A justiça restaurativa tem ganhado cada vez mais espaço no rol de alternativas para a solução consensual dos conflitos que chegam ao poder judiciário.
Embora recentes no Brasil, as metodologias e práticas restaurativas foram abraçadas pelo Ministério Públicos, Tribunais Regionais e Estaduais, associações de classes, entre outras instituições.
Prova disso é a quantidade cada vez mais numerosa de projetos de justiça restaurativa no país – alguns dos quais serão exemplos ao longo deste artigo.
Além dessas experiências, apresentamos aqui uma breve definição sobre o que é a justiça reparativa, sobre suas finalidades e objetivos e, claro, sua aplicação prática. Siga conosco e boa leitura!
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Existem muitas definições na literatura para conceituar o termo “justiça restaurativa”. Mas, de modo geral, podemos dizer que essa é uma abordagem alternativa para a resolução de conflitos entre agressor e vítima, ou ofensor e ofendido.
Outra concepção é a de que a justiça restaurativa é um conjunto de metodologias para a solução consensual de um conflito, a partir da participação ativa dos envolvidos.
Muitos autores, inclusive, utilizam a “participação” como característica central para definir o que é justiça restaurativa. Isso porque, diferente de outras técnicas de resolução consensual de conflitos, aqui o papel principal é atribuído aos participantes.
Cabe ainda trazer uma definição formal, estabelecida pela Resolução nº225/2016, do Conselho Nacional de Justiça, que conceitua a justiça restaurativa nos seguintes termos:
“A Justiça Restaurativa constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado.”
Certo é que, independente da definição, o diálogo é uma das bases da técnica restaurativa.
Como veremos, a maioria das práticas está relacionada à promoção do diálogo entre a vítima (ou ofendido), ofensor, familiares, representantes da comunidade afetada, entre outros agentes.
Assim, pode-se dizer que a justiça restaurativa é um método para construir espaços onde os reais envolvidos nos conflitos têm oportunidade de fala e de escuta.
Como já está claro, portanto, um dos princípios da justiça restaurativa é promover a aproximação e a restauração entre as partes envolvidas.
Evidentemente, para que esse objetivo seja alcançado, é necessário que o ofensor esteja disposto a enxergar e assumir suas responsabilidades.
E, isso se trata não apenas de reconhecer e admitir as responsabilidades frente às vítimas ofendidas, mas também, frente à comunidade e sociedade como um todo.
Busca-se, portanto, promover no ofensor a compreensão de que a reabilitação pode e deve ir além do cumprimento da pena pelo ato cometido.
Assim sendo, pode-se dizer que o objetivo final da prática da justiça restaurativa é alcançar esse reconhecimento por parte do ofensor, mas também atingir o entendimento mútuo entre as partes envolvidas. E, a partir disso, encontrar um ponto de acordo sobre o que deve ser feito – ou seja, sobre como se dará a restituição.
A busca por soluções consensuais recebe, cada vez mais, reconhecimento no sistema de justiça brasileiro.
Prova disso é a redação do novo CPC ( Lei nº 13.105/2015), que traz, entre outras coisas, a premissa de que a conciliação e mediação devem ser incentivadas pelo juiz a qualquer tempo do processo.
A justiça restaurativa, portanto, vai de encontro a essa proposição da legislação, promovendo uma resposta e resolução consentida entre as partes.
Por isso, alguns dos benefícios da justiça restaurativa são similares àqueles alcançados pelas técnicas de autocomposição mais tradicionais.
Por exemplo, uma das vantagens é a resolução mais célere do conflito. Isso ocorre porque, pela justiça restaurativa, as partes não ficam presas aos prazos e ritos formais da justiça penal.
Um efeito colateral da celeridade obtida é a redução de custos no sistema judiciário, já que menos tempo e recursos – humanos e técnicos – são gastos em cada caso.
Além disso, a resolução do conflito enquanto ele ainda é um fato tácito e recente na experiência dos envolvidos, faz com que a percepção da presença – e da eficiência – do Estado aumente.
Na lista de benefícios está também o aumento perceptível da satisfação com a justiça. Pesquisas internacionais, aplicadas em países com sistemas restaurativos consolidados, mostram que a taxa de satisfação pode superar os 80%.
Outro efeito do encontro entre as partes envolvidas e o ofensor é a redução dos efeitos emocionais da vitimização. Já há estudos mostrando, por exemplo, a mitigação do estresse pós-traumático nas vítimas, após passarem por processos restaurativos.
A assunção de responsabilidade pelo ofensor também traz outra consequência positiva. Especialistas têm apontado queda significativa nas taxas de reincidência, bem como na frequência e na gravidade desses episódios.
É difícil determinar ao certo em que país a justiça restaurativa surgiu. Contudo, a maioria dos historiadores concorda que ela foi inspirada em sistemas de justiça de caráter pacificador, praticados em comunidades tradicionais de países tão distintos quanto Nova Zelândia, Canadá e Estados Unidos.
As práticas de justiça restaurativa no âmbito do direito internacional foram regulamentadas, pela primeira vez, em 1999, por meio da Resolução 1999/26, da Organização das Nações Unidas (ONU).
No Brasil, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os primeiros projetos voltados à justiça restaurativa foram implantados, de modo piloto, em 2005, nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal.
Dentre as iniciativas pioneiras na área, pode-se mencionar o programa Justiça para o Século XXI, capitaneado pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul.
O foco desse projeto são crianças e adolescentes, e as metodologias restaurativas, nesse caso, ultrapassam o espaço do judiciário. ONGs, escolas e instituições de aplicação de medidas socioeducativas foram alguns dos locais impactados por essas práticas.
Outro marco na regulação da prática é a Resolução nº 225/2016 do CNJ. Ali, além da definição do que é justiça restaurativa, tem-se a fixação de alguns parâmetros para a realização da prática no Brasil.
Pouco mais de uma década depois, em 2019, o mesmo órgão publicou um estudo mostrando a popularização desse tipo de justiça nos tribunais brasileiros.
A análise mostrou que 96% dos Tribunais de Justiça pesquisados mantinha alguma iniciativa de justiça restaurativa. Já entre os Tribunais Regionais Federais no Brasil, o percentual era de 60%.
Assim, pode-se concluir que, cada dia mais, os métodos restaurativos ganham espaço no sistema judiciário brasileiro.
Por isso, é importante entender no que se baseia essa prática e conhecer os principais termos utilizados na área. É isso o que veremos a seguir.
Os programas de justiça restaurativa implantados no Brasil colaboraram para renovar o glossário utilizado pelos agentes do direito. Novos termos foram incorporados para nomear práticas e agentes no esquema restaurativo.
Vejamos, abaixo, alguns dos termos mais comuns nesse contexto.
De maneira simples, é possível afirmar que o círculo restaurativo nada mais é do que uma roda de diálogo.
Contudo, diferentemente do que ocorreria numa roda comum, no círculo restaurativo o objetivo é sempre buscar a compreensão sobre como os atos praticados afetam o ofensor, a vítima e a comunidade.
Por esse motivo, geralmente, estão presentes no círculo justamente esses três entes – ofensor, vítima e representantes da comunidade impactada.
Importante ressaltar também que o círculo, no contexto das metodologias restaurativas, pode assumir outras formas e métodos. Tem-se, por exemplo, círculos de construção de paz e círculos de sentença.
A metodologia e os procedimentos podem variar de círculo para círculo, mas as premissas costumam se manter.
O diálogo circular, nestes casos, tem inspiração ancestral – comunidades indígenas de várias partes do mundo usam a formação em círculo para discutir questões comunitárias, resolver conflitos e praticar rituais coletivos.
Facilitador, mediador e até mesmo guardião são alguns dos termos utilizados para denominar a pessoa que atua para a facilitação do diálogo entre os envolvidos, durante uma prática restaurativa.
É papel dessa pessoa promover a fala e escuta ativa, mediando a comunicação e mantendo a paz e o respeito entre os envolvidos.
É o facilitador ou mediador quem conduz toda a prática. Dependendo da técnica utilizada, essa figura pode dirigir perguntas aos participantes, nortear os ritos iniciais e finais, entre outras ações.
O processo restaurativo é o caminho percorrido pelas partes envolvidas, para alcançar uma solução consensual e respeitosa.
É, via de regra, um processo participativo, em que as partes necessariamente atuam de forma ativa para a resolução do conflito.
O caminho percorrido por elas – ou seja, o processo restaurativo em si – pode se dar pelo uso de diferentes técnicas. Os círculos restaurativos, mencionados acima, são um exemplo.
Além desses círculos, outras técnicas podem ser o círculo de construção de paz, a reunião restaurativa e a conferência familiar.
Uma vez que diferentes práticas podem ser acionadas, também os resultados atingidos pelo processo restaurativo poderão ser variados.
Eles vão desde o assumpção de responsabilidade do ofensor, o alcance de um acordo entre vítima e ofensor, até a definição de ações de reparação à comunidade
Muito se fala sobre o envolvimento da “comunidade” na justiça restaurativa, mas quem exatamente está representado por esse termo?
De maneira simplificada, a comunidade é o conjunto de pessoas que compõem o círculo em que vítima e o ofensor estão inseridos. Pode incluir o círculo afetivo desses atores, como familiares, amigos e parceiros.
Mas também pode envolver a participação de pessoas que apenas compartilham o mesmo espaço territorial e geográfico com a vítima ou o opressor. Seja no trabalho, no bairro, na escola e na igreja.
Por isso, muitas vezes, os círculos vão incluir líderes comunitários, vizinhos, professores, entre outros.
Cabe explicar que essa dimensão comunitária da prática restaurativa se baseia no princípio da coletividade que norteia a restauração. Pressupõem-se que o dano causado à vítima também impacta, em alguma medida, na sociedade ao redor.
E, da mesma forma, a participação ativa dessa parcela da comunidade no processo restaurativo acaba por colaborar para diminuir a percepção de impunidade entre esse grupo.
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Embora, muitas vezes, a justiça restaurativa esteja associada a resolução de conflitos que envolvem crimes de menor gravidade, essa não é a regra.
Como veremos abaixo, mesmo no Brasil, onde o uso de metodologias restaurativas é uma iniciativa relativamente recente, já é possível encontrar exemplos de aplicação prática em diferentes áreas do direito.
As relações e os conflitos de família são uma esfera propícia para aplicação dos métodos de justiça restaurativa, uma vez que costuma haver vínculo emocional entre os envolvidos.
Assim, as soluções apresentadas pela justiça comum ou retributiva podem não dar conta de restabelecer relacionamentos e relações respeitosas entre as partes.
Geralmente questões de direito da família podem ser remetidas à Justiça Restaurativa em qualquer fase do processo, independentemente de se tratar de procedimento comum ou especial.
E já há exemplos positivos da aplicação dessas técnicas nesta área do Direito. É o caso do projeto Família Restaurativa, promovido pelo Ministério Público do Paraná.
Nessa iniciativa, são utilizadas práticas circulares com a participação de adultos que, sob o pretexto de educar, praticaram violência física, ainda que leve e episódica, contra crianças e adolescentes do seu ciclo familiar.
Da mesma forma, já há estudos apontando a validade de se aplicar os métodos restaurativos em casos de violência doméstica, alienação parental, entre outros conflitos.
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Como mencionamos anteriormente, um dos primeiros programas de justiça restaurativa se deu justamente na esfera da infância e juventude, no Estado do Rio Grande do Sul, por meio do projeto Justiça para o Século XXI.
Mais uma vez, é evidente que os métodos restaurativos podem alcançar resultados positivos neste campo de atuação, já que priorizam o restabelecimento das relações entre as partes.
Da mesma forma, as técnicas restaurativas vão ao encontro dos objetivos das medidas socioeducativas. Em suma, ambas compartilham um caráter educacional e pedagógico.
Diferentes tipos de infrações podem ser abordadas pela via da restauração quando se tem um programa do tipo nas varas de Infância e Juventude.
À título de exemplo, casos de lesão corporal, roubo e roubo qualificado, envolvimento com o tráfico de drogas e até mesmo homicídios foram as situações mais recorrentemente abordadas pela Central de Práticas Restaurativas do Juizado Regional da Infância e da Juventude da Comarca de Porto Alegre.
A justiça restaurativa pode ser aplicada para os crimes mais diversos, em diferentes fases do trâmite processual penal.
É possível, por exemplo, que o juiz já na audiência de custódia, determine, no rol de medidas cautelares especiais, as práticas de justiça restaurativa (Art. 319 do Código de Processo Penal).
Na fase de instrução, o juiz pode oferecer a possibilidade da participação em um programa restaurativo, com a consequente suspensão do processo. Os resultados das práticas restaurativas, nesse contexto, podem ajudar o magistrado a tomar a decisão final.
E, até mesmo quando a pena já foi em parte cumprida, é possível que a participação em práticas restaurativas seja colocada como condição para progressão de regime (Art. 115 da Lei de Execução Penal)
Na fase de execução da pena, importa ressaltar que o processo restaurativo não precisa necessariamente envolver ofensor e vítimas. Pelo contrário, o foco do restabelecimento pode estar nas relações entre o ofensor e seus próprios familiares.
É bastante comum que a resolução alternativa de conflitos e a justiça restaurativa sejam confundidas entre si. Isso porque ambas se valem de técnicas relativamente parecidas – como a mediação e a conciliação.
Porém, enquanto as técnicas de resolução alternativa de conflitos estão focadas em encontrar uma solução consensual e encerrar o trâmite processual, a justiça restaurativa costuma olhar de forma mais ampla e humana para as relações.
Nos processos de justiça restaurativa, são trabalhadas questões como o restabelecimento de vínculos, a redução da reincidência, a assunção de responsabilidades frente à comunidade, entre outros.
Esses aspectos, mais amplos e plurais, costumam receber menos ou nenhum espaço nos procedimentos comuns de resolução alternativa de conflitos.
A justiça restaurativa pode ser entendida como um conjunto de técnicas e práticas para a solução consensual de conflitos. A metodologia da justiça restaurativa está baseada na participação ativa de todos os envolvidos – ofensor, vítima, familiares e comunidade. E a prioridade é sempre a promoção do diálogo entre as partes.
A justiça restaurativa não busca apenas encontrar uma solução consensual para os conflitos. De modo geral, ela procura também restabelecer vínculos entre partes, reduzir danos emocionais, promover a assunção de responsabilidade por parte dos ofensores e, por fim, proporcionar um ambiente de construção conjunta de soluções coletivas para que todos os envolvidos tenham voz e vez.
Diante do exposto, fica claro que a justiça restaurativa, ainda que recente no Brasil, tem sido acolhida pelos tribunais e Ministério Público. Os resultados obtidos com a prática tem facilitado, também, sua popularização.
Assim, é cada dia mais fundamental aos profissionais do Direito – independente de sua atuação – conhecer os princípios básicos e aplicações da justiça restaurativa.
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Professor, Boa Tarde,
Li seus ensinamentos sobre Justiça Restaurativa. Mais claro, objetivo e elucidativo impossível.
Me tire uma dúvida: colaboração premiada e acordo de leniência podem ser compreendidos dentro do conceito de Justiça Restaurativa?
obrigada.