Desde a entrada em vigor do CPC/2015 tem-se levantado a hipótese de assegurar o direito de gravação judicial por qualquer uma das partes de um ato processual. Em 2019, a seccional catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), fez ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um pedido de deferimento de um ato normativo recomendando que os tribunais brasileiros façam a gravação de todos os atos processuais, sejam eles presenciais ou não.
Esse pedido ocorreu após dois acontecimentos que geraram grande comoção nacional. O primeiro deles, que ficou conhecido como “caso Mari Ferrer”, onde a jovem, vítima de estupro foi desrespeitada no julgamento do acusado, em Florianópolis. O segundo caso foi uma advogada de Joinville, que foi insultada em um julgamento online por um desembargador.
A seccional da OAB de Santa Catarina propôs a inclusão de câmeras de áudio e vídeo nas salas de audiência da Justiça do trabalho. Entretanto, o Conselho Federal da OAB entrou no processo e solicitou a inclusão das gravações em todo o poder judiciário.
Dessa maneira, os procedimentos judiciais serão mais efetivos e as estruturas serão melhores. Assim, segundo o presidente da OAB-SC, Rafael Horn:
Esse é um importante passo para garantir o devido processo legal, a ampla defesa, as prerrogativas da advocacia e o respeito aos direitos humanos
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O novo CPC já previa a permissão de gravação judicial. O que ocorria, no entanto, era que, para que uma gravação de audiência ou processo acontecesse, era necessário que a parte fizesse o requerimento ao tribunal. Dessa maneira, em diversas vezes, as partes não requeriam a gravação e esta não era feita.
Por não existirem gravações, se tornava muito mais difícil provar quando algum abuso acontecia durante uma audiência. Agora, com o ato normativo que a CNJ deferiu, o poder judiciário deve se responsabilizar pela gravação independe da solicitação da parte ou não. Além disso, a gravação judicial deve ocorrer em audiências presenciais, bem como, em audiências virtuais.
Segundo Horn, um benefício da normativa de gravação dos atos processuais é o fator de que, até o momento não existia norma alguma acerca do tema, assim, quando ocorriam casos de violação em audiências, como o acontecido com Mari Ferrer, o fato de não ter gravação do ocorrido, tornava mais difícil a comprovação desses desrespeitos.
Segundo consta no site da OAB também, o presidente da OAB afirma que essa normativa é um avanço. Em suas palavras:
Dá transparência e fortalece o processo legal. Protege a advocacia e a cidadania e fortalecerá a própria Justiça. As tecnologias foram aprimoradas, especialmente nesse contexto de crise sanitária, e tornaram-se mais simples e acessíveis. Do ponto de vista das prerrogativas é um passo enorme, pois cria um ambiente mais amigável para a advocacia que, sabemos, ainda sofre com desrespeitos de todas as espécies, principalmente as mulheres advogadas. As partes terão um importante instrumento de proteção contra abusos eventuais. Creio que a sociedade ganha muito com a medida.
Além disso, do ponto de vista dos advogados e advogadas, a gravação judicial beneficia também com relação para estudos de fechamentos de casos, permitindo um olhar de como o julgamento ocorreu e qual foi o seu desfecho. Desse modo, os profissionais da advocacia conseguem dar pareces e elaborar defesas de maneira mais inteligente e assertiva.
Um dos principais motivos do requerimento ter acontecido agora foi a repercussão do Caso Mari Ferrer, que foi desrespeitada pelo advogado da outra parte em uma audiência online. O caso foi, em primeiro lugar, divulgado em reportagem pelo meio The Intercept Brasil.
O desrespeito na audiência e a falta de ação do juiz presente no momento causou revolta em todo o país. Foi após esse caso, então, que se deu a elaboração do Projeto de Lei (PL) 5096/2020, que agora leva o nome da jovem vítima do abuso, Lei Mari Ferrer.
O projeto de lei visa altera do Decreto Lei 3.689 de outubro de 1941 do CPP, para dispor sobre a audiência de instrução e julgamento nos casos de crimes contra a dignidade sexual. Assim, como afirma o presidente da OAB-SC, não se evita casos como o de Mari Ferrer, mas se consegue uma prova acerca do violação.
Dessa maneira, a CNJ enxergou como sua responsabilidade deferir o ato normativo, a fim de padronizar as ações de audiências, sejam elas online ou não.
Em primeiro lugar, é importante alertar que, as gravações judiciais podem ocorrer desde que se tenha o conhecimento de todas as partes envolvidas. Ademais, para conseguir uma gravação judicial é necessário realizar um requerimento ao tribunal para que ela aconteça. É importante lembrar ainda que, o tribunal deve disponibilizar as gravações em um prazo de 2 dias a contar do dia do ato.
Com o ato normativo do CNJ, o órgão se responsabiliza ainda por desenvolver e disponibilizar a todos os tribunais, sistemas eletrônicos de gravação, bem como, repositórios de mídia para o armazenamento das gravações de vídeo e áudio dos atos processuais.
No TJSP, todas as gravações de atos processuais ficam disponíveis no sistema SAJ-PG5 para todas as unidades que a gravação de audiência estejam disponíveis. A decisão ocorreu ainda em dezembro de 2020, antes mesmo da decisão da CNJ nos atos normativos.
As funcionalidades de gravação de audiência no SAJ e importação de mídia podem ser utilizadas pelo acesso ao próprio sistema por conexão web ou ainda no ambiente do Tribunal de Justiça (Fóruns). Apesar de na data desse comunicado do TJSP, os atos normativos ainda não estarem valendo, o tribunal já estipulava que todas as audiências deviam ser gravadas, e a gravação armazenada no SAJ-PG5.
As audiências online via Microsoft Teams (aplicativo que os tribunais usam atualmente), podem ser gravadas tanto no sistema SAJ-PG5 quanto no aplicativo da Microsoft. O TJSP estipulou ainda que, somente as gravações com data anterior ao dia 1º de dezembro de 2020 e que serão remetidos para segundo grau devem ser importadas para o SAJ.
Em casos de processos em segredo de justiça, entretanto, as gravações devem ocorrer com cautela, mas podem sim acontecer. A cautela se dá, em maior parte, em relação a divulgação da gravação. A constituição federal diz:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
Assim sendo, processos em segredo de justiça, quando gravados devem ser mais cautelosos em vista de não prejudicar nenhuma das partes. Apesar disso, ainda se faz necessária a gravação judicial destes a fim de garantir, em casos de desrespeito em atos processuais, a defesa de quem sofreu a agressão.
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