Existem alguns termos do Direito que ficaram popularizados pelos meios de comunicação e pela indústria cultural. Todos já ouviram; mas isso não significa que realmente saibam o que significa ou os detalhes de sua aplicação. É o caso do termo “legítima defesa“, que todos citam mas nem sempre compreendem. E esse é um conceito de grande importância dentro do Direito Penal, já que a legítima defesa é considerada excludente de ilicitude. E, portanto, pode levar à extinção do processo penal.
Para entender quando e como se aplica a legítima defesa como causa excludente de ilicitude, as informações que selecionamos para apresentar nesse post são essenciais. Confira e aprofunde seus conhecimentos nesse assunto.
Por falar em informações essenciais, você já está a par das mudanças nas normas processuais fundamentais no Novo CPC? Todo advogado de Direito Civil precisa estar por dentro dessas alterações. Veja nosso comparativo dos seis primeiros artigos do CPC/1973 e CPC/2015!
Para entender o papel da legítima defesa como excludente de ilicitude, você deve saber o que se considera como ilicitude no campo do Direito Penal. É um dos três elementos que compõem a definição de crime.
Dentro da teoria do delito, para que um ato seja dito crime, pressupõe-se o preenchimento de três requisitos:
O segundo elemento, a ilicitude, também é chamada de antijuricidade. Significa, portanto, a contrariedade entre o ato e o ordenamento jurídico. Segundo o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Define-se, desse modo, o conceito de legalidade em sentido amplo. Contudo, Guilherme Nucci, em seu “Manual de Direito Penal”, fala também do conceito de legalidade em sentido estrito. E esta compreensão é imprescindível ao Direito Penal. A legalidade em sentido estrito, assim, consiste na ideia de “que não há crime sem lei que o defina, nem tampouco pena sem lei que a comine”. Em outras palavras, é ilícito o ato que contraria aquilo que dispõe o ordenamento.
Em geral, entendemos que todo fato típico é, também, ilícito. Porém, essa noção cai por terra quando entram em jogo as excludentes de ilicitude.
Consoante Guilherme Nucci, ilicitude “é a contrariedade de uma conduta com o direito, causando efetiva lesão a um bem jurídico protegido. Trata-se de um prisma que leva em consideração o aspecto formal da antijuridicidade (contrariedade da conduta com o Direito), bem como o seu lado material (causando lesão a um bem jurídico tutelado)”.
As excludentes de ilicitude, portanto, são causas justificantes. Ou seja, razões que podem justificar a realização de um ato considerado, a princípio, ilícito. Em algumas hipóteses, o próprio tipo penal apresenta as condicionantes da ilicitude. É o caso, por exemplo do artigo 150, Código Penal. Isto porque o texto do artigo prevê a clandestinidade ou a contrariedade de consentimento do dono para que se caracterize a invasão de domicílio. Não preenchida a condição, portanto, o fato será lícito e atípico.
Em outras hipóteses, entretanto, a exclusão de ilicitude não pode ser determinada pelo próprio tipo penal. Pode, por outro lado, preencher requisitos gerais da exclusão de ilicitude. Nesses casos, uma vez que a ilicitude é excluída, temos uma situação interessante. Há um fato típico que, no entanto, é lícito. Quando isso acontece, como um dos critérios definidores deixa de ser atendido, não existe delito.
Todas as excludentes de ilicitude aceitas no Direito Penal brasileiro estão listadas no artigo 23 do CP/1940. São elas:
A razão para que a legítima defesa seja considerada excludente de ilicitude reside no princípio de que ninguém pode ser obrigado a suportar o injusto. Podemos dizer, ainda, que ao colocar a legítima defesa como causa excludente de ilicitude penal, o legislador preserva a liberdade individual, pois oferece uma alternativa para que um homem possa resistir às vontades do outro quando o Estado não é capaz de protegê-lo.
Para falar sobre o que constitui legítima defesa, vamos partir do próprio Código Penal. No artigo 25, a legislação oferece uma definição que apresenta cinco pontos principais. É o texto do artigo:
Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Veja-se, então, cada um dos pontos:
Embora não estejam discriminadas dessa maneira na lei, são reconhecidas duas formas de legítima defesa. A real é aquela exercida contra verdadeira agressão injusta. Já a putativa é aquela exercida contra uma agressão injusta apenas imaginada. Ou seja, que não aconteceria de fato; mas, se acontecesse, lhe daria o direito de agir em legítima defesa.
Fique atento pois, quando ocorre caso de legítima defesa putativa, temos uma causa excludente de culpabilidade. Nesse caso, falamos em inexigibilidade de conduta diversa. Ou, em outras palavras, no fato de que não seria possível exigir que o indivíduo tivesse tomado outra atitude. Afinal, ele cometeu o delito com a certeza de que era necessário para sua proteção.
Acerca da legítima defesa putativa, observa-se a ementa de acórdão do Supremo Tribunal Federal em Habeas Corpus:
EMENTA Habeas corpus. Homicídio qualificado (art. 121, § 2º, II, CP). Júri. Questionário. Descriminante putativa da legítima defesa por erro de tipo inevitável. Reconhecimento pelos jurados. Ausência de quesitação de possível excesso. Pretendida nulidade do julgamento. Descabimento. Ausência de impugnação oportuna na respectiva sessão. Preclusão (art. 571, VIII, CPP). Precedentes. Hipótese de erro essencial incidente sobre tipo permissivo. Exclusão de dolo e culpa (art. 20, CP). Impossibilidade de quesitação de excesso. Ordem concedida.[…] os jurados, após reconhecerem a descriminante putativa da legítima defesa, concluíram que o paciente incidiu em erro de tipo permissivo inevitável. 4. Logo, tratando-se de erro essencial inevitável – vale dizer, invencível, desculpável ou escusável -, que exclui o dolo e a culpa (art. 20, CP), não há que se falar em quesitação de eventual excesso, dada sua incompatibilidade com a conclusão dos jurados. […](HC 127428/BA, rel. Min. DIAS TOFFOLI, 2ª TURMA, STF, julgado em 01/12/2015, publicado em 01/02/2016)
Também podemos retirar algumas informações importantes sobre legítima defesa como excludente de ilicitude da doutrina.
No “Manual de Direito Penal – Parte Geral”, de Pacelli e Callegari, os autores apontam que ela está necessariamente vinculada a situações em que há agressão praticada por uma pessoa. Ou seja, uma pessoa é o agressor e outra é a agredida, que vai se defender por meio da legitima defesa. Por outro lado, nas situações em que a agressão ao direito não parte de um ser humano, caracteriza-se outra excludente de ilicitude: o estado de necessidade.
No livro “Direito Penal – Parte Geral”, de Sanctis, Tavares e Francisco, é dito que não pode haver legítima defesa real recíproca. Ou seja, uma parte necessariamente estará exercendo agressão injusta e, portanto, ato ilícito. Por outro lado, pode haver legítima defesa putativa recíproca ou, ainda, legítima defesa real contra legítima defesa putativa.
O advogado que consegue demonstrar uma excludente de ilicitude como a legítima defesa pode extinguir o processo penal que seu cliente está enfrentando, que é o melhor cenário possível. Por isso, conhecer a fundo suas limitações e aplicações é muito importante. E o tema ainda é polêmico, já que nem tudo é dado pela letra de lei, havendo espaço para os debates entre doutrinadores.
Também é muito importante, para o advogado cível, saber como utilizar o recurso de apelação para tentar reverter uma sentença desfavorável.
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