Honorários de sucumbência na Reforma Trabalhista e a natureza híbrida

Considerações sobre a natureza híbrida dos honorários de sucumbência e a forma como o assunto é tratado na Reforma Trabalhista.

Matéria de grande discussão teórica, a natureza jurídica dos honorários sucumbenciais ainda é bastante discutida. E ganhou relevância após o início da vigência da Lei 13.467/2017 – Lei da Reforma Trabalhista (LRT). Isso porque o novel artigo 791-A da CLT prevê o arbitramento dos honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho. Acende, dessa forma, discussões a respeito da aplicação do novo regramento aos processos ajuizados antes de 11 de novembro de 2017 (data em que a LRT entrou em vigor).

Até o advento da Reforma Trabalhista, os honorários advocatícios de sucumbência não incidiam nos processos trabalhistas. Era o que previa, então, a legislação e jurisprudência consolidada no TST pelas súmulas 219 e 329. Somente com a entrada em vigor da Lei nº 13.467/17, passaram a ser devidos honorários advocatícios em face da sucumbência nos processos de natureza trabalhista.

Não obstante a nova redação legal, muitos magistrados e Tribunais têm manifestado o entendimento de que a natureza jurídica dos honorários de sucumbência não é unicamente processual, mas também material. Por essa razão, não aplicam as disposições da Reforma Trabalhista nos processos ajuizados antes do início da vigência do novo regramento, em atenção aos princípios da segurança jurídica e da não surpresa. Assim, é de suma relevância analisarmos quais as origens da natureza jurídica bifronte – ou híbrida – dos honorários sucumbenciais, sobretudo em razão da Reforma Trabalhista.

1. Honorários de sucumbência na legislação e jurisprudência

Pela teoria do isolamento dos atos processuais, subsidiado pelo princípio da segurança jurídica, a “lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (artigo 5º, XXXVI, CF/88). As normas de natureza processual, na esteira do art. 14 do Novo CPC, tem aplicação imediata nos processos em curso, desde que respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

O marco processual que dá origem aos honorários advocatícios de sucumbência é a sentença. Afinal, é por meio dela que se delimita qual parte logrou êxito na ação judicial, bem como a medida desse êxito (se total ou parcial), determinando, por tabela, qual parte sucumbiu em sua pretensão. Em princípio, portanto, os honorários deveriam ser fixados em todas as sentenças prolatadas após 11 de novembro de 2017, independente da data em que a reclamação trabalhista fora ajuizada.

Observa-se que a sucumbência se rege pela lei vigente à data da deliberação que a impõe ou a modifica. Ou seja, a sentença é o marco temporal para a aplicação da norma processual disciplinadora dos honorários de sucumbência, por constituir o ato processual do qual emerge o direito à percepção da verba (tempus regit actum).

Art. 85 do Novo CPC

A natureza jurídica dos honorários sucumbenciais, por sua vez, é extraída do art. 85, § 14, do Novo CPC, quando preceitua que “os honorários constituem direito do advogado e tem natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”. Verifica-se, portanto, que os honorários de sucumbência têm natureza processual, pois é previsto no diploma processual civil.

Por sua vez, existe disposição do próprio Estatuto da OAB (Lei nº 8.096/94) a respeito dos honorários sucumbenciais. O art. 22 do Estatuto da OAB acentua, então, que “a prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”.

Não há dúvidas, pois, que o direito aos honorários de sucumbência, devido ao advogado da parte que lograr êxito na lide, está arvorado tanto em normas de direito processual como de direito material. Daí decorre sua natureza híbrida. Aliás, tal concepção está estreitamente ligada à ideia de que o direito processual, apesar de sua autonomia, possui como pressuposto o direito material (teoria de Chiovenda).

Enunciado 98 da ANAMATRA

Por esta razão a jurisprudência atual caminha mais no sentido de aplicar o art. 791-A da CLT nos processos ajuizados após 11 de novembro de 2017. Nesse cenário, o Enunciado 98 da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho -ANAMATRA – são importantes indicadores da cautela adotada pelos magistrados em todo o país:

98. Honorários de sucumbência. Inaplicabilidade aos processos em curso

Em razão da natureza híbrida das normas que regem honorários advocatícios (material e processual), a condenação à verba sucumbencial só poderá ser imposta nos processos iniciados após a entrada em vigor da lei 13.467/2017, haja vista a garantia de não surpresa, bem como em razão do princípio da causalidade, uma vez que a expectativa de custos e riscos é aferida no momento da propositura da ação.

Nesse esteio, o princípio da não surpresa visa resguardar as partes de inesperadas circunstâncias que, se sabidas à época do ajuizamento da ação, evitariam a lide processual. Com efeito, se no momento do ajuizamento da ação aplicava-se a regra antiga, a qual prescindia de quantificação dos pedidos e exigia valor da causa apenas para fixar o rito, não poderia a sentença, ainda que publicada ao tempo da lei nova, surpreender as partes com a novidade dos honorários de sucumbência recíproca.

Entendimento do TRT da 3ª Região

Esse é, então, o entendimento do TRT da 3ª Região (Minas Gerais):

HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. INAPLICABILIDADE AOS PROCESSOS AJUIZADOS EM DATA ANTERIOR A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/17. Os honorários advocatícios sucumbenciais não incidiam nos processos trabalhistas, consoante a legislação e jurisprudência consolidada no TST (Súmulas nº 219 e 329), vigentes à época da propositura da ação. Somente com a entrada em vigor da Lei nº 13.467/17, passaram a ser devidos honorários advocatícios em face da sucumbência nos processos de natureza trabalhista (art. 791-A).

Todavia, considerando a natureza híbrida do honorários advocatícios sucumbenciais (instituto de direito material e processual – aplicação da teoria de Chiovenda) e considerando que referidos honorários, não existiam no processo de natureza trabalhista e como forma de se evitar a decisão surpresa, para a parte que ajuizou a ação ou a contestou antes da entrada em vigor da Lei nº 13.467/17, tem-se que somente para os processos trabalhistas ajuizados após a vigência da Lei nº 13.467/17 é que devem ser fixados honorários advocatícios.

Neste sentido o Enunciado nº 98 aprovado pela ANAMATRA: “HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. INAPLICABILIDADE AOS PROCESSOS EM CURSO. Em razão da natureza híbrida das normas que regem honorários advocatícios (material e processual), a condenação à verba sucumbencial só poderá ser imposta nos processos iniciados após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, haja vista a garantia de não surpresa, bem como em razão do princípio da causalidade, uma vez que a expectativa de custos e riscos é aferida no momento da propositura da ação. (TRT-3 – RO: 00100324820175030038 0010032-48.2017.5.03.0038, Relator: Sercio da Silva Pecanha, Oitava Turma)

Entendimento do TRT da 18ª Região

Não é diferente o entendimento do Egrégio TRT da 18ª Região (Goiás):

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PROCESSOS AJUIZADOS ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. INAPLICABILIDADE. Em razão da natureza híbrida das normas que regem honorários advocatícios (material e processual), a condenação à verba sucumbencial só poderá ser imposta nos processos iniciados após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, em observância ao princípio da garantia de não surpresa, bem como em razão do princípio da causalidade, uma vez que a expectativa de custos e riscos é aferida no momento da propositura da ação. Recurso ordinário do reclamante a que se dá provimento. (TRT18, ROPS – 0010937-57.2017.5.18.0128, Rel. ROSA NAIR DA SILVA NOGUEIRA REIS, 3ª TURMA, 08/05/2018)

Instrução Normativa 27 de 2005

É importante destacar que a regulamentação dos honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho, apesar de nova, não impedia sua fixação. Contudo, deve ser em processos que não versassem sobre relação de emprego. É o que se extrai da Instrução Normativa nº 27, de 2005, que dispõe sobre normas procedimentais aplicáveis ao processo do trabalho em decorrência da ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional nº45/2004: “Art. 5º. Exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência”.

A jurisprudência tem adotado uma linha de pensamento mais cautelosa, evitando decisões polêmicas que possam prejudicar as partes que litigam. Essa prevenção é natural e compreensível em um cenário pós-reforma tão instável juridicamente.

2. A decisão do STF sobre a ADIN 5766

Um outro aspecto que merece relevo é a previsão dos §§ 4º e 5º do art. 791-A da CLT. Eles preveem a hipótese de sucumbência recíproca e pagamento dos honorários pelo reclamante. Contudo, eles são descontados dos créditos obtidos em juízo, ainda que em outro processo. Haveria, neste caso, um conflito aparente entre dois créditos de natureza alimentar.

Das várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) levadas ao STF, a ADIN 5766 versa sobre esse assunto, dentre outros. Em 10 de maio de 2018, o plenário da Suprema Corte se reuniu para fazer o julgamento dessa ADIN e para assentar interpretação conforme a Constituição. E culminou, dessa forma, nas seguintes teses:

  1. O direito à gratuidade de justiça pode ser regulado de forma a desincentivar a litigância abusiva, inclusive por meio da cobrança de custas e de honorários a seus beneficiários.
  2. A cobrança de honorários sucumbenciais do hipossuficiente poderá incidir:
    1. sobre verbas não alimentares, a exemplo de indenizações por danos morais, em sua integralidade; e
    2. sobre o percentual de até 30% do valor que exceder ao teto do Regime Geral de Previdência Social, mesmo quando pertinente a verbas remuneratórias.
  3. É legítima a cobrança de custas judiciais, em razão da ausência do reclamante à audiência, mediante prévia intimação pessoal para que tenha a oportunidade de justificar o não comparecimento.

3. Honorários de sucumbência e beneficiário da assistência judiciária gratuita

O advogado e professor Rafael Lara Martins faz uma relevante reflexão sobre a natureza jurídica dos honorários de sucumbência e a possibilidade de serem descontados das parcelas de natureza indenizatória deferidas ao reclamante, quando houver sucumbência parcial deste:

Nem todo crédito advindo de uma reclamação trabalhista ao trabalhador tem natureza alimentar. Nos termos da redação constitucional, somente o salário e as indenizações decorrentes de acidente de trabalho o são. Desta forma, o argumento de restrição de desconto por se tratar de natureza alimentar não socorre as verbas de natureza indenizatória – especialmente diante do recebimento de um crédito privilegiado que verdadeiramente tem natureza alimentar já reconhecida em súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal. (MARTINS, Rafael Lara. Lei da Reforma Trabalhista comentada artigo por artigo. JH Mizuno, São Paulo. 2017)

Nesse caso, ainda que o reclamante seja beneficiário da assistência judiciária gratuita, os honorários serão descontados das verbas de natureza indenizatória que, porventura, integrem a condenação. Garante-se, assim, que verbas de natureza alimentar (honorários) tenham privilégio sobre as demais. Essa é uma forma ponderada de solucionar esse conflito aparente entre os créditos de caráter alimentar.

4. Caráter material dos honorários sucumbenciais

Não há dúvidas quanto à natureza processual dos honorários de sucumbência, conforme previsão do Código de Processo Civil. Contudo, não se nega o seu caráter material, esboçado no Estatuto da OAB e na súmula vinculante nº 47 do STF:

SÚMULA VINCULANTE 47

Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza.

A natureza híbrida dos honorários de sucumbência ainda renderá boas discussões no âmbito da Justiça do Trabalho. Isto ao menos até que o entendimento se pacifique nos tribunais. Ou que mesmo até que as ações ajuizadas antes da Reforma Trabalhista tenham, enfim, transitado em julgado (aplicação subsidiária da súmula 453 do Superior Tribunal de Justiça).

Vale ressaltar ainda que o TST fixou o entendimento de que os honorários advocatícios sucumbenciais, na Justiça do Trabalho, têm aplicação imediata apenas nos processos ajuizados após 11 de novembro de 2017. Desse modo, nas ações ajuizados antes dessa data, subsistem as diretrizes do art. 14 da Lei 5.584/1970 e das Súmulas 219 e 329 do TST. Essa linha adotada pela Corte Trabalhista demonstra a cautela com relação a um tema tão delicado, apesar de consolidado pela Lei 13.467/2017.

O que temos por certo é que o art. 791-A da CLT visou corrigir um tratamento desigual conferido aos advogados que atuam na seara trabalhista. Permitiu a eles, assim, à semelhança dos advogados que mourejam na Justiça Comum, o reconhecimento pelo bom trabalho realizado na defesa dos seus clientes.

Escrito por:

Material produzido por Lucas Mantovani – Associado ao Núcleo de Direito do Trabalho do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD)

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