pelos quais o juízo reconhece o direito anterior do terceiro. A existência de uma sentença é, portanto, um requisito fundamental para que se dê a evicção. 

De modo geral, a admissão da sentença como meio quase que exclusivo para que ocorra a evicção tem por finalidade garantir o reconhecimento da perda por vias judiciais. Caso contrário, qualquer outro imprevisto que acarrete a perda – roubo, furto, dano – poderia legitimar a ação de evicção. 

Contudo, importa fazer aqui uma ressalva. Alguns juristas já reconhecem, para além da sentença, a validade também de atos administrativos na evicção. 

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Sujeitos da evicção

De modo simples, são três os sujeitos principais de uma ação de evicção. Já mencionamos alguns deles ao longo deste artigo, e agora vamos entender como eles são comumente denominados. Vejamos. 

Evicto: é o adquirente, que faz a aquisição do bem e, depois, sofre a perda deste por meio da evicção. 

Alienante: é aquele que faz a alienação, isto é, transfere a posse e propriedade para o evicto. Ao fim, é também o sujeito a ser responsabilizado na evicção. 

Evictor: é o terceiro dessa relação, aquele que possuía direito anterior sobre a coisa adquirida. Ou seja, o real dono do bem. 

Leia também:

Quais os direitos do evicto?

A evicção, por definição, é a perda de coisa adquirida pelo evicto. Contudo, isso não significa que esse sujeito do processo será desfavorecido. 

O Código Civil, no Art. 450, traz claramente uma previsão de compensação ao evicto,quando há evicção total do bem. A saber: 

Art. 450. Salvo estipulação em contrário, tem direito o evicto, além da restituição integral do preço ou das quantias que pagou:

I – à indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir;

II – à indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente resultarem da evicção;

III – às custas judiciais e aos honorários do advogado por ele constituído.

Parágrafo único. O preço, seja a evicção total ou parcial, será o do valor da coisa, na época em que se venceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial.

Também no CC tem-se estabelecido o ressarcimento pelas benfeitorias construídas pelo evicto, de boa fé. De acordo com o texto da lei:

Art. 453. As benfeitorias necessárias ou úteis, não abonadas ao que sofreu a evicção, serão pagas pelo alienante.

Assim, além do valor pago pelo bem perdido, a lei ainda garante restituições acessórias ao evicto. 

Ademais, o CC prevê ainda direitos para o adquirente que sofre evicção parcial, no Art. 445. A priori, a evicção parcial, se considerável, dá direito à rescisão do contrato e a restituição do valor correspondente ao desfalque sofrido.

Se não for considerável, o direito mínimo é de indenização ao evicto. “Considerável”, neste caso, é um termo de compreensão ampla, presente no próprio texto da lei.  

Etapas da ação de evicção

Para entender as etapas mais comuns de uma evicção primeiro é preciso saber que a sentença judicial que reconhece o direito do terceiro pode advir de diferentes ações

Por exemplo, pode a evicção se iniciar com uma decisão judicial transitada em julgada numa ação de execução fiscal, numa ação de reparação de danos, de reivindicação de posse, de inventário, entre tantas outras. 

No momento em que o adquirente é notificado acerca da posse e propriedade do bem adquirido por um terceiro, a primeira ação costuma ser apresentar embargos de terceiro

Os embargos de terceiro são um procedimento especial, previsto no novo CPC, para que um terceiro – que não era parte do processo até então – possa se manifestar no intuito de defender seus bens. 

Outro recurso possível – e que pode, inclusive, ser combinado com os embargos – é a denunciação da lide, prevista também no CPC, no Art. 125. A denunciação da lide é um recurso processual destinado a restituição do direito regresso dos terceiros em um processo. 

Para exemplificar, imaginemos um processo reivindicatório, cujo objeto é uma propriedade rural. Suponhamos ainda que as partes desse processo são André (autor) e João (réu). 

Com o tramitar do processo, André ganha a ação e tem seu direito reconhecido. Ocorre que, neste ponto, João já concretizou a venda da propriedade a um terceiro, chamado Lucas. 

Na situação descrita acima, Lucas, que é o evicto e seria prejudicado pela perda do bem, pode fazer a denunciação da lide, em desfavor de João – que lhe vendeu a propriedade. 

A partir da denunciação da lide, o juiz pode, na mesma ação, decidir tanto sobre a questão reivindicatória quanto sobre o ressarcimento do evicto, determinando, por exemplo, que João indenize Lucas. Desse modo, a denunciação garante o direito regresso de Lucas. 

Para seguir aprendendo, leia mais sobre a intervenção de terceiros no novo CPC

Evicção ou vício redibitório? Entenda a diferença

Embora muito frequentemente confundidos, a evicção e o vício redibitório não ocupam a mesma função no Direito. 

O vício redibitório diz respeito a um defeito da coisa adquirida. É, de modo simples, um defeito oculto no bem adquirido, que acaba por transformar o uso desse bem ou mesmo torná-lo impróprio. 

Para que se caracterize o vício, é preciso que esse defeito da coisa não seja de conhecimento do adquirente, no momento da alienação. 

Já a evicção trata de um defeito de titularidade. Isso porque a definição de evicção envolve a perda da coisa que foi alienada por um sujeito que não detinha, de direito, a posse ou propriedade dela. 

Para saber mais sobre o tema, consulte nosso conteúdo sobre vício redibitório

Como mitigar o risco de evicção: 3 dicas para os profissionais do Direito

Embora não haja maneira de evitar completamente o risco de evicção, algumas medidas simples adotadas antes da assinatura do contrato oneroso podem colaborar para mitigar esse problema. 

Abaixo, separamos algumas das medidas mais comuns – e efetivas – para atingir esse objetivo.  

1. Inclusão de cláusula específica sobre evicção:

O Código Civil, em seu Art. 448, deixa claro que cláusulas expressas no contrato podem colaborar para reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade da evicção. 

Por isso, é importante que, ao elaborar um contrato, o advogado preveja essa possibilidade e especifique, claramente, de quem é a responsabilidade nesses casos.

2. Checar eventuais litígios envolvendo o suposto dono e o dono imediatamente anterior da coisa a ser alienada

Digamos que o seu cliente deseja adquirir um veículo, de João. Além de checar, junto ao sistema judiciário, a presença de ações envolvendo João, deve-se também verificar possíveis ações envolvendo o dono anterior deste veículo. 

Esse tipo de checagem é especialmente importante quando pouco tempo se passou desde a última alienação daquele bem. Assim, fica reduzido o risco de que seu cliente seja surpreendido por ações de reivindicação movidas por sujeitos terceiros ao contrato. 

3. Checar litígios envolvendo empresas vinculadas ao alienante

Outra medida preventiva envolve a checagem sobre eventuais ações, sejam trabalhistas, societárias ou fiscais, que tenham como rés empresas das quais o alienante (vendedor da coisa) é sócio. Isso porque, em alguns casos, a justiça pode determinar que o patrimônio dos sócios seja utilizado para restituir valores devidos aos credores da empresa. 

Perguntas frequentes

O que é evicção?

Evicção é uma situação contratual, prevista no Código Civil, segundo a qual o adquirente perde – de forma parcial ou total – coisa adquirida em contrato oneroso. A perda se dá pelo reconhecimento, por meio de sentença judicial, do direito anterior de um terceiro sobre a coisa adquirida. E o ressarcimento do adquirente que perde a coisa passa a ser, então, responsabilidade daquele que a alienou.

Quem é o alienante na evicção?

O alienante, na evicção, é a parte que transferiu o domínio da coisa para o adquirente. Num contrato oneroso de compra e venda de imóveis, por exemplo, o alienante é aquele que vendeu o imóvel.

Quando ocorre a evicção?

A evicção ocorre sempre que o poder judiciário, por meio de sentença ou decisão judicial, reconhece o direito anterior de um terceiro, sobre uma determinada coisa adquirida. Assim, o adquirente perde – parcial ou totalmente – a posse ou propriedade desse bem.
Alguns doutrinadores sustentam, ainda, que a evicção pode se dar também por ato administrativo, sem passar pelo trâmite judicial.

Conclusão

Como ficou claro ao longo deste artigo, a evicção nada mais é do que um vício ou defeito do contrato oneroso. Por isso, os profissionais do direito precisam estar atentos às condições em que ela se dá e, sobretudo, às maneiras de minimizar esse risco. 

Aplique o conhecimento que trazemos aqui, no seu dia a dia. E, se quiser seguir, aprendendo, considere a leitura do nosso guia sobre gestão de contratos

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  1. “Caso contrário, qualquer outro imprevisto que acarrete a perda – roubo, furto, dano – poderia legitimar a ação de evicção. ” Isso está mesmo correto? Se tratando desses casos mencionados, será permitido ao adquirente demandar contra o alienante?

    1. Olá, Lucas! Tudo bem? Obrigado pelo seu comentário.
      No trecho anterior ao que você menciona, está escrito que a sentença judicial é o meio “quase que exclusivo para que ocorra a evicção”. De modo geral, portanto, os casos fortuitos citados (roubo, furto, etc) não poderiam legitimar a admissão de evicção.

      Abraço!