A mediação e a conciliação são métodos alternativos de resolução de conflitos. Como tais, são regulamentadas pela lei. Para isso, temos a Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que prevê um terceiro facilitador, devidamente qualificado, para atuar na condução de um diálogo com vistas à busca, dos próprios envolvidos (partes e advogados), pela resolução de suas disputas.
Já é amplamente comprovado o quanto, preservada juridicamente a decisão informada na conciliação, a mediação promove maior efetividade no cumprimento das decisões. Também se sabe como ela pode ir além, levando à maior satisfação e qualidade nas relações em geral. E então, refiro-me, sobretudo, às relações familiares.
Por isso, da definição de mediação e conciliação já decorre que a prática é interdisciplinar. Sobre isso, trazemos à baila o ensinamento da ilustre educadora pedagoga Cristina D’Ávila Teixeira:
Do ponto de vista da ciência, disciplina é um tipo específico de saber, possui um objeto determinado e reconhecido, bem como conhecimentos e saberes relativos a este objeto e métodos próprios. A noção de disciplina científica está ligada, pois, ao conhecimento específico. A tentativa de estabelecer relações entre as disciplinas é que dá origem ao que chamamos interdisciplinaridade.”
Assim, admitida a premissa da interdisciplinaridade da mediação, neste artigo, trago as principais áreas com que o mediador dialoga.
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Uma das áreas da Antropologia é o estudo do comportamento familiar e das organizações familiares. Histórica e atualmente, podemos encontrar diversos arranjos familiares. Famílias são formadas por pais, tios, mães, avós, irmãos, casais homoafetivos, dupla paternidade ou maternidade, ou seja, há outros modelos e formas de conviver em família. De tal modo que foram catalogados cerca de 20 tipos diferentes.
Dessa forma, para o mediador, é necessário conhecer qual é o modelo familiar em que se apresenta o confronto. Como o antropólogo, ele deve manter a escuta ao outro enquanto outro. Mesmo que este contradiga seu escopo de crenças prévio.
A respeito dessa questão, Martin Buber, filósofo, escritor e pedagogo austríaco naturalizado israelita, disse:
é preciso estabelecer uma relação pessoa-pessoa para se conseguir afetar e ser afetado, buscando humanizar e transformar o diálogo através das relações.”
Assim, o mediador deve se abster de opinar sobre a forma que os mediandos escolheram viver. Cabe a ele, de fato, auxiliá-los a encontrar um caminho que possibilite harmonicamente essa convivência.
Uma vez que todo o comportamento humano está ligado a emoções, a Psicologia está diretamente ligada à mediação. Especialmente nas relações continuadas, como as familiares, essas emoções podem remontar ao passado do indivíduo. Por isso, são muito fortes e presentes nas sessões.
Nesse sentido, a mediação atua, paralelamente, sobre as questões subjetivas. Todo o universo de sentimentos dos sujeitos precisa ser observado, identificado, compreendido e tratado. Assim, as partes avançam, passando a compreender a necessidade de modificar ações insatisfatórias para satisfatórias.
Para o mediador, cabe observar e estar atento às necessidades emocionais dos envolvidos. Sejam elas básicas, como alimentação, vestuário, transporte e labor, ou não, tudo que é identificado como necessidade precisa ser atendido. Pois o não atendimento pode gerar mais conflitos.
Tratando as necessidades, os envolvidos se sentirão mais empoderados e capazes de decidir seus conflitos.
A Sociologia também tem sido muito presente na mediação de conflitos, em especial nos advindos de relações sociais.
Nesse campo, a cooperação do facilitador toca a preocupação com a não simplificação das questões. Relações são complexas, envolvem jogos de poder não completamente esclarecidos.
Portanto, é preciso ampliar o olhar e compreender que o indivíduo é interligado e afetado por forças sociais. Nesse sentido, uma única manifestação é capaz de despertar todo um conglomerado de interesses relacionados, gerando efeitos múltiplos.
A Sociologia demonstra que o modo de criação, bem como o meio em que seus membros vivem e foram criados, influencia no modo de agir, nas atitudes e no enfrentamento de conflitos.
Cabe ao mediador fazer com que surjam alternativas para que essas relações sejam esclarecidas no discurso e reequilibradas.
No campo das relações, o mediando pode construir em torno de si um muro. Cada ação negativa representa, assim, um tijolo dele. A figura do muro representa o bloqueio das partes ao diálogo.
Interrompia a comunicação, logo está inviabilizada também chegada a um acordo racional aceito por todas as partes. Assim, começam os conflitos. E então, cada indivíduo ficará atrás desse muro, do qual não consegue sair, nem ver a realidade.
A mediação com abordagem filosófica vem com a proposta de incentivar a argumentação e a racionalidade, ou seja, o logos. Nesse sentido, cada sessão promoverá – em um execício maiêutico – a destruição desse muro, tijolo por tijolo, para a saída dos sujeitos à realidade.
Desta, começará a construção de um novo ser. Eduardo Turiel, advogado, conciliador e mediador judicial pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, diz:
No momento do encontro de desconhecidos deve haver uma considerável cautela psicológica e dialética, respeitosamente investigativa, para que ocorra um necessário nivelamento dialógico. A comunicação, na técnica da mediação, deve ser interpretada como um chamamento à instauração de um diálogo desejoso de respostas entre partes para que estas emerjam de seus escapismos. O contato verbal deve ser um convite à composição de interesses.”
“Composição de interesses” nada mais é do que chegar a um acordo racionalmente produzido: a conciliação.
Esse exercício gera o empoderamento social, conforme previsto no art. 1, inciso VII, da Resolução 125/10 do CNJ. Eduardo Turiel o traduz como uma “capacitação pessoal e reengenharia social mútua, ambas operando como habilitação para a convivência pacífica”.
Tais condições conduzem à compreensão das técnicas da mediação de conflitos, como aplicação de engenharia social reversa. Estas abrem espaço para a autorreconstrução dos seres, dispondo-os a uma convivência dialogada e naturalmente harmônica.
Dada sua interdisciplinaridade, a mediação e a conciliação, portanto, atuam para promover a saúde de todos os envolvidos.
Como modo de construção de relações de confiança, de encontro da horizontalidade, da abertura ao outro, da escuta, do diálogo e do entendimento entre as partes, a técnica produz uma nova forma de ser, estar e viver no mundo.
Para os mediandos, isso significa a possibilidade de nível superior de convivência. Ademais, de capacidade de lida e resolução de novos conflitos. Afinal, eles sempre ressurgem.
Entretanto, quando o indivíduo fica bem social, intelectual e psicologicamente, sente-se mais preparado para enfrentar seus conflitos.
A Comunicação Não Violenta (CNV) na mediação é um importante auxílio nas dificuldades de comunicação presentes nas relações. Isso, porque ela proporciona uma conexão de alta qualidade, que explora o lado positivo dos mediandos.
Foi o psicólogo americano Marshall Rosenberg quem sistematizou a técnica. Após anos de estudo, ele percebeu que na maioria das vezes nós nos comunicamos de forma violenta. E isso é aceito pela sociedade. Porém, essa prática gera dor, mágoas e perdas às vezes irreparáveis. Segundo seus ensinamentos, gritar com uma pessoa corta a conexão e a escuta. Consequentemente, interrompe-se o acordo de colaboração.
Buscando melhorar a comunicação, Rosenberg sistematizou 4 passos que podem auxiliar o agente da mediação:
Na mediação, o facilitador busca observar e desenvolver, pelo menos, esses 4 passos. Com isso, ele identificará sentimentos, interesses e necessidades básicas dos mediandos.
À luz desses resultados, poderão ser geradas opções que se adequem à realidade das partes. Além disso, humanizada e sistemicamente, o mediador poderá ajudar no abrandamento de discursos polarizados e negativos, levando a uma solução duradoura de conflitos.
Então, chegamos a mais um ponto da mediação: a programação neurolinguística (PNL). Ela pode ser entendida como a interação entre mente, corpo e linguagem. Funcionando de forma harmônica, ela proporciona uma melhor eficiência na comunicação e no autoconhecimento do indivíduo. PNL e mediação, juntas, geram três ferramentas para o mediador, a saber:
O primeiro passo da programação neurolinguística é a escuta ativa. Saber escutar e silenciar, mais do que falar e aconselhar, é fundamental na mediação.
Isso, tanto para o mediador chegar a uma pressuposição acertada quanto para os mediandos. Lembre-se que estes precisam, antes de mais nada, ser ouvidos.
Após a escuta ativa, o mediador pode fazer a pressuposição. Neste estágio, a partir da visão de mundo de cada indivíduo – inclusive dos advogados –, ele poderá analisar as suas próprias percepções.
Devidamente capacitado, o mediador adentrará no universo mental do indivíduo para tentar entender a concepção de cada um. Assim, ele terá mais recursos para auxiliar as partes de forma mais efetiva.
Feitos os primeiros passos, a Constelação Familiar Sistêmica chega a seu pleno funcionamento. Podemos defini-la como um método terapêutico para tratar questões físicas e mentais, a partir da revelação das dinâmicas ocultas de uma família.
Na mediação, a constelação familiar atua de forma energética e visa solucionar um conflito por vez. Suas dinâmicas consistem em entrar em contato com o campo morfogenético do sistema familiar de cada participante. Esse contato se dá com vistas ao tratamento dos motivos que ocasionaram o desequilíbrio nesse sistema.
O que a constelação familiar revela é a verdade fundamental que mantém a situação dolorosa. Bert Hellinger nos fala que há, além do inconsciente individual e do inconsciente coletivo, um inconsciente familiar que atua em cada membro da família.
Alinhada com a mediação e atendimento humanizado, a constelação familiar vem a somar com resultados amplamente satisfatórias por todos os envolvidos.
Como vimos, o universo da mediação é interdisciplinar. E não poderia ser diferente. Situações conflituosas são, geralmente, geradas por múltiplos fatos. Dada a sua complexidade, a solução requer também a soma de vários recursos.
Como vimos, cada disciplina contribui com um deles. E visam construir relações de confiança, relações equilibradas, abertura ao outro, escuta, diálogo e, finalmente, entendimento e conciliação entre as partes.
Também vimos como o processo produz saúde. Afinal, a técnica, mais que garantir um único entendimento, dota os participantes com recursos que os permitem produzir novos entendimentos. Em suma, a mediação produz uma nova forma de ser no mundo.
Por fim, importa ressaltar que existem outras inúmeras áreas colaborativas que, juntas, vêm a somar em muito na qualidade e eficiência da mediação e no desenvolvimento humano, sobretudo nas comunicações.
No momento oportuno, todas podem ser utilizadas e desenvolvidas com o propósito fundamental da mediação: a paz.
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