A medicina, assim como diversas áreas, possui suas especialidades. Por consequência lógica, se há especialidades médicas, também poderemos ter os denominados erros médicos em cada uma dela. É o caso, por exemplo, da especialidade obstetrícia e ginecologia e o denominado erro médico no parto.
Ao que toca o erro médico em parto, estudo realizado no Paraná (692 casos, de 2013 a 2017) aponta que a especialidade mais demandada foi ginecologia e obstetrícia. Ademais, o perfil do denunciado, era majoritariamente, do sexo masculino [1].
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Para Deíla Barbosa Maia, citada por Maria Teresa Ribeiro de Andrade Oliveira e Eduardo Dantas [2], “o perfil do médico acusado no âmbito judicial, profissional com 41 anos de idade e mais de 20 anos de experiência […].”
Na mesma obra, os autores mencionam dados que apontam a prevalência da especialidade de ginecologia e obstetrícia (42,6%) e de réus do sexo masculino (95,5), resultado de análise realizada das decisões do Superior Tribunal de Justiça, no período de 2000 a 2015, relativas à negligência médica e reparação de danos morais (RIBEIRO e DANTAS, pág. 318).
Dado importante, ainda, merece citado. Quanto à motivação da demanda, preponderam as ações que se relacionam ao evento morte (18,76%) ou às sequelas graves e irreversíveis (16,02% neurológicas e 9,92% motoras), sendo que as lesões estéticas representam 9,46% das causas.
A ausência ou falha na monitorização fetal, durante o trabalho de parto, com resultado morte por asfixia fetal “demora em realizar o parto” está entre as principais demandas por erro médico no parto que o departamento de direito médico deste escritório de advocacia em Brasília recebe.
Não é qualquer ato médico ou hospitalar, contudo, que configura o erro médico ou hospitalar em parto, respectivamente. Configuram-no apenas aqueles praticados em desconformidade com a lei e o direito, com potencial ofensivo, ou seja, de causar um dano lesivo à vida ou à saúde da gestante e concepto.
Nessa linha de raciocínio, surge, então, a discussão acerca do direito a indenização da(s) vítima(s) do erro médico no parto. Para isso, contudo, exsurge a demonstração inequívoca do ato ilícito, conduta-culpa, nexo de causalidade e dano (CC/02, artigos 186 e 927).
Assim, a mãe ou seu filho, vítimas do erro médico no parto, deve provar que o médico ou hospital não atuaram em consonância com os protocolos e diretrizes da obstetrícia, causando danos lesivos por negligência, imprudência ou imperícia, para ter direito a justa indenização pelos danos.
Por ser matéria afeta à medicina especializada em obstetrícia e ginecologia, a análise da indenização do erro médico no parto circundará a conduta do médico e hospital quanto aos aspectos jurídicos.
Viu-se que para configurar o erro médico, independentemente do “tipo de erro médico” e salvo nos casos de erro médico em cirurgia plástica-estética, ter-se-ia a obrigação de resultados e culpa presumida. Em regra, deve-se demonstrar os elementos da responsabilidade civil, para que surja a obrigação de indenizar.
O contexto como se desenvolveu o trabalho de parto será, portanto, analisado em conjunto com os pressupostos da responsabilidade civil do médico e hospital.
Analisar-se-á também as condições da gestante e bebê e do pré-natal, a fim de estabelecer a ausência de doença ou da causa preexistente que possa influenciar negativa ou positivamente no resultado parto.
A análise do erro médico é tarefa árdua que desafia a aguça do advogado especialista em direito médico e do magistrado, quiçá daqueles que não lidam com esse nicho ou do sub-nicho erro médico no parto. A par disso, o ponto de partida é amoldar o caso concreto aos pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 186, do CC02, escolhendo as provas necessárias para provar o fato específico.
No caso de inadequada e inescusável monitorização fetal (gestante e bebê com excelente condição e saúde para o parto) pelo médico resultando morte do concepto (bebê) por asfixia fetal “demora na realização do parto”, desenha-se o erro médico no parto a partir destes seguintes elementos:
O Código Civil, no artigo 186, afirma que comete ato ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Vê-se, portanto, que o ato ilícito é a atuação médica, mediante culpa, contrária a lei e o direito. Mas não é só isso, é o exercício da profissão médica em dissonância a lex artis médicas. Ou seja, o conjunto de regras consagradas pela prática médica atual – obstétrica e ginecologia.
Dessa forma, vislumbra-se como ato ilícito, no caso supra, o(a) médico(a) não executar os protocolos a respeito da monitorização da vitalidade fetal intraparto previstos no Tratado de Obstetrícia da Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) [3], citados no Parecer Médico-Legal [4], por corolário, os ditames deontológicos da medicina.
De outro modo, enfim, é desrespeitar a lei e o direito no mister da profissão.
Verifica-se como culpa stricto sensu do profissional – negligência, imprudência ou imperícia:
Ademais, neste tópico pesquisa-se a conduta culposa. Ou seja, discutiremos, à luz da literatura científica atualizada, as implicações das condições clínicas verificadas ao longo da assistência obstétrica e neonatal. Igualmente, tem de se analisar a adequação das condutas adotadas pela equipe de saúde em comparação com a literatura especializada.
Ao que toca a assistência ao trabalho de parto a literatura médica especializada é unânime ao recomendar a avaliação de vitalidade fetal com intervalos máximos de 30 minutos durante o primeiro período do trabalho de parto. Essa recomendação deve ser seguida no caso de parto, sob pena de responder por erro médico na modalidade negligência.
Configura negligência ou imprudência analgesia de parto pela via peridural indicada e realizada. No entanto, a paciente permaneceu por mais de 40 minutos desde a realização do procedimento sem monitorização da frequência cardíaca fetal.
A primeira monitorização de vitalidade fetal após a analgesia foi realizada após período desproporcional. E identificou, dessa forma, bradicardia fetal severa – 80 bpm.
Portanto, a ausência de monitorização da vitalidade fetal após a administração da analgesia de parto neste caso é uma inadequação de conduta negligente especialmente significativa por dois motivos:
Imperioso demonstrar no processo que, a ausência de adequada monitorização da vitalidade fetal – especialmente considerando tratar-se de um trabalho de parto com distocia por parada secundária da dilatação – é uma inadequação considerável em relação às condutas preconizadas pelos manuais oficiais de assistência ao parto e pela literatura médica especializada.
A situação ganha contornos mais sérios em função da ausência de monitorização de vitalidade fetal por longos períodos após dois momentos críticos do trabalho de parto (negligência):
Hipoteticamente, configura negligência informacional ausência no prontuário médico do motivo de indicação da realização da operação cesariana ao invés da abreviação do parto pelo uso de fórcipe de alívio.
Considerando o tempo acrescido pelos preparativos para a cirurgia, na vigência de processo de asfixia fetal, a escolha da via cirúrgica abdominal em detrimento do parto vaginal operatório pode ser considerada inadequada (imprudência ou imperícia).
A verificação do erro médico no parto recomenda análise tanto da assistência ao trabalho de parto como da assistência ao neonato. Porém, o erro médico está mais suscetível de acontecer durante o trabalho de parto.
O Quadro abaixo apresenta as medidas imediatas a serem adotadas diante de uma situação de avaliação da vitalidade fetal alterada (7):
Portanto, configura erro médico no parto, uma vez que não foram adotadas as medidas preconizadas pela literatura especializada frente ao quadro suspeito de hipóxia fetal. Ou seja, reposicionamento da gestante em decúbito lateral, suspensão de puxos, suspensão de ocitocina, administração de uterolítico, administração de oxigênio para a mãe, hidratação venosa ou amnioinfusão (negligência).
O nexo de causalidade é outro elemento ou pressuposto do erro médico no parto, sem o qual, exclui a obrigação do profissional indenizar a vítima.
Por isso, o dano deve ser a causa direta e imediata da conduta culposa do médico. Estabelecer o nexo causal ou a relação de causa e efeito é, assim, primordial para o desfecho do êxito da demanda indenizatória por erro médico no parto.
Tomando por base a casuística acima, pode-se concluir, pois, com algum grau de segurança, que a ausência de adequada monitorização da vitalidade fetal protelou o diagnóstico do quadro de hipóxia fetal vigente.
É possível afirmar ainda que a ausência de realização das medidas corretivas exigíveis frente a um quadro suspeito de hipóxia fetal – reposicionamento da gestante em decúbito lateral, suspensão de puxos, suspensão de ocitocina, administração de uterolítico, administração de oxigênio para a mãe e hidratação venosa – agravou a situação de asfixia intrauterina.
Por fim, a opção pela realização da operação cesariana em detrimento do uso do fórceps de alívio – opção capaz de promover, quando presentes as condições de aplicabilidade, a interrupção da gestação em período de tempo consideravelmente inferior em relação à operação abdominal – estendeu desnecessariamente o tempo de permanência do feto em ambiente intrauterino hipoxêmico, contribuindo para a exacerbação do quadro de asfixia perinatal.
Resta, pois, configurado o nexo de causalidade entre as condutas médicas inadequadas – insuficiente monitorização da vitalidade fetal, diagnóstico tardio da bradicardia fetal associada à hipóxia intrauterina, ausência de adoção de medidas corretivas frente a quadro fortemente suspeito de hipóxia fetal e opção indevida pela mais delongada via operatória abdominal – e a asfixia perinatal que levou o recém-nascido a óbito.
Como dito, essas conclusões é tomando por base uma situação hipotética, de modo que o caso concreto poderá apresentar outras circunstâncias que exigirá de uma análise específica.
O dano – lesivo – deve ser resultante da conduta inadequada ou ato culposo do médico, sem o qual o ato ilícito não assume relevância.
No caso de erro médico no parto em que se apresentou como consequência da morte do bebê […] decorrentes de asfixia perinatal associada a distocia por parada secundária de dilatação, causa direita (nexo de causalidade) foi determinada pela atuação inadequada do(a) médico(a) – consoante acima detalhada.
Assim, vislumbra a presença de nexo de causalidade entre a sequência de condutas médicas inadequadas e a asfixia perinatal que levou o recém-nascido ao óbito.
A morte de um filho injustificadamente (que é um dano irreversível), sem dúvidas, desencadeia danos à esfera moral e patrimonial da mãe. E são estes os danos que a vítima poderá pleitear indenização judicial.
Portanto, o magistrado deve analisar se a natureza do dano suportado pela vítima e o eventual nexo com as condutas adotadas pela equipe assistencial.
Demonstrados indubitavelmente os pressupostos da responsabilidade civil dispostos no art. 186 do CC02, surge a obrigação do profissional indenizar a vítima pelos danos causados por este erro médico no parto.
A indenização por erro médico no parto poderá ser a título de compensação por danos morais experimentados pela mãe que perdeu o filho, como sentimentos negativos de depressão, angústia, medo e violação aos aspectos da personalidade (vida, saúde, imagem, intimidade e privacidade).
Outrossim, a mesma indenização pode ter por finalidade o ressarcimento ao patrimônio da vítima do erro médico no parto dos gastos com assistência médica, hospitalar e medicamentosa, desde que resultante do erro.
Haverá o erro médico específico a depender da especialidade médica da qual a conduta médica inadequada praticada originou o dano injusto, como, por exemplo, ginecologia e obstetrícia, que desponta como o ramo da medicina com o maior número de processo por erro médico “no parto”.
A emolduração do erro médico demanda análise acurada de especialista na área do direito médico, a fim de minimizar os possíveis equívocos no julgamento pelo magistrado do caso concreto à luz do direito médico e da ciência médica especializada em obstetrícia e ginecologia.
Vislumbra-se o erro médico, mesmo no caso de obstetrícia-parto, pela comprovação do ato ilícito, conduta inadequada culposa do médico (culpa stritco sensu), nexo de causalidade e dano (CC 02, Art. 186).
Nessa linha de pensamento, poderá surgir mandamento judicial de indenização dos danos – moral ou material – experimentados pela vítima (mãe).
Precede o direito a indenização (CC02, art. 927) por erro médico no parto a comprovação dos elementos previstos no art. 186 do Código Civil.