Heterocomposição para acesso à justiça: como funciona?  

A heterocomposição é um método de resolução de conflitos que compõe a Jurisdição e a Arbitragem, usada em diversos litigios. Conheça o tema!

31 de janeiro de 2025 por Tiago Fachini

A resolução de conflitos não se restringe apenas ao judiciário, pode do mesmo modo ser feita extrajudicialmente com a arbitragem, método de heterocomposição, ou seja, quando um terceiro imparcial decide pelas partes, ou até com a autocomposição quando as partes por si chegam a um acordo.   

O novo CPC/15 com o princípio da inafastabilidade da jurisdição permitiu esses novos caminhos, fora do judiciário para resolução de disputas. Estes podem ser tomados durante o andamento de um processo ou como falamos no exemplo acima, extrajudicialmente.  

Contudo, também é heterocomposição o tradicional acesso ao judiciário que chamamos de jurisdição, que junto à arbitragem compõe os métodos de heterocomposição, tema deste artigo.  

Mas claro, existem, ainda, outras formas de acesso à justiça, além destas duas, que são classificadas dentro da autocomposição, por exemplo: a mediação que não será o foco deste texto.  

O que é heterocomposição?  

A heterocomposição é um método de resolução de conflitos em que um terceiro imparcial decide a controvérsia em substituição à vontade das partes envolvidas.  

Exemplos comuns de heterocomposição incluem a jurisdição estatal, onde um juiz profere uma sentença, e a arbitragem, na qual um árbitro escolhido pelas partes emite uma decisão vinculante.  

Esses métodos contrastam com a autocomposição, na qual as próprias partes chegam a um acordo sem a imposição de uma decisão por um terceiro, ainda que por vezes necessitem da mediação para melhorar o diálogo.  

Resumindo, a heterocomposição se caracteriza por: 

  1. Intervenção de um terceiro imparcial que decide a questão; 
  1. Decisão vinculante, a solução imposta pelo terceiro é obrigatória mesmo na arbitragem feita de modo particular; 
  1. Envolve procedimentos formais. Na jurisdição estatal, a decisão segue o devido processo legal, com base no ordenamento jurídico. Na arbitragem, as partes podem definir algumas regras, mas a decisão final do árbitro também possui força vinculante; 
  1. Caráter litigioso, envolve um conflito que não pode ser diretamente resolvido pelas partes. 

Qual a diferença entre heterocomposição e autocomposição? 

Já definimos heterocomposição como a resolução de conflitos feita por um terceiro. Neste caso, a solução dada é imposta e não combinada e nem acordada entre as partes. Ela é útil em casos que as partes não conseguem ou não têm interesse de chegar a um acordo, assim a autocomposição não caberia. 

Portanto, a autocomposição, diferente da heterocomposição trata-se dos métodos de resolução de conflitos em que as partes envolvidas têm o poder de decisão e atingem um consenso. Pode contar com a ajuda de um terceiro imparcial e até de advogados, entretanto estes não dão a palavra final sobre a disputa.  

São casos de autocomposição: negociação, conciliação e a mediação. A negociação é o único destes que é privado entre as partes, com exceção da presença de advogados se optarem, e garante o sigilo total do negócio feito. Permitindo as partes gerirem os riscos de um processo. 

Heterocomposição- um terceiro toma uma decisão vinculante. 

Autocomposição- as partes chegam a um consenso e/ou acordo para resolver o conflito e tem o poder da decisão. 

Infográfico informativo que mostra a diferença entre autocomposição e heterocomposição e quais métodos de resolução de conflitos compõe cada um

Formas de heterocomposição  

Dentro do conceito geral de heterocomposição, de ter um terceiro decisor, existem diferentes caminhos para resolução de conflitos, sendo dois mais comumente reconhecidos pelas doutrinas: Jurisdição e Arbitragem. 

Algumas linhas de pensamento podem colocar a conciliação como heterocomposição a depender do caso, mas não vamos abordá-la aqui.  

Jurisdição heterocomposição  

A jurisdição é quando o Estado tem o poder e a responsabilidade de aplicar o direito e solucionar conflitos, garantindo a ordem jurídica e a pacificação social. Ela se diferencia da arbitragem, por exemplo, pois sua origem é a soberania do país. 

O procedimento de jurisdição é exercido pelo Poder Judiciário, que tem competência para julgar causas conforme as normas legais, respeitando princípios como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.  

A jurisdição é indelegável, ou seja, apenas os órgãos judiciais podem exercer essa função, e irrenunciável, pois o Estado deve sempre garantir a prestação jurisdicional. 

Na prática, a jurisdição se divide em civil, penal, trabalhista, eleitoral, entre outras, conforme a matéria tratada. Por exemplo, um juiz cível julga disputas contratuais entre empresas, enquanto um juiz penal analisa crimes e aplica sanções.  

Além disso, a jurisdição pode ser classificada em contenciosa, quando há um conflito de interesses a ser resolvido, e voluntária, quando o juiz apenas homologa situações jurídicas, como a adoção ou registros públicos. 

Classificamos a jurisdição como heterocompositiva já que a solução do atrito fica nas mãos de um terceiro imparcial, neste caso o juiz. Não são as partes que chegam a um acordo.   

Sobre a judicialização no Brasil:

O último relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), elaborado em 2024, traz que houve um aumento de 9,5% no número de novos processos em relação ao ano anterior. Sendo que na justiça do trabalho, o crescimento foi de 30%. E, ainda, tramitam mais de 84 milhões de processos, distribuídos em 91 tribunais.  

Por conta do cenário da judicialização no Brasil os meios alternativos de resolução de conflitos, seja autocomposição ou heterocomposição, são estimulados pela legislação.  

Arbitragem heterocomposição  

A arbitragem é um meio alternativo ao judiciário para resolução de conflitos, por ser particular e geralmente mais ágil.  

Contudo, o processo é similar pois os envolvidos aceitam renunciar ao poder de decisão, não se trata de um acordo, e aceitar e obedecer ao processo da arbitragem.  

A Lei 9.307 de 1996, dispõe sobre a arbitragem, como deverá ser feita e atribuí o poder vinculante da decisão final. Geralmente, quando as partes optam por resolver uma disputa via arbitragem, nos contratos civis já existe a cláusula indicando a opção o que não impede que a opção seja feita posteriormente. 

Diferente das alternativas de autocomposição que podem ser usadas em paralelo com a Jurisdição, a arbitragem não. Esta a substituí e tem o mesmo efeito da decisão judicial.  

Podem optar pela arbitragem, de acordo com a L9307/96, pessoas capazes de contratar e com objetivo de resolver litígios relativos ao direito patrimonial disponível, ou seja, que pode ser comercializado/transacionado pois tem valor econômico.  

Ainda, o artigo segundo a subdivide em dois tipos: 

1ª Arbitragem de direito– é aquele cuja os árbitros seguem as normas dispostas no ordenamento jurídico, usos e costumes e nas regras internacionais de comércio. Ou seja, tomam decisões similares às que poderiam ser tomadas na Jurisdição. Pois seguem a lei, súmulas, jurisprudências e as regras comerciais.   

2ª Arbitragem de equidade– as partes podem escolher livremente as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.  

Quando o litígio envolver a administração pública sempre será arbitragem de direito e respeitando o princípio da publicidade.  

Na prática, a arbitragem de direito é a mais segura e utilizada, sendo a de equidade uma via de exceção.  

Ok, até aqui entendemos os casos que podem usufruir da arbitragem e até a subdivisão que a lei criou.

Todavia, como as partes fazem para se comprometerem a ir à arbitro e aceitar o resultado? 

Para isso, é obrigatória a assinatura de uma cláusula compromissória que diz justamente que a partir de um litígio o caso será submetido à arbitragem. Esta pode estar no contrato original do negócio ou apartada em um contrato a parte, feito quando surge o conflito. Nela pode já estarem indicados os árbitros.

Como funciona o processo da arbitragem? 

Para optar pela arbitragem é necessária a cláusula compromissória então, o próximo passo é nomear um ou mais árbitros. A partir daí está instituída a arbitragem e deve ser elaborada a convenção, regulada pelos artigos nono, décimo e décimo primeiro da lei da arbitragem.  

A convenção:  

Art. 9º O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial. 

§ 1º O compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal, onde tem curso a demanda. 

§ 2º O compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público. 

Art. 10. Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral: 

I – o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes; 

II – o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros; 

III – a matéria que será objeto da arbitragem; e 

IV – o lugar em que será proferida a sentença arbitral. 

Art. 11. Poderá, ainda, o compromisso arbitral conter: 

I – local, ou locais, onde se desenvolverá a arbitragem; 

II – a autorização para que o árbitro ou os árbitros julguem por eqüidade, se assim for convencionado pelas partes; 

III – o prazo para apresentação da sentença arbitral; 

IV – a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, quando assim convencionarem as partes; 

 a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das despesas com a arbitragem; e 

VI – a fixação dos honorários do árbitro, ou dos árbitros. 

O procedimento de arbitragem vai obedecer à convenção previamente construída, podendo, ainda, reportar-se a regras de um órgão institucional ou entidade especializada.  

Para simplificar, o arbitro escolhido segue o combinado em convenção pelas partes, usa, ainda da especialidade de órgãos e entidades e nas tomadas de decisão sempre seguindo a lei.  

Os artigos 21 e 22 da L9307/96, dão os passos do que é obrigatório ser feito no procedimento: 

Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento. 

§ 1º Não havendo estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro ou ao tribunal arbitral discipliná-lo. 

§ 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento. 

§ 3º As partes poderão postular por intermédio de advogado, respeitada, sempre, a faculdade de designar quem as represente ou assista no procedimento arbitral. 

§ 4º Competirá ao árbitro ou ao tribunal arbitral, no início do procedimento, tentar a conciliação das partes, aplicando-se, no que couber, o art. 28 desta Lei. 

Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício. 

§ 1º O depoimento das partes e das testemunhas será tomado em local, dia e hora previamente comunicados, por escrito, e reduzido a termo, assinado pelo depoente, ou a seu rogo, e pelos árbitros. 

§ 2º Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar depoimento pessoal, o árbitro ou o tribunal arbitral levará em consideração o comportamento da parte faltosa, ao proferir sua sentença; se a ausência for de testemunha, nas mesmas circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da convenção de arbitragem. 

§ 3º A revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral. […] 

Proferida a sentença, ela será homologada e o litígio está resolvido.  

Uso de ODRs na resolução de conflitos  

A Resolução Online de Disputas (ODR – Online Dispute Resolution) é uma inovação dentro das soluções alternativas de resolução de conflitos. Um meio mais ágil, e eficiente para solucionar disputadas, pois conta com tecnologia e não demanda a presença física dos envolvidos. 

Há diferentes possibilidades de uso de ODR, algumas doutrinas entendem que qualquer uso da internet seja e-mails ou conferências online já caracterizariam uma ODR. Contudo, a forma mais aceita e conhecida é a partir das plataformas de acordos ou ODR , que automatizam todo o processo da resolução da disputa.  

Uma plataforma ODR pode: automatizar a busca de contatos, fazer o contato inicial, ter inteligência artificial capaz de propor acordos seguindo a política da empresa, entre outros.  

Ferramentas como o Projuris Acordos, permitem que todo o fluxo de uma resolução alternativa de conflito seja automático e muito mais ágil, com o mínimo de erros e interferência humana. Contudo, a tecnologia vai até onde o usuário permitir, nem todas as automações precisam ser usadas e o sistema pode apenas facilitar os contatos e todo o restante ser feito por pessoas.  

Atualmente, as ODRs são amplamente aplicadas em disputas de consumo e até no âmbito judicial. 

Um exemplo da crescente digitalização do judiciário é a resolução nº 345, de 09/10/2020 que autorizou os tribunais a adotarem medidas para implementar o “Juízo 100% digital“, nome dado ao processo de jurisdição feito através de ODR.

O Juízo digital é uma opção da parte demandante e a parte demanda pode se opor, ou seja, não é obrigatório. Mas os tribunais estão preparados e dão a possibilidade de fazer tudo online.  

A tecnologia pode fortalecer a justiça, dando celeridade e torando-a mais dinâmica e adaptada à realidade digital. Assim, as ODRs representam uma evolução na forma de resolver disputas, unindo eficiência, acessibilidade e inovação. 

Conclusão  

A heterocomposição é um método para a resolução de conflitos quando as partes envolvidas não conseguem chegar a um consenso por conta própria. Nesse modelo, um terceiro imparcial, como um juiz ou um árbitro, é responsável por tomar uma decisão vinculante, seja por meio da jurisdição estatal ou da arbitragem. 

O cenário atual da judicialização no Brasil, com o crescente volume de processos, reforça a necessidade de alternativas mais ágeis e eficientes, como a arbitragem e, mais recentemente, as ODRs (Online Dispute Resolution). Esses mecanismos representam não apenas uma forma de desafogar o Poder Judiciário, mas também de modernizar a justiça, tornando-a mais acessível e dinâmica. 

Perguntas frequentes 

Arbitragem é heterocomposição ou autocomposição? 

A arbitragem é um método de heterocomposição, pois envolve a intervenção de um terceiro imparcial (o árbitro), que impõe uma decisão vinculante às partes, substituindo a vontade delas na resolução do conflito. 

Quais são as 4 formas de resolução de conflitos? 

Os conflitos podem ser resolvidos por meio de: 1- Jurisdição (justiça tradicional); 2- Mediação, quando um terceiro facilita o diálogo entre as partes para que cheguem a uma solução; 3- Arbitragem, um terceiro no papel do árbitro habilitado julga e impõe uma decisão vinculante às partes; 4- Conciliação, um terceiro estimula as partes a chegarem a uma solução consensual e pode sugerir soluções.

São exemplos de heterocomposição: 

A arbitragem, particular e feita com árbitro e a Jurisdição, julgamento na justiça tradicional com juiz.  

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Tiago Fachini - Especialista em marketing jurídico

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