Em termos simples, pode-se conceituar que a atualização ou correção monetária é a adequação da moeda perante a inflação, dentro de um determinado período de tempo, de acordo com um índice determinado. O objetivo é compensar a perda econômica que a parte credora terá no tempo.
Como tal, essa compensação é embasada no Princípio da Atualização Monetária. Ademais, dado o câmbio fluente da economia brasileira, que representa as oscilações da cotação do dólar em relação à nossa moeda, leva em conta a desvalorização ou valoração do real.
Justamente por isso, a correção monetária pode ser referida por estes dois termos: atualização ou correção monetária, ambos corretos. Insta esclarecer, no entanto, que não é um aumento. De fato, não se trata de um real acréscimo ao valor devido, mas do alinhamento do valor para que o beneficiário não perca poder de compra nem receba menos do que foi deferido em sentença.
Visto isso, passemos à aplicação da correção monetária à Justiça do Trabalho.
No âmbito da Justiça do Trabalho, a correção monetária tem como finalidade a atualização dos créditos trabalhistas de acordo com os índices da inflação.
Segundo a redação da Súmula nº 211 do Tribunal Superior do Trabalho, “os juros de mora e correção monetária incluem-se na liquidação de sentença, ainda que omisso o pedido na petição inicial ou na sentença que determinou a condenação”.
Se o conceito de correção monetária está assentado, o mesmo não ocorre, no entanto, com o índice de correção monetária. Com efeito, há um imbróglio que envolve o fator escolhido para o cálculo em débitos da Justiça Federal do Trabalho.
O tema não é pacífico, conforme será demonstrado a seguir.
O Supremo Tribunal Federal (STF) havia concedido liminar na Reclamação 22.012 suspendendo os efeitos da decisão proferida pelo Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que determinava a correção monetária pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPCA-E), no processo ArgInc-479-60.2011.5.04.0231, e da tabela única editada pelo CSJT.
No entanto, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente, em 05/12/2017, a reclamação constitucional da Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) contra decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de utilização do IPCA-E como índice de correção monetária de débitos trabalhistas, em substituição à Taxa de Referencial Diária (TR-D).
Dessa forma, voltou a prevalecer a decisão do Tribunal Pleno do TST, que havia declarado a inconstitucionalidade da aplicação da TR-D, a partir de 25/03/2015, e determinado sua substituição pelo IPCA-E no Sistema Único de Cálculos da Justiça do Trabalho.
Art. 879. […]
§ 7o A atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme a Lei no 8.177, de 1o de março de 1991. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
No caso específico da inovação legislativa promovida pela Lei nº 13.467/17, a Reforma Trabalhista, constata-se que o dispositivo consolidado apenas renova o texto do art. 39 da Lei nº 8.177/91.
No entanto, a inconstitucionalidade desta Lei fora declarada não sob o aspecto formal, mas sob a ótica material. De fato, ela é contrária ao direito fundamental de propriedade, protegido no art. 5º, XXII, a coisa julgada, a isonomia, o princípio da separação dos Poderes e o postulado da proporcionalidade, além da eficácia e efetividade do título judicial, a vedação ao enriquecimento ilícito do devedor.
Ademais, da leitura do relatório final que conduziu à aprovação do Projeto de Lei nº 6.787/2016, que alterou o texto celetista, não se extrai qualquer esforço argumentativo com vistas a afastar a sólida fundamentação que culminou na declaração de inconstitucionalidade do dispositivo que utiliza a Taxa Referencial como índice de correção monetária dos débitos trabalhistas.
Conforme destacou a Desembargadora Wanda Lúcia Costa Leite França Decuzzi, no julgamento da RT nº 0001584-13.2017.5.17.0001, o artigo 879, §7º, da CLT carece de eficácia normativa. Assim:
A questão antes pacificada ganhou novos contornos com a edição da Lei nº 13.467/17 que, ao acrescentar o §7º ao artigo 879, ressuscitou a aplicação da TR como fator de atualização dos créditos trabalhistas decorrentes de condenação judicial.
Isso nos leva, naturalmente, ao questionamento sobre um possível abuso legislativo na questão do índice de correção monetária.
É necessário relembrar que, embora não seja vedado ao Poder Legislativo editar leis em sentido contrário ao já decidido pela Suprema Corte em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a prerrogativa da reação legislativa não pode ser exercida de forma abusiva. Sob pena de violar o princípio da separação dos poderes.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 5.105/DF, de relatoria do Min. Luiz Fux, apreciou esta discussão. E estabeleceu limites à atuação congressual.
Assim, admite-se a possibilidade de revisão legislativa quando houver fundamentos justificadores capazes de elidir as premissas fixadas pelo STF na seara do controle concentrado de constitucionalidade. Portanto:
Consoante afirmado, não se afigura legítima a edição de leis ordinárias que colidam frontalmente com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal Federal (leis in four face), sem que o legislador se desincumba do ônus de trazer aos autos novos argumentos, bem como de demonstrar o desacerto do posicionamento da Corte em razão de mudanças fáticas ou axiológicas, tomando como parâmetro, por óbvio, a mesma norma constitucional.
Tal parece ser o caso do imbróglio sobre o índice de correção monetária.
Logo, seria possível concluir que o art. 879, §7º, da CLT carece de eficácia normativa no que respeita ao índice de correção monetária em ações trabalhistas.
Nesse sentido vai o recente julgado da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho. Assim:
CORREÇÃO MONETÁRIA DOS CRÉDITOS TRABALHISTAS. ÍNDICE APLICÁVEL. Consoante entendimento adotado pela 8ª Turma, com base na decisão do Tribunal Pleno desta Corte Superior (TST- ArgInc – 479-60.2011.5.04.0231 e ED- ArgInc – 479-60.2011.5.04.0231), na correção dos
créditos trabalhistas aplica-se a TR até 24/3/2015 e o IPCA-E a partir de 25/3/2015. Esta Turma considera ainda, entendimento a que esta relatora se submete por disciplina judiciária, que o art. 879, § 7º, da CLT perdeu a sua eficácia normativa, em face da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 39 da Lei nº 8.177/91, porquanto o dispositivo da legislação esparsa conferia conteúdo à norma da CLT, tendo em vista a adoção de fórmula remissiva pelo legislador. Agravo de instrumento conhecido e não provido.(AIRR – 24488-39.2017.5.24.0031 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 07/11/2018, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/11/2018)”
Apesar disso, insta ressaltar que está pendente de julgamento na referida Corte o incidente de inconstitucionalidade do §7º do art. 879 da CLT, suscitado nos autos do RO – 0002180-60.2014.5.17.0014. Também se encontra aguardando julgamento o incidente de inconstitucionalidade suscitado pela Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho nos autos do RO – 24059-68.2017.5.24.0000.
Em virtude disso, e considerando que não houve determinação em nenhum deles de suspensão dos processos que tratam da matéria, muitos juristas têm mantido o entendimento conclamado no julgamento da ArgInc – 479-60.2011.5.04.0231, citada acima. Ou seja, aplicam o índice IPCA-E como fator de correção monetária dos créditos trabalhistas.
Deveras, o art. 879, §7º, da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/2017, que tratou da TR como índice de correção monetária, não altera o entendimento exposto. Afinal, apenas faz referência à Lei nº 8.177/91, já considerada inconstitucional pelo TST.
Assim, denota-se que o índice de correção monetária aplicado na Justiça do Trabalho ainda não está pacificado. Pelo contrário. Turmas de Tribunais Regionais do Trabalho de todo o Brasil discordam sobre a aplicação do IPCA-E ou mesmo da TR-D.
E no entanto, nem mesmo a vigência da Reforma Trabalhista foi capaz de sedimentar o assunto. Aliás, ela trouxe ainda mais discordância entre os juristas laborais.
Dessa forma, cabe ao Tribunal Superior do Trabalho pacificar o entendimento jurisprudencial sobre o assunto, sob pena de uma grave insegurança jurídica quanto ao tema.
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Bruna de Sá Araújo, advogada no escritório Lara Martins Advogados, coordenadora do Núcleo de Direito do Trabalho do IEAD e especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo IPOG e pela UFG. E-mail para contato: bruna.sa.araujo@gmail.com. Instagram: @desabruna.
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Ainda sou estudante mas pareceu muito claro sem deixar margens a duvidas.
Muito bom,
Parabens!