Você sabe o que ocorre quando os magistrados de uma Câmara, Turma ou Seção precisam julgar uma questão sobre a qual há divergência interna? Nestes casos, é possível recorrer ao Incidente de Assunção de Competência (IAC).
Mas, claro, a questão não é tão simples. Para instaurar um IAC, e redirecionar a competência de julgamento de uma determinada matéria, é preciso que esta respeite a uma série de requisitos. Alguns dos quais foram alterados por meio do novo CPC (Lei 13.105/15).
É sobre o conceito de Incidente de Assunção de Competência, sua definição e requisitos, que trataremos neste artigo. Veremos ainda como se dá a tramitação desse instrumento e quando cabe solicitá-lo. Boa leitura!
O Incidente de Assunção de Competência (IAC), de modo simples, é um incidente processual por meio do qual ocorre redirecionamento da competência de julgamento, de um órgão colegiado fracionário (Câmara, Turma ou Seção, por exemplo), para outro.
No IAC, os órgãos colegiados fracionários que podem assumir a competência sobre determinada ação devem estar contidos dentro de um mesmo tribunal. Nesse cenário, o instrumento em questão faz com que a competência de julgamento seja assumida por um órgão de maior composição, dentro daquele tribunal.
No entanto, você pode estar se perguntando, todo tipo de ação pode resultar em Incidente de Assunção de Competência? O Código de Processo Civil (CPC/15) estabeleceu, no Art. 947, as condições específicas em que se dá esse incidente. Discutiremos esse artigo em detalhes, nas próximas seções.
Por ora, é útil conhecer a definição cunhada pelo jurista Alexandre Freitas Câmara. O magistrado se baseia diretamente no que convencionou o CPC/15. Vejamos como ele conceitua a assunção de competência:
Trata-se de incidente processual a ser instaurado quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária de tribunal de segunda instância envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.
Assim, temos três circunstâncias em que cabe o Incidente de Assunção de Competência (IAC): quando (1) do julgamento de recurso, da (2) remessa necessária ou, ainda, do (3) processo de competência originária.
Uma vez que não se especifica quais tipos de recurso estão abarcados, pressupõe-se que são todos aqueles apresentados em julgamentos levados a efeito nos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, nos TRF’s, no STJ e no STF.
Já a remessa necessária compreende aquelas sentenças que devem, necessariamente, ser confirmadas pelo Tribunal, ainda que não haja recurso expresso nesse sentido. São, portanto, questões que envolvem duplo grau de jurisdição.
E, por fim, os processos de competência originária são aqueles julgados pela primeira vez, não pelo juízo de primeira instância, mas sim por um Tribunal. Na Constituição Federal, os artigos 102 e 105 estabelecem, por exemplo, a competência originária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente.
Uma vez que você já sabe o que é quando cabe Incidente de Assunção de Competência, é hora de entender com que finalidade esse instrumento é aplicado.
De maneira resumida, pode-se afirmar que a principal função do Incidente de Assunção de Competência é promover a composição da divergência, ou preveni-la, quando ocorre em órgãos de um mesmo tribunal.
Portanto, a transferência da competência de julgamento, para um órgão superior, evita a divergência dentro do próprio tribunal.
No título IV do Código de Processo Civil (CPC/15), são abordadas as hipóteses de suspensão e extinção do processo de execução. É nesse título que encontramos um capítulo específico para tratar do Incidente de Assunção de Competência.
De acordo com o Art. 947 do CPC, contido no capítulo mencionado, temos que cabe Incidente de Assunção de Competência quando:
Art. 947 É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.
Assim, já no caput do artigo, ficam estabelecidas as situações em que cabe IAC. É ali também que encontramos uma das principais novidades do novo CPC, em relação ao texto anteriormente vigente.
No CPC/73, apenas o julgamento de recursos era hipóteses para a assunção de competência. Com o CPC/15, são incluídos no texto legal também as remessas necessárias e os processos de competência originária.
Outra diferença fundamental, trazida pelo CPC/15, diz respeito ao caráter vinculante da assunção de competência. No parágrafo terceiro do Art. 947, tem-se que:
§ 3º O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese.
Assim o julgamento proferido em assunção de competência cria um precedente obrigatório, que deverá necessariamente ser observado por todos os juízes subordinados.
Na prática, até o final do primeiro trimestre de 2022, pelo menos 157 incidentes de assunção de competência foram recebidos pelos tribunais.
Nesse mesmo período, mais 2500 processos foram julgados com base nos precedentes criados pelos IACs. Os dados são de um painel mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
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Para entender quais são os requisitos necessários ao Incidente de Assunção de Competência (IAC) é preciso dissecar o texto do Art. 947.
Ali, encontraremos pelo menos três requisitos básicos. Vamos a eles?
Isto é, só é passível de Incidente de Assunção de Competência os autos que envolverem relevantes questões de direito.
Importa ressaltar que as “questões de direito”, nesse contexto, nada mais são do que os pontos de controvérsia na interpretação das leis e da doutrina, que podem, por sua discussão e decisão, impactar na fundamentação de sentenças futuras.
Para que haja assunção de competência é essencial que as questões tratadas nos autos tenham repercussão para a sociedade.
Contudo, cabe destacar, o texto legal não deixa claro o que caracteriza “grande repercussão social”. Isto é, o que é necessário para que a repercussão social seja de fato “grande”?
Assim, cabe aos magistrados definir os critérios que caracterizam esse requisito do incidente.
Se a questão que é alvo da assunção de competência está presente em múltiplos processos, a IAC não poderá ser instaurada. Isso ocorre porque a legislação prevê outro instrumento para julgar esses tipos de caso.
Estamos falando do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) que, como o próprio nome sugere, se destina ao julgamento daquelas questões que são alvo de múltiplos processos.
O trâmite do Incidente de Assunção de Competência (IAC) está indicado, em grande parte, nos parágrafos que compõem o Art. 947.
Abaixo, listamos as principais etapas da tramitação desse incidente.
De acordo com o Art. 947, parágrafo primeiro, o relator do processo poderá propor o redirecionamento da competência de julgamento. Na letra da lei:
§ 1º Ocorrendo a hipótese de assunção de competência, o relator proporá, de ofício ou a requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que seja o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar.
Como se vê, além do requerimento de ofício, é possível que a parte, o MP ou a Defensoria requeiram a transferência de competência.
A segunda etapa do Incidente de Assunção de Competência é o envio dos autos ao órgão colegiado que está indicado no regimento próprio de cada Tribunal.
Portanto, conforme determinado no parágrafo primeiro do Art. 947, mencionado na seção anterior, não há uma resposta única que permita dizer de antemão quem julga o incidente. Essa definição vai variar, de tribunal para tribunal.
Por fim, a última etapa para a concretização do IAC é o julgamento em si, que será conduzido pelo órgão colegiado previsto em regimento interno.
Contudo importa ressaltar que o texto do CPC, ainda no Art. 947, menciona condição para que a assunção de competência seja considerada procedente. Vejamos:
§ 2º O órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária se reconhecer interesse público na assunção de competência. [grifo nosso]
Assim sendo, pode o órgão colegiado entender que não há suficiente interesse público e relevância social, o que resultará no retorno dos autos ao órgão fracionário onde originalmente eles seriam julgados.
Em setembro de 2016, por meio de Emenda Regimental nº24, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou seu regimento interno de modo a contemplar as mudanças trazidas pelo novo CPC, no que tange ao Incidente de Assunção de Competência.
Na prática, a emenda serve para regulamentar o procedimento de Incidente de Assunção de Competência.
Entre as principais definições trazidas por esse documento, temos a determinação de que a proposta de IAC deve transcorrer em meio-eletrônico e ser analisada pelos ministros do órgão julgador no prazo de até 7 dias (Art. 257-A da Emenda º24).
Além disso, a emenda determina que a decisão sobre o Incidente de Assunção de Competência seja publicada em Diário de Justiça Eletrônico (Art. 257-C). Fica definido, ainda que uma vez processada a decisão, ela se torna irrecorrível (Art. 271-B).
Outras questões de rito, como a possibilidade de realização de audiências públicas, a oitiva de quaisquer partes interessadas na questão controversa, e até mesmo a redação do acórdão, também estão devidamente delimitadas na emenda regimental.
Assim, tem-se que, desde 2016, o Regimento Interno do STF reconhece e regulamenta os procedimentos e trâmites processuais para a materialização da assunção de competência.
O texto do Art. 947 do novo CPC deixa bastante claro que os incidentes de assunção de competência (IACs) ocorrem apenas quando a questão de direito avaliada não se repete em múltiplos processos. E é precisamente neste ponto que reside a diferença entre um IAC e um IRDR.
No Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) há, mandatoriamente, a necessidade de que a questão em análise se repita em múltiplos processos.
Além disso, os demais requisitos que fundamentam o IRDR, são distintos do IAC. No Incidente de Assunção de Competência, como vimos, deve haver grande repercussão social.
Nos artigos 976 a 987, onde se define o incidente de resolução de demandas repetitivas, tem-se requisitos como o “risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica”, completamente distintos daqueles que regem o IAC.
O Incidente de Assunção de Competência é um instrumento jurídico, por meio do qual, se solicita o redirecionamento da competência de julgamento de relevantes questões de direito, de um órgão colegiado para outro, dentro de um mesmo tribunal.
O Incidente de Assunção de Competência pode ocorrer em recursos, remessas necessárias e processos de competência originária, sempre que se tratar de relevante questão de direito, com grande repercussão social e sem repetição em múltiplos processos.
O principal objetivo do Incidente de Assunção de Competência é, certamente, prevenir e promover a composição nos casos em que há divergência dentro de órgãos de um mesmo tribunal.
Diante do exposto fica claro que o Incidente de Assunção de Competência é um importante instrumento para prevenir a divergências nos órgãos colegiados fracionários dos tribunais.
Além disso, deter conhecimento sobre os procedimentos de instauração da IAC tornou-se ainda mais relevante nos anos recentes, uma vez que o CPC/15 deixou claro que qualquer uma das partes pode propor o incidente.
Assim, esperamos que este conteúdo seja útil na sua prática profissional. Bom trabalho!
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Perfeita explicação. Me ajudou muito a compreender certos pontos do IAC. Grata
PREZADOS,
TRABALHAMOS NO JUÍZO ARBITRAL,
SUGERIMOS QUE INCLUA NO BOJO DE SUAS PUBLICAÇÕES , TEMAS REFERENTE AO ASSUNTO QUO,
DIANTE ASSIM , DESDE JÁ AGRADECEMOS..
ABS. DR. JOSIEL VASCONCELOS
gostei da explanação, mas o tema é bastante dúbio. Merece ser melhor estudado (isso para os estandes, óbvio.)
Excelente!!! Parabéns!
Em sendo eu estudante, achei valiosíssimo as informações aqui postadas, obre IAC e IRDR. Obrigado !