A principal inovação da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13), no ordenamento jurídico brasileiro e no combate à corrupção no país foi a possibilidade de punir a pessoa jurídica corruptora, atacando as duas pontas da corrupção: o servidor público corrupto e a organização privada corruptora.
Um dos principais desafios atuais de Estados democráticos do mundo inteiro é o combate à corrupção, um mal que prejudica toda a sociedade e a Administração Pública. Nesse aspecto, a Lei Anticorrupção apresentou um marco fundamental para atacar esse problema.
Neste artigo, você terá um panorama da Lei Anticorrupção, seu histórico, seus principais pontos e aplicações. Tenha uma boa leitura!
O que é a Lei Anticorrupção?
A lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, conhecida como a Lei Anticorrupção e também como a Lei da Empresa Limpa, traz regramentos sobre a responsabilização civil e administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, tanto dentro do país quanto em solo estrangeiro.
Dessa forma, a lei criou um rol de condutas ilícitas e punições civis e administrativas contra empresas que as cometem, o que não existia no ordenamento jurídico até então.
A Lei Anticorrupção visa coibir as condutas corruptas que empresas possam ter em relação à Administração Pública, principalmente nas licitações e nos contratos realizados pelo Estado com empresas privadas.
Contexto da Lei Anticorrupção
O projeto de lei nº 6.826, que viria a se tornar a Lei Anticorrupção, foi proposta pela Controladoria Geral da União para o Congresso Nacional no dia 18 de fevereiro de 2010.
Na ocasião, o órgão federal do Poder Executivo, que é responsável pela transparência do Poder Público e pela defesa do patrimônio público, emplacava o projeto com o objetivo de adaptar a legislação brasileira às legislações de outros países do mundo que também movimentavam seus legislativos para criar regramentos contra a corrupção.
O Brasil, que vinha participando de convenções mundiais contra a corrupção desde o início do novo milênio, levou mais tempo que os demais países para propor legislações específicas contra a corrupção entre as esferas pública e privada.
A lei foi aprovada na Câmara de Deputados já em maio de 2011, mas passou por diversas revisões e alterações no Senado Federal, o que fez com que o projeto ficasse sem aprovação até 2013.
No contexto da crise política que se instaurou no país com as Jornadas de Junho de 2013, houve grande movimentação das esferas populares e políticas para a aprovação do PL, que foi finalmente aprovado pelo Senado no dia 4 de julho de 2013, tornando-se a lei nº 12.846 em agosto do mesmo ano.
A Lei Anticorrupção entrou em vigor no ordenamento legislativo e jurídico brasileiro no dia 29 de janeiro de 2014, tornando-se o primeiro passo em âmbito legislativo do país para instituir punições específicas contra pessoas jurídicas que atuam de forma corrupta.
Quais são as condutas puníveis na Lei Anticorrupção?
A Lei Anticorrupção apresenta, em seu artigo 5º, um rol de condutas que caso as pessoas jurídicas cometam, podem ser enquadradas como condutas contra a Administração Pública:
“Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:
I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV – no tocante a licitações e contratos:
a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;
V – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.”
A Lei Anticorrupção, portanto, criou uma legislação que pune civilmente e administrativamente a pessoa jurídica (algo até então inédito na legislação brasileira) que praticar o suborno, o financiamento de conduta ilícita em contratos e licitações e aquela que dificulta investigações sobre os casos.
É notável que a Lei da Empresa Limpa tem foco nas relações voltadas às licitações e contratos realizados entre as entidades públicas e privadas. Isso se dá pelo histórico da crise política que se originou no país no tempo em que a lei foi criada, uma vez que os principais escândalos de corrupção do Brasil foram dados dentro desse contexto.
Principais pontos da lei nº 12.846/13
Embora a Lei Anticorrupção seja relativamente curta, com apenas 31 artigos, sendo 29 destes com alguma apresentação legislativa de fato, ela apresentou mudanças fundamentais na penalização da conduta corrupta, principalmente entre entidades públicas e privadas.
Até então, a legislação brasileira só possuía regramentos específicos para punir o servidor público que recebesse propina ou qualquer tipo de incentivo para cometer ato irregular (o corrupto), mas não possuía mecanismos próprios para lidar com o corruptor, quem financia o ato ilícito.
Dessa forma, a lei inovou ao criar legislação suficiente para que fosse possível punir as duas pontas da cadeia de corrupção: aquele que recebe para cometer o ato ilícito e aquele que financia o ato ilícito para obter vantagem própria.
Veremos, abaixo, os quatro pontos mais importantes da Lei da Empresa Limpa:
Responsabilidade objetiva da pessoa jurídica
A lei nº 12.846/13 apresenta, no seu artigo 2º, que as pessoas jurídicas que cometerem os atos considerados ilícitos pela lei serão responsabilizadas objetivamente:
“Art. 2º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.”
A responsabilidade objetiva, como se sabe, é aquela onde não se analisa, ao ser verificada a conduta ilícita, dolo ou culpa. Isso quer dizer que a pessoa jurídica será responsável civilmente e administrativamente a partir da comprovação do ato posto como ilícito pela lei.
É importante destacar que a responsabilidade da pessoa jurídica pelos atos ilícitos apontados pela Lei Anticorrupção não eximem seus representantes físicos de eventuais punições, como aponta o artigo 3º:
“Art. 3º A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.
§ 1º A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput .
§ 2º Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade.”
Dessa forma, pune-se a empresa que comete a lesão à administração pública e também punem-se os representantes e dirigentes, levando em consideração o grau de culpa de cada um dentro do ato corrupto.
A partir da responsabilização da empresa, a Lei da Empresa Limpa apresenta duas classes distintas de punições contra aquela que comete o ato ilícito contra a Administração Pública: as sanções administrativas e civis, que veremos a seguir.
Sanções administrativas
Dentro da responsabilização administrativa da empresa que pratica ato corrupto, há duas penalidades previstas na lei específica: o estabelecimento de multa e a publicação extraordinária da decisão condenatória (art. 6º).
De acordo com a lei, as sanções podem ser aplicadas individualmente ou coletivamente, dependendo do caso concreto e da gravidade do ato cometido.
O artigo 7º da Lei Anticorrupção apresenta os seguintes critérios para aplicação das sanções administrativas:
“Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:
I – a gravidade da infração;
II – a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;
III – a consumação ou não da infração;
IV – o grau de lesão ou perigo de lesão;
V – o efeito negativo produzido pela infração;
VI – a situação econômica do infrator;
VII – a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações;
VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;
IX – o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados.”
Vejamos, abaixo, quais punições administrativas podem ser apresentadas contra a empresa que lesiona a Administração Pública nacional ou estrangeira:
Multa
O valor da multa será estabelecido a partir da gravidade do ato praticado e pelo valor da vantagem econômica conquistada ou buscada pela pessoa jurídica ao cometer o ato contra a Administração Pública, fixando valores da seguinte forma:
“Art. 6º. I – multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação.”
Trata-se de uma multa que, em certas ocasiões, pode resultar na falência da empresa, uma vez que uma multa no valor de 20% do faturamento bruto de uma empresa em um ano pode ser o suficiente para impossibilitar a continuidade do negócio.
Nas situações onde não for possível utilizar o valor bruto do faturamento da empresa no exercício anterior para o cálculo da multa, a lei apresenta valores que podem ir de R$ 6 mil até R$ 60 milhões.
“Art. 6º. § 4º Na hipótese do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).”
A segunda punição administrativa que pode ser imposta à empresa que realiza ato lesivo contra a Administração Pública é a publicação de sua condenação.
Publicação da decisão condenatória
A segunda sanção administrativa é a publicação da decisão condenatória pela empresa que realizou ato corrupto. Essa sanção tem como objetivo o conhecimento do público a respeito do ato, que traz implicações negativas para a marca e a sua participação no mercado.
O parágrafo 5º do artigo 6º da Lei Anticorrupção apresenta como funcionará a publicação da decisão condenatória pela empresa:
“§ 5º A publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores.”
Dessa forma, a publicação extraordinária da condenação pela própria empresa geralmente é mais danosa à pessoa jurídica do que a perda monetária, uma vez que ela mesma terá que apresentar à sociedade que cometeu ato corrupto.
Essa publicação causa sérios danos à imagem da empresa, possibilitando sua exclusão de futuros negócios e afastamento de outras empresas e fornecedores do ramo.
Sanções civis
Dentro da responsabilidade judicial civil da pessoa jurídica, a Lei Anticorrupção aponta quatro tipos de sanções que a empresa que lesiona a Administração Pública nacional ou estrangeira pode sofrer:
“Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:
I – perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;
II – suspensão ou interdição parcial de suas atividades;
III – dissolução compulsória da pessoa jurídica;
IV – proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.”
Dessa forma, as penalizações judiciais podem ir desde o perdimento de bens da empresa até a sua dissolução, dependendo do caso concreto e do grau de gravidade do ato cometido.
Que nem as sanções administrativas, as sanções civis podem ser aplicadas individualmente ou em conjunto, dependendo da atividade ilícita realizada.
A respeito da dissolução da empresa, a Lei Anticorrupção apresenta apenas duas hipóteses onde a condenação resultará na aplicação de tal penalidade:
“§ 1º A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado:
I – ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou
II – ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.”
É importante destacar também que a responsabilidade judicial da empresa também prevê que a mesma pague pelos danos causados, proporcionalmente a eles:
“Art. 21. Nas ações de responsabilização judicial, será adotado o rito previsto na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.
Parágrafo único. A condenação torna certa a obrigação de reparar, integralmente, o dano causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar expressamente da sentença.”
Acordo de leniência
O último ponto crucial da Lei Anticorrupção é a possibilidade do acordo de leniência, que nada mais é do que um acordo entre a Administração Pública e a pessoa jurídica infratora.
Esse acordo tem como objetivo uma troca: a empresa infratora auxilia o Poder Público nas investigações e no processo, tendo como moeda de troca a possibilidade de diminuição das penas aplicáveis ao caso concreto.
O artigo 16 da Lei da Empresa Limpa apresenta que o acordo só será fechado se a contribuição da empresa resultar em avanços materiais na apuração do caso.
“Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:
I – a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e
II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.”
O artigo 16 da lei específica também apresenta uma série de requisitos que a empresa deve preencher para que o acordo de leniência seja possível. São eles:
“§ 1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I – a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;
II – a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo;
III – a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.”
Assim sendo, o acordo de leniência é uma cooperação entre a pessoa jurídica e a Administração Pública, onde a empresa colabora com as investigações, assume sua participação, podendo ser beneficiada, então, com a atenuação de possíveis penas a serem aplicadas.
Mudanças na Lei Anticorrupção: conheça o Decreto 11.129/22
Cerca de 9 anos após a aprovação da Lei Anticorrupção, foi aprovada uma nova normativa legal para reforçar e regulamentar algumas disposições dessa Lei, em especial no que diz respeito à responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas. Estamos falando do Decreto 11.129, aprovado em julho de 2022.
O texto faz algumas modificações, principalmente no sentido de consolidar certas práticas que já estavam determinadas em pareceres da Controladoria Geral da União (CGU). Abaixo, veremos alguns dos principais acréscimos trazidos pelo decreto 11.129/22.
Novas regras para as investigações preliminares em suspeitas de corrupção
Na prática, a investiçação preliminar é um procedimento sigiloso, e não tem caráter punitivo (Art. 3º, Decreto 11129/22). Ela serve especificamente para apurar indícios de autoria e materialidade relacionados a atos lesivos contra a administração pública federal.
Segundo o Decreto 11.129, as investigações preliminares podem ser abertas pelo titular da corregedoria da entidade ou da unidade competente, por meio de despacho fundamentado. Tais investigações tem prazo de 180 dias, podendo eventualmente ser prorrogadas, por demanda do mesmo órgão que requereu sua abertura (Art. 3º, § 4º).
Durante a condução desse tipo de investigação, é possível averiguar movimentações bancárias, solicitar documentações de pessoas físicas e jurídicas, requisitar a análise de profissionais com conhecimentos técnicos específicos, entre outras ações. Na letra da lei:
[Art. 3º] § 3º Na investigação preliminar, serão praticados os atos necessários à elucidação dos fatos sob apuração, compreendidas todas as diligências admitidas em lei, notadamente:
I – proposição à autoridade instauradora da suspensão cautelar dos efeitos do ato ou do processo objeto da investigação;
II – solicitação de atuação de especialistas com conhecimentos técnicos ou operacionais, de órgãos e entidades públicos ou de outras organizações, para auxiliar na análise da matéria sob exame;
III – solicitação de informações bancárias sobre movimentação de recursos públicos, ainda que sigilosas, nesta hipótese, em sede de compartilhamento do sigilo com órgãos de controle;
IV – requisição, por meio da autoridade competente, do compartilhamento de informações tributárias da pessoa jurídica investigada, conforme previsto no inciso II do § 1º do art. 198 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional;
V – solicitação, ao órgão de representação judicial ou equivalente dos órgãos ou das entidades lesadas, das medidas judiciais necessárias para a investigação e para o processamento dos atos lesivos, inclusive de busca e apreensão, no Brasil ou no exterior; ou
VI – solicitação de documentos ou informações a pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, nacionais ou estrangeiras, ou a organizações públicas internacionais.
Alterações no Processo Administrativo de Responsabilização (PAR)
O Decreto 11.129/22 tratou de definir as etapas e procedimentos de um Processo Administrativo de Responsabilização, mais conhecido como PAR. Ele consolida fatos já praticados, como a composição da comissão do PAR.
Entretanto, também define regras novas. É o caso, por exemplo, da descrição dos itens básicos de uma indiciação, ao final da apuração do PAR. Sendo elas:
Art. 6º Instaurado o PAR, a comissão avaliará os fatos e as circunstâncias conhecidas e indiciará e intimará a pessoa jurídica processada para, no prazo de trinta dias, apresentar defesa escrita e especificar eventuais provas que pretenda produzir. […]
§ 2º O ato de indiciação conterá, no mínimo:I – a descrição clara e objetiva do ato lesivo imputado à pessoa jurídica, com a descrição das circunstâncias relevantes;
II – o apontamento das provas que sustentam o entendimento da comissão pela ocorrência do ato lesivo imputado; e
III – o enquadramento legal do ato lesivo imputado à pessoa jurídica processada.
Alterações no cálculo de multas, a partir de fatores agravantes e agravantes
O novo decreto 11.129/22 traz em seu corpo uma seção específica para tratar das multas devidas em função da prática de atos lesivos no escopo da Lei Anticorrupção. Especificamente no que tange à multa, a Lei 12.846/13 prevê:
Art. 6º Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções:
I – multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e
Com isso em mente, o decreto 11.129 estabelece os seguintes farores agravantes gerais para aplicação das multas por corrupção:
Fatores agravantes em multas
FATOR AGRAVANTE | ACRÉSCIMO |
Quando há concurso dos atos lesivos | até 4% |
Quando há tolerância ou ciência de pessoas do corpo diretivo ou gerencial da pessoa jurídica | até 3% |
Interrupção no fornecimento de serviço público, na execução de obra contratada ou na entrega de bens ou serviços essenciais à prestação de serviços públicos ou no caso de descumprimento de requisitos regulatórios | até 4% |
Quando a situação econômica do infrator que apresente índices de solvência geral e de liquidez geral superiores a um e lucro líquido no último exercício anterior ao da instauração do PAR | 1% |
casos de reincidência, assim definida a ocorrência de nova infração, idêntica ou não à anterior, tipificada como ato lesivo, em menos de cinco anos, contados da publicação do julgamento da infração anterior | 3% |
Com base no valor do contrato, convênio, acordo, ajuste ou similar, que foi objeto de ato lesivo, tem-se também um novo cálculo de agravo para as multas. Sistematizamos abaixo as determinações do art. 22, VI. Confira
Fatores agravantes segundo o valor do contratoVALOR DO CONTRATO ACRÉSCIMO Valor superior a R$ 500 mil 1% Valor superior a R$ 1.5 milhão 2% Valor superior a R$ 10 milhões 3% Valor superior a R$ 50 milhões 4% Valor superior a R$ 250 milhões 5%
Fatores atenuantes para as multas
O art. 23 do decreto 11.129/22 estabelece também os fatores que podem atenuar o valor das multas contra entes envolvidos em atos lesivos à administração pública, conforme previsto na Lei Anticorrupção. Aqui, estamos falando de percentuais de subtração. Confira:FATOR ATENUANTE SUBTRAÇÃO Não consumação da infração até 0.5% Devolução espontânea pela pessoa jurídica da vantagem auferida e do ressarcimento dos danos resultantes do ato lesivo até 1% Inexistência ou falta de comprovação de vantagem auferida e de danos resultantes do ato lesivo até 1% A depender do grau de colaboração da pessoa jurídica com a investigação ou a apuração do ato lesivo, independentemente do acordo de leniência até 1,5% Quando há admissão voluntária pela pessoa jurídica da responsabilidade objetiva pelo ato lesivo até 2% Em caso de comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de integridade até 5%
Novas regulamentações para os acordos de leniência
Dentre as diversas modificações trazidas pelo Decreto 11.129/22, chama especial atenção às novas regras para firmar acordos de leniência. O texto legal de 2022 estabelece parâmetros, que precisarão ser cumpridos pelas pessoas jurídicas que desejem firmar acordos de leniência (Art. 37). Dentre eles, destaque para:
- ser a primeira a manifestar interesse em cooperar para a apuração de ato lesivo específico, quando tal circunstância for relevante;
- ter cessado completamente seu envolvimento no ato lesivo a partir da data da propositura do acordo;
- admitir sua responsabilidade objetiva quanto aos atos lesivos;
- cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo e comparecer, sob suas expensas e sempre que solicitada, aos atos processuais, até o seu encerramento;
- fornecer informações, documentos e elementos que comprovem o ato ilícito;
- reparar integralmente a parcela incontroversa do dano causado; e
- perder, em favor do ente lesado ou da União, conforme o caso, os valores correspondentes ao acréscimo patrimonial indevido ou ao enriquecimento ilícito direta ou indiretamente obtido da infração, nos termos e nos montantes definidos na negociação.
No disposito 11.129/22, também são estabelecidos mais claramente os papéis da CGU e da AGU, bem como, ficam dispostas as regras para formalizar o acordo, e os procedimentos após seu cumprimento integral. De modo geral, a avaliação é de que o decreto dá mais segurança jurídica aos acordos de leniência como um todo.
Reforço aos programas de integridade
Os artigos 56 e 57 do decreto 11.129/22 tratam especificamente dos programas de integridade, a serem adotados pelas pessoas jurídicas. Está claro que a lei tornou-se mais rígida em relação a esses programas, uma vez que sua efetivação resulta no maior percentual de atenuação de multas.
Um dos maiores acréscimos do novo texto diz respeito aos parâmetros de avaliação da eficiência de um programa de integridade. Os rol de fatores inclui, agora, 18 itens. Alguns dos principais são:
- comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa, bem como pela destinação de recursos adequados;
- padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente do cargo ou função exercida, podendo também ser estendidos a terceiros, como fornecedores e associados;
- treinamentos e ações de comunicação periódicos sobre o programa de integridade;
- gestão adequada de riscos, incluindo sua análise e reavaliação periódica, para a realização de adaptações necessárias ao programa de integridade;
- registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica;
- independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e pela fiscalização de seu cumprimento;
- existência de canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e mecanismos destinados ao tratamento das denúncias e à proteção de denunciantes de boa-fé;
- o setor do mercado em que atua;
- o grau de interação com o setor público e a importância de contratações, investimentos e subsídios públicos, autorizações, licenças e permissões governamentais em suas operações; e
- a quantidade e a localização das pessoas jurídicas que integram o grupo econômico.
Perguntas frequentes sobre a lei anticorrupção
A lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, conhecida como a Lei Anticorrupção e também como a Lei da Empresa Limpa, traz regramentos sobre a responsabilização civil e administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, tanto dentro do país quanto em solo estrangeiro.
A Lei Anticorrupção prevê sanções administrativas e civis.
As sanções administrativas envolvem multas e publicação de decisão condenatória.
As sanções civis envolvem perdimento de bens, direitos ou valores; suspensão ou interdição das atividades da empresa; dissolução compulsória da empresa; e proibição de receber incentivos, subsídios ou subvenções.
Conclusão
A principal inovação da Lei Anticorrupção no ordenamento jurídico brasileiro e no combate à corrupção no país foi a possibilidade de punir a pessoa jurídica corruptora, atacando as duas pontas da corrupção: o servidor público corrupto e a organização privada corruptora.
Assim sendo, os 31 artigos da lei nº 12.846/13 podem parecer poucos, mas apresentaram um avanço significativo no combate à corrupção no Brasil, possibilitando que a legislação brasileira se adaptasse aos esforços internacionais para combater um grande problema do mundo contemporâneo.
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Gostei muito do seu artigo. Cita e explica precisamente vários pontos da lei anticorrupção. Apenas uma “provável” ressalva sobre o final da parte que você fala sobre o acordo de leniência: deu-me a entender que a empresa “…paga pelos danos causados em troca de uma atenuação de suas possíveis penas aplicáveis.” Porém, como diz o paragráfo único do artigo 21 da referida lei, a reparação pelos danos causados por conduta ilícita é obrigação da empresa, independente de ter ou não acordo de leniência. No mais, muito obrigado pelo artigo. Me ajudou bastante!
Olá, Willian!
Obrigado pelo seu comentário. Já estamos verificando a redação do trecho mencionado.
Abraço!
Conteúdo muito esclarecedor, eu iniciei os meus estudos sobre Compliance e pesquisando sobre as leis que terei de estudar na minha Pós, cheguei até este conteúdo. Muito obrigada por disponibilizar.