Você sabe quais são as causas excludentes da responsabilidade civil do médico? Confira, neste artigo, tudo sobre o tema.
A responsabilidade civil deve ser distinguida das demais responsabilidades, a exemplo da responsabilidade penal, da responsabilidade administrativa e da responsabilidade política.
Fato certo que todas as espécies de responsabilização possuem pressupostos específicos e, até mesmo, podem incidir concomitantemente sobre o mesmo fato sem que haja dupla punição ao sujeito ativo apontado como autor do ilícito civil.
O ilícito é imprescindível para a configuração da responsabilidade civil e não deve ser confundido com ato criminoso. Assim, ilícito civil é o gênero segundo o qual o ilícito criminal (crime) é uma espécie.
Nessa linha, para a configuração da responsabilidade civil o ilícito civil abarca três elementos: conduta, nexo causal e dano.
Não necessariamente os três elementos são imprescindíveis para a imposição da responsabilidade civil e consequentemente imposição de uma indenização.
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Quando uma conduta médica estará isenta de responsabilidade civil? 3 elementos caracterizadores
Antes de apresentar resposta a essa indagação, é necessário entender os elementos que compõem o ilícito civil: o dano, a conduta e o nexo causal.
Dano
Assim, dano é o elemento imprescindível e sobre ele incidirá o quantum debeatur, em síntese, os danos material e/ou moral.
Sem a existência de um dano, de uma lesão a patrimônio alheio, não haverá responsabilidade civil.
Atente-se para o fato de que há condutas reprováveis e consideradas perigosas que poderão não acarretar dano, como elemento da responsabilidade civil, que deve ser naturalístico, o que não impede a possibilidade da tipificação dessa mesma conduta de perigo no plano penal. Nesse caso, seria possível uma conduta reprovada no âmbito criminal, mas não no âmbito civil- indenizatório.
Conduta
Quanto a conduta, seu exame deve ocorrer, primacialmente, para que seja atestada sua existência para, após, ser valorada sob o aspecto subjetivo (culpa-negligência, imprudência ou imperícia) .
Há situações, no entanto, que a conduta se perfaz sem o exame do elemento subjetivo por não possuir os elementos da culpa. Trata-se, nesse caso, da responsabilidade civil objetiva, onde o exame de questões subjetivas é dispensado.
Nexo causal
O nexo causal é o liame existente entre o dano e a conduta do autor.
Nesse liame, várias situações de relevo podem acontecer, que serão enquadradas nas hipóteses do caso fortuito, força maior ou fato exclusivo da própria vítima (culpa exclusiva da vítima).
O Código Civil de 1916 e o atual Código Civil não apresentaram definição para o caso fortuito e a força maior. Concebe-se caso fortuito como todo evento imprevisível e inevitável, ao passo que força maior é todo evento também inevitável, mas previsível.
Repare-se que ambos devem possuir a marca da inevitabilidade para serem causas de exclusão do nexo causal.
Inexistindo nexo de causalidade, não há o que pagar e, consequentemente, não haverá imposição da responsabilidade civil, a exceção única da responsabilidade objetiva sob o risco integral, rara no Direito Brasileiro.
Como último elemento do nexo causal, há a culpa exclusiva da vítima, isto é, todo evento causado por vontade, deliberada ou não, da própria vítima, a exemplo de um pós cirúrgico indevidamente realizado pelo paciente.
Afere-se que o nexo causal é de extrema relevância e corrobora a responsabilidade civil a ser aplicada de forma distinta em casos aparentemente parecidos. É prevista essa situação e também idealizada para que a Justiça seja corretamente aplicada.
No nexo causal, todas as questões do caso em concreto devem ser levadas e sopesadas.
Não há uma fórmula prévia, padronizada, em que o valor de uma conduta no nexo causal seja superior ao de outra, ora nos elementos integrantes do caso fortuito, ora nos constantes da força maior ou da denominada culpa exclusiva da vítima.
Portanto, é possível que existam falhas no atuar do profissional médico que, no entanto, não caracterize responsabilidade civil por estar acobertada por uma causa de exclusão do nexo causal.
Diante da pluralidade de causas de um ilícito civil, como deve o médico se posicionar?
É muito comum apontar mais de uma causa, no mundo dos fatos, como formadoras do ilícito civil.
Um segundo momento para análise se fará necessário para, no contexto do nexo causal, verificar a real importância da apontada causa como uma das que contribuíram para o dano, sobre o qual recai a responsabilidade civil indenizatória.
Assim, imprescindível o cotejo das várias causas entre si e a análise acerca do peso de cada uma das causas no nexo causal, eis que é possível uma delas se sobrepor a outra causando a sua anulação.
Como exemplo, de não rara ocorrência, pode-se citar casos em que há determinada falha médica e, também, não cumprimento de pós-cirúrgico recomendado.
Nesse caso, é possível que, ao se adentrar no caso em concreto, ateste-se que o irregular pós-cirúrgico se sobreponha à falha médica como causa selecionada no nexo causal.
Inicialmente seriam duas causas, com pesos jurídicos ainda indefinidos, mas, num segundo momento de análise, a causa preponderante passou a ser única e exclusiva em detrimento do paciente, na apontada culpa exclusiva da vítima.
Rompeu-se o nexo causal e não há imposição da obrigação de pagar em detrimento daquele que se apontou uma falha, inicialmente valorada, em detrimento do médico.
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Como agir quando não houver preponderância de uma causa em detrimento de outra, no nexo causal?
Não há fórmula padrão; esse é o ponto de partida.
Havendo comprovação, no segundo estágio de análise, de que houve mais de uma causa apontada para a ocorrência do ilícito civil (indenização), a cargo de pessoas distintas (médico, paciente, hospital, medicamento, dentre outros), cada causa deverá ser mensurada no infortúnio.
A prova pericial, muitas vezes, será de salutar importância, mas não é a única, já que outras provas poderão ser admitidas, a exemplo das provas documental e testemunhal, não olvidando para o fato de que no sistema jurídico brasileiro não há hierarquia entre as provas.
Corroborando o que foi registrado, importante elucidar que a conhecida indenização pro rata (indenização igualmente dividida) só deverá ser aceita se, coincidentemente, ambos os autores do dano forem, coincidentemente, responsáveis por 50% do prejuízo causado em detrimento da vítima.
Trata-se de coincidência, rara, mas que não está fora da lógica processual. O que não pode acontecer, frise-se, é colher duas ou mais causas para, de forma simplória, dividir o número de causas pelo valor esperado de indenização sob o argumento de que presente estaria a indenização pro rata.
Artigo produzido em parceria com o Instituto de Direito Real, com redação de Maria Fernanda Dias Mergulhão, Promotora de Justiça – MPRJ, Doutora em Direito, Mestre em Sociologia Política, Autora do livro “Indenização Integral na Responsabilidade Civil”.