Praticar preços abusivos, combinar condições de participação em licitações ou ainda adquirir empresas concorrentes de modo a tornar-se dominante num mercado. Eis algumas das práticas passíveis de punição frente a nova Lei Antitruste (12.529/11) brasileira.
Mas o arcabouço de definições trazidas por essa legislação vai além da determinação de infrações e penas no âmbito do Direito Econômico e Concorrencial.
A Lei 12.529/11, nova Lei Antitruste, tem o mérito ainda de criar e estruturar um sistema para defesa da concorrência no país. Ela altera uma série de pontos que vigoravam até então, e cria mecanismos de controle e fiscalização.
Por isso, neste artigo, além de listar as principais mudanças trazidas pela Lei Antitruste, veremos o contexto histórico em que se insere essa legislação e entenderemos como se deu a construção de políticas antitrustes no país.
Ao final, você ainda ficará atualizado(a) quanto a recentes alterações legislativas no texto da Lei 12.529, promovidas pela Lei 14.470, de novembro de 2022. Fique conosco, e boa leitura.
No Brasil, a Lei 12.529/11, conhecida como nova Lei Antitruste, é o principal dispositivo para controle e combate à formação de trustes no mercado concorrencial. No entanto, você consegue definir o que são “trustes”?
De modo simples, podemos dizer que trustes são estruturas econômicas em que empresas – que já detém a maior parte de um determinado mercado – se juntam ou se fundem para controlar seu ramo de atuação.
Entre as práticas danosas realizadas pelos trustes, está o estabelecimento de preços abusivos para maximizar os lucros, por exemplo. Por isso, o Direito Concorrencial, sobre o qual falamos neste artigo, se preocupou em estabelecer uma legislação para evitar a formação desses monopólios.
Na prática, portanto, a Lei Antitruste (Lei 12.529/11), sancionada em 30 de novembro de 2011, vem para consolidar o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Esse organismo reúne os conselhos e secretarias responsáveis pela regulação da concorrência no Brasil.
Por meio da estruturação do SBDC, mas também pelas diretrizes gerais que definem as políticas de combate, infrações e penas, a nova Lei Antitruste acaba por tornar-se o principal dispositivo regulador para prevenção e repreensão às infrações contra a ordem econômica.
Contudo, como veremos a seguir, a Lei 12. 529/11 não é a pioneira quando se fala em Lei Antitruste do Brasil. Antes dela, em 1994, foi sancionada a Lei 8.884, primeira legislação dedicada ao tema no país.
Como muitas vezes ocorre, também no desenvolvimento de políticas públicas antitruste no Brasil, a inspiração veio a partir do que já acontecia fora do país.
De maneira geral, não há consenso por parte dos estudiosos sobre a origem das primeiras políticas antitruste no mundo.
Alguns afirmam que as primeiras leis antitruste teriam surgido na América do Norte, sobretudo no Canadá e Estados Unidos.
Outros, no entanto, defendem que a Europa, e sobretudo a Áustria, foi o berço das primeiras políticas de combate aos trustes e monopólios em geral.
Certo é que esse tipo de política legislativa surge na esteira do Iluminismo, entre os séculos XVII e XVIII, e dos movimentos de industrialização dos países.
Com estados capitalistas e um forte crescimento das indústrias, a concentração de mercado, as práticas de preço abusivas e a concorrência desleal tornam-se preocupações de governantes e legisladores.
É então que se iniciam discussões para definir quais práticas caracterizam a formação de trustes e interferem na livre concorrência. Essas definições acabariam por inspirar também as leis brasileiras.
Uma das referências, quando se trata de legislação antitruste no mundo, é certamente, o caso dos Estados Unidos. A primeira legislação sobre o tema, no país norte americano, foi promulgada ainda em 1890.
Estamos falando do Sherman Act, um diploma legal que teve como virtude ser uma das primeiras tentativas claras de combater a concentração de capital e os monopólios. A ideia central era promover a concorrência saudável e equilibrada entre os agentes econômicos.
É consenso que as discussões que resultaram na redação final do Sherman Act serviram para nortear as leis antitruste – e o direito econômico como um todo – em boa parte do mundo. A própria lei brasileira bebe nessa fonte.
Outra legislação que merece destaque é o Clayton Act – que recebeu essa alcunha por ter sido proposta pelo senador estadunidense Henry Clayton.
Trata-se de uma lei, também norte-americana, promulgada em 1914, para complementar o disposto no Sherman Act. Ali, são listadas novas práticas que podem resultar em infração à livre concorrência.
Dentre as práticas condenadas pela Clayton Act está a fixação de preços abusivos e as fusões e aquisições que geram monopólios. Conforme abordaremos nas próximas seções, essas são algumas práticas nocivas previstas também na Lei Antitruste brasileira.
Para pesquisadoras como Andreia Forgioni, autora do livro Os fundamentos do antitruste (Revista dos Tribunais, 2018), no entanto, a gênese das primeiras legislações antitruste é ainda mais antiga. Ela cita as diretrizes que norteavam as relações comerciais em cidades mercantis, como Florença, nos séculos XII e XIII.
Para Forgioni, as primeiras leis antitruste têm seu berço na Europa. É o caso do Statute of Monopolies, publicado ainda em 1624, pelo parlamento inglês, com o intuito de limitar os poderes dos soberanos para a concessão de monopólios.
As primeiras disposições em favor do direito da concorrência no Brasil se deram no governo de Getúlio Vargas, entre 1930 e 1945. Sobretudo, por meio da inclusão de artigos que tratavam do livre mercado na constituição federal.
Mas a primeira lei que abordou diretamente o combate aos trustes no Brasil só seria sancionada em 1962, no governo de Juscelino Kubitschek.
Estamos falando da Lei 4.137/62 que, para regular o abuso de poder econômico, criou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O órgão, no entanto, permaneceu subutilizado por quase três décadas.
Apenas em 1994 o Cade viria a ganhar efetividade. Nesse ano, sancionou-se o que convencionou-se chamar de primeira Lei Antitruste no Brasil.
Trata-se da Lei 8.884/94, que além de modificar as atribuições do Cade e sua estrutura de governança – o órgão passa a ser uma autarquia federal – ainda contribuiu para deixar mais claro o que de fato constitui infração à ordem econômica no país.
É também pela Lei 8.884/94 que se estabelecem as penas e os trâmites que devem ser seguidos nos processos administrativos de apuração e julgamento das infrações desse tipo.
Embora o disposto nessa lei tenha sido consideravelmente modificado pela nova Lei Antitruste (Lei 12.529/11), é impossível negar sua importância como primeira legislação específica em matéria de antitruste no país.
Leia mais sobre o papel do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Agora que você já conhece o contexto histórico em que se deu o desenvolvimento da política antitruste no Brasil, é hora de entender qual o impacto da nova Lei Antitruste.
A maioria dos doutrinadores avalia que esse dispositivo legal não impactou o direito material de forma relevante, já que manteve quase que inalteradas as disposições sobre infrações e penas.
Todavia, não se pode ignorar que a nova Lei Antitruste (Lei 12.529/11) colaborou para fortalecer os organismos de regulação da concorrência, e estabeleceu critérios mais claros para os processos de fiscalização e controle.
É nesse sentido que caminham as quadro principais modificações que selecionamos, abaixo. Vejamos!
A nova Lei Antitruste tem por virtude estruturar um sistema para regular questões concorrenciais no país. De acordo com o Art. 3º da lei, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) é composto por três órgãos: Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda.
Como mencionado anteriormente, o Cade já existia enquanto órgão desde 1962 (Lei 4.137/62) e, enquanto autarquia federal, desde 1994 (Lei 8.884/94).
A mudança trazida pela nova Lei Antitruste, neste sentido, é de estabelecer com mais clareza quais são as atribuições do Cade, e quais funções ficam distribuídas pelas outras instâncias do SBDC.
De modo geral, o Cade tem seu poder ampliado. O órgão ganha três divisões internas: a Superintendência Geral, o Departamento de Estudos Econômicos e o Tribunal Administrativo (Art. 5º).
A Superintendência instrui e investiga as acusações de infração à ordem econômica, que serão posteriormente julgadas pelo Tribunal Administrativo. Já o Departamento de Estudos deve conduzir pesquisas e pareceres para embasar a atuação do órgão.
Enquanto isso, à SEAE, cabe, de forma não exclusiva, apenas a regulação e promoção da concorrência entre os órgãos do governo.
A antiga Lei Antritruste (Lei 8.884/1994) previa, no seu Art. 23, que os responsáveis por infrações à ordem econômica fossem penalizados com multas variando de 1% a 30% do valor do faturamento bruto no seu último exercício, excluídos os impostos.
Já a nova redação da Lei Antitruste (Lei 12.529/11) altera esses percentuais, limitando-os em porcentagem inferior. Nos termos do Art. 37, a previsão passa a ser de multa de 0,1% a 20% do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado.
Ainda segundo o mesmo artigo da lei, considera-se, para esse cálculo, o faturamento obtido no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração.
Para o professor Rodrigo de Camargo Cavalcanti, a mudança na dosimetria da pena – que passa a considerar o exercício anterior e o ramo de atividade – abre margem para discussões e interpretações diversas.
Na visão dele, a nova redação não estabelece uma categorização para os ramos de atividade, tampouco deixa claro como se calcula o início do “exercício anterior à instauração do processo”.
De qualquer forma, é essencial que os profissionais que atuam na advocacia corporativa, em departamentos jurídicos de empresas, estejam cientes dessa alteração na norma.
Outra modificação que merece atenção dos operadores do Direito é em relação à necessidade de apresentação prévia, ao Cade, de quaisquer operações que possam representar concentração de mercado.
A antiga lei, em seu Art. 54, não previa a necessidade das empresas apresentarem previamente ao Cade esses atos.
Por outro lado, esse artigo estabelecia diretrizes para definir quando cabia levar a questão ao órgão – com base no faturamento ou participação de mercado de qualquer uma das empresas envolvidas na transação.
Com o advento da nova Lei Antitruste, esses critérios foram modificados. Além da exigência de apresentação prévia, a legislação passa a considerar também as receitas obtidas no Brasil das demais empresas envolvidas na transação, ou dos seus grupos econômicos.
Assim, deixa-se de considerar apenas o faturamento, e ganha expressividade também o volume de negócios representado pelos grupos econômicos no país.
Além disso, a apresentação dos atos de concentração ao Cade torna-se fator decisivo para a consolidação das concentrações (Art. 88). O órgão passa a ter 240 dias, a contar do protocolo de petição, para realizar o controle.
A não apresentação dos atos ao Cade, ou mesmo a consumação da concentração antes de sua apreciação pelo órgão, passam a gerar dois ônus: a nulidade dos atos e a incidência de multa, variando de R$60 mil até R$60 milhões.
A nova Lei Antitruste trata de deixar claro quais são as fontes de receita do Cade (Art. 28), mas também estabelece outras medidas de fortalecimento do órgão.
É o caso, por exemplo, da previsão de criação de 200 cargos de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, trazida pelo Art. 121.
Já no Art. 122, tem-se a prerrogativa de que o SBDC poderá requisitar servidores da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional. Com isso, se fortalecem não apenas os recursos financeiros, mas também de pessoal, destinados ao órgão.
Embora já tenhamos esclarecido aqui o que é a Lei Antitruste e quais as principais modificações trazidas pela nova redação, cabe ainda discriminar quais são as infrações combatidas por esse dispositivo.
De modo geral, a Lei Antitruste não repreende apenas a formação de trustes, mas também prevê penas para uma série de outras infrações contra a ordem econômica.
Essas infrações estão descritas no Art. 36 da lei. Dentre as principais, temos:
Como se vê, as infrações vão desde as condições de produção até a distribuição de bens ou serviços. Abarcam, ainda, a relação com concorrentes, fornecedores e adquirentes. E, não menos importante, versam até mesmo sobre o desenvolvimento de novas tecnologias e a propriedade intelectual.
Cabe ressaltar que essas são apenas algumas das condutas infracionais mais comuns no âmbito da Lei Antitruste. Consulte o Art. 36 deste diploma legal para verificar todas as infrações passíveis de sanção.
Em novembro de 2022, foi sancionada um novo texto legal, que altera alguns pontos da Lei Antitruste ou Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/11). Estamos falando da Lei 14.470/2022, que alterou dois artigos da legislação orininal, e adicionou outros dois.
Em resumo, esse novo dispositivo legal veio para esclarecer alguns procedimentos processuais realizados junto ao CADE e à justiça comum, que não haviam ficado completamente claros no texto da Lei Antristruste.
Como principais modificaçoes trazidas pela Lei 14.470/22, elencamos três pontos, a seguir.
O art. 47 da Lei Antitruste passa a vigorar com modificações. A partir de agora, algumas condutas consideradas infração à ordem econômica concedem à pessoa prejudicada a possibilidade de ser ressarcida em dobro (em relação aos prejuízos que teve). A lista de condutas a qual se aplica essa regra compreende os incisos I e II do § 3º do art. 36, onde se lê:
§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:
I – acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:
a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;
b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;
c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;
d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;
II – promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;
São, portanto, condutas que caracterizam a prática de cartel. Mas, cabe ressaltar, os § 2º e 3º deixam claro que a regra do dobro não se aplica às situações em que o acusado firma um acordo de leniência com o CADE ou um termo de compromisso de cessação (TCC) da prática, que tenha sido dado como cumprido pelo órgão.
Para além disso, no que tange ao acordo de leniência, o novo texto deixa claro que, ao confessar práticas que caracterizam infração, o signatário do acordo responderá apenas aos danos que efetivamente causou. Não responderá solidariamente, portanto, por danos causados pelos demais autores da infração.
Essa última medida é, claramente, uma garantia adicional aos signatários de acordos de leniência ou de TCCs.
A Lei 14.470/2022 adiciona à Lei Antitruste o art. 46-A, que trata da prescrição de um direito muito específico. Estamos falando do direito das pessoas prejudicadas a ingressar em juízo para obter:
Assim, as ações ajuizadas com essa finalidade passam a prescrever em cinco anos, contados a partir da ciência inequívoca do ilícito. In verbis:
Art. 46-A. Quando a ação de indenização por perdas e danos originar-se do direito previsto no art. 47 desta Lei, não correrá a prescrição durante o curso do inquérito ou do processo administrativo no âmbito do Cade.
§ 1º Prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão à reparação pelos danos causados pelas infrações à ordem econômica previstas no art. 36 desta Lei, iniciando-se sua contagem a partir da ciência inequívoca do ilícito.
§ 2º Considera-se ocorrida a ciência inequívoca do ilícito por ocasião da publicação do julgamento final do processo administrativo pelo Cade
Por fim, outra adição promovida pela Lei 14.470/22 está contida no Art. 47-A, e diz respeito à tutela de evidência. Como se sabe, esse tipo de tutela é o instrumento que possibilita, no ordenamento jurídico brasileiro, a antecipação total ou parcial do mérito de um processo judicial antes que a decisão final seja proferida.
Assim, o art. 47-A traz que:
Art. 47-A. A decisão do Plenário do Tribunal referida no art. 93 desta Lei é apta a fundamentar a concessão de tutela da evidência, permitindo ao juiz decidir liminarmente nas ações previstas no art. 47 desta Lei.
Logo, entende-se que as decisões referentes às multas ou obrigações de fazer ou não fazer (referidas no art 93), quando tomadas em ações de reparação de danos movidas por pessoas prejudicadas, podem gerar consequências aos réus de modo mais imediato.
A Lei Antitruste (Lei 12.529/11) é um dispositivo legal que estabelece condições para a prevenção e repreensão a uma série de infrações contra a ordem econômica no Brasil, incluindo-se aí a formação de trustes, cartéis ou monopólios.
Além de estabelecer o que são as infrações contra a ordem econômica e quais suas penas, a Lei Antitruste também colabora na estruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC).
De acordo com o Art. 2, o disposto na Lei Antitruste é aplicável às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional. Ou ainda, quando essas práticas produzem ou possam vir a produzir efeitos no território brasileiro.
No caso das empresas estrangeiras, é possível que elas sejam submetidas à Lei Antitruste sempre que domiciliadas no Brasil. Isto é, sempre que operem ou tenham no país filial, agência, sucursal, escritório, estabelecimento, agente ou representante.
Como vimos, a nova Lei Antitruste (Lei 12.529/11) tem um papel fundamental na consolidação dos órgãos de controle e fiscalização das relações concorrenciais no Brasil, sobretudo do Cade.
A nova redação dessa legislação contribuiu ainda para esclarecer as condições em que as empresas precisam submeter suas operações aos órgãos reguladores.
Frente a isso, cabe aos profissionais do direito – sobretudo aqueles que atuam no âmbito corporativo – compreender as particularidades dessa lei. Ademais, devem orientar e monitorar todas as operações societárias, e de fusão e aquisição, de seus clientes.
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