Sabemos que em regra a responsabilidade civil médica, no caso de tratamento de saúde, é subjetiva. Deve, assim, haver a comprovação da culpa do médico através da imprudência, negligência ou imperícia, conforme doutrina e art. 186 do Código Civil.
Segundo Maria Helena Diniz, então, a culpa é definida como:
A culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo, que á a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito [01], caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar o dever. A imperícia é a falta de habilidade ou inaptidão para praticar certo ato; a negligência é a inobservância de normas que nos ordenam agir com atenção, capacidade, solicitude e discernimento; e a imperícia é precipitação ou o ato de proceder sem cautela.
(in Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol. 7 – Responsabilidade Civil, Ed. Saraiva, 18ª ed., pág. 46).
Sabemos também que as entidades de saúde têm responsabilidade objetiva pelos atos ilícitos praticados em desfavor de seus usuários, conforme o art. 14 do CDC. Estes, portanto, devem responder independentemente da comprovação da culpa.
Mister salientar que, para que haja a comprovação jurídica do erro médico, é necessária, contudo, a existência de um ato ilícito. E este, enfim, precisa estar devidamente comprovado.
Ademais, deve haver um nexo de causalidade. Ou seja, uma relação causa-efeito entre este ato e o dano experimentado pela vítima do evento e paciente.
Pergunta-se, então: o Direito admite a exclusão da responsabilidade civil médica em alguma hipótese?
Sim. O direito admite a isenção de responsabilidade médica em alguns casos.
No caso de fato de terceiro, culpa exclusiva da vítima e caso fortuito e força maior, podemos observar que há a quebra do nexo de causalidade. E dessa forma, não decorre o dano da ação ou omissão médica, mas sim por outro motivo, conforme iremos tratar.
O fato de terceiro, portanto, é a ação ou omissão de terceiro estranho na relação médico-paciente, que contribui para o evento danoso.
Podemos citar, por exemplo, o filho que, desrespeitando a recomendação médica, retira o pai do hospital para ficar com a família e este acaba falecendo.
A culpa exclusiva da vítima, então, é a ação ou omissão voluntária do paciente que causa o evento danoso.
Pode ser, dessa maneira, tanto pelo desrespeito a recomendação médica quanto por deixar de fazer aquilo que a mesma determina.
Um caso elucidativo, por exemplo, é o caso do médico que receita que determinado paciente tome a medicação por uma semana, e o mesmo toma durante dois meses, falecendo logo em seguida diante dos efeitos adversos.
Rogério Tadeu Romano, citando Caio Mario, diz, assim, que:
No ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, volume II, 1976, pág. 299), costuma-se dizer que o caso fortuito é o acontecimento natural, ou o evento derivado da força na natureza, ou o fato das coisas, como o raio do céu, a inundação, o terremoto. Por sua vez, conceitua-se a força maior como o damnu fatale originado do fato de outrem, como a invasão de território, a guerra ou a revolução, o ato emanado da autoridade, chamado de factum principis, a desapropriação, o furto etc.”
Assim, trazendo os ensinamentos para o Direito Médico e a responsabilidade civil médica, um médico não pode ser responsabilizado se, por exemplo, o hospital sofre uma inundação durante um procedimento ou se o Governo corta a luz indevidamente durante a realização de uma cirurgia emergencial, apesar de o hospital poder ser responsabilizado, conforme o caso concreto.
Iatrogenia refere-se a um estado de doença, efeitos adversos ou complicações causadas por ou resultantes do tratamento médico. Contudo, o termo deriva do grego iatros (médico, curandeiro) e genia (origem, causa), que pode ocasionar efeitos bons ou maus.
Segundo Lacaz (1980, p. 4), então, “Iatrogenia é o mal que vem da tentativa de salvação”. Assim, caso haja dano ao paciente e o mesmo se deu em função das tentativas do médico em curar o mesmo, usando da literatura médica disponível, estaremos diante da iatrogenia.
Gomes de Aguiar, em artigo científico publicado no Jus.com.br, diz que Grinberg (2010, p.7) afirma que o conceito de iatrogenia pode ser dividido em duas vertentes, a saber:
Confira, dessa forma, as diferenças entre as vertentes e quais as consequências para a responsabilidade civil médica.
Na vertente latu sensu, o conceito de iatrogenia engloba, então, todo e qualquer dano causado, pelo médico, ao paciente, independente de culpa do profissional da medicina.
Portanto, entende a responsabilidade civil médica de forma mais ampla.
Por outro lado, a vertente stricto sensu caracteriza como iatrogenia apenas os danos causados, pelos médicos, ao paciente decorrentes de fatores estranho à atuação do médico.
Para esta vertente, o profissional da medicina procedeu corretamente, de forma precisa e de acordo com as normas e princípios ditados pela ciência médica. Este é o entendimento que vem sendo adotado, desse modo, pela maioria dos tribunais brasileiros.
Assim, muitas vezes não caberá a responsabilidade civil médica no caso de iatrogenia stricto sensu, visto que o dano, neste caso, pode ser previsível, sendo que o médico utiliza todos os meios que estavam a seu alcance para tentar salvar o paciente, não incidindo em erro médico.
Para corroborar com os argumentos, confira, então, Jurisprudência do STJ abaixo colacionada acerca da responsabilidade civil médica.
[…] Ação: de indenização por danos materiais e compensação por danos morais, ajuizada pela agravante, em face de UNIMED GRANDE FLORIANÓPOLIS – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, devido a erro médico que acarretou o perfuramento de sua bexiga durante procedimento de histerectomia (remoção do útero).Sentença: julgou improcedentes os pedidos feitos pela agravante.
Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela agravante, nos termos da seguinte ementa: […] PACIENTE SUBMETIDA À HISTERECTOMIA COM PERFURAÇÃO DA BEXIGA. ALEGAÇÃO DE ERRO DO ESCULÁPIO. AUSÊNCIA DE PROVA DA PRÁTICA DE ATO EQUIVOCADO OU GROSSEIRO À OCASIÃO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. PROVA PERICIAL APONTANDO A CORREÇÃO DO PROCEDIMENTO, ACEITO PELA DOUTRINA MÉDICA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ÔNUS DA PROVA DA AUTORA. ATO ILÍCITO NÃO CARACTERIZADO. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
– Se o facultativo agiu com zelo e precauções, não implementando nenhuma prática grosseira ou destoante da ortodoxia médica recomendada para a situação clínica que lhe apresentava, não há que ser proclamada a hipótese de erro passível de gerar qualquer pleito indenizatório.
– Todo o ato médico, sobretudo o cirúrgico, possui um perigo inerente que pode provocar uma lesão, desde a mais simples, que mal nenhum ocasiona ao paciente, até aquelas mais complexas, inclusive o próprio óbito. Em qualquer ramo da medicina há infinitas possibilidade de intercorrências que estão além da compreensão da própria ciência.
– Há abissal diferença entre erro médico e lesão iatrogênica stricto sensu, que deriva precisamente do atuar médico correto. A despeito de toda cautela e aplicação da melhor técnica ditada pela ciência, é possível que sobrevenha no paciente alguma lesão em decorrência daquele agir.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(e-STJ, fls. 800/801)[…]
(STJ – AREsp: 536927 SC 2014/0142287-1, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Publicação: DJ 05/09/2016)
Diante das hipóteses aqui apresentadas, faz-se necessária uma reflexão acerca da responsabilidade civil médica, visto que nem sempre iremos responsabilizar o médico no tratar com os seus pacientes.
Contudo, é preciso ir além, através de provas concretas.
Se o paciente contribuiu de alguma forma para o resultado danoso ou se aquele evento estava fora do alcance do médico, inclusive no que diz respeito ás técnicas científicas conhecidas, como no caso da busca da cura do Coronavírus, não deve haver responsabilização, conforme o caso concreto.
O profissional do Direito, portanto, tem a função importantíssima de aplicar a responsabilidade civil, penal e administrativa apenas após verificar que não existe qualquer excludente de responsabilidade, conforme acima mencionado. E impedir, dessa forma, que haja um injusto processo em desfavor do médico.