Com os cidadãos cada vez mais interessados em acompanhar a atuação de órgãos públicos, exigindo transparência, tornou-se necessário criar mecanismos para viabilizar essa participação.
Um dos instrumentos legais que merece destaque é a Lei de Responsabilidade Fiscal, promulgada no ano de 2000, com o objetivo de regulamentar a gestão fiscal dos entes públicos, estruturando etapas transparentes para tanto.
Nesse artigo, abordaremos os principais aspectos da LC nº 101/00, desde conceitos, objetivos e seus pilares. Confira!
A Lei Complementar nº 101 de 4 de maio de 2000, denominada de “Lei de Responsabilidade Fiscal”, visa regulamentar a gestão fiscal, as responsabilidades e o uso de recursos financeiros dos poderes e dos entes públicos, bem como os integrantes da Administração Indireta.
Do art. 1º, §1º da Lei Complementar nº 101/00, extraímos o conceito da responsabilidade fiscal:
Art. 1º, §1º. A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.
Dessa definição, nota-se que, para que os entes ajam com responsabilidade perante os gastos públicos, devem contar com uma ação planejada, pautada na transparência.
Essa ação, por sua vez, deve:
Diante disso, pode-se afirmar que a Lei de Responsabilidade Fiscal é um verdadeiro instrumento de transparência referente à forma como os entes públicos utilizam seus recursos financeiros.
Conforme mencionado, a Lei de Responsabilidade Fiscal é uma legislação complementar.
Uma lei complementar é criada para explicar, detalhar ou definir alguma matéria previamente indicada e ordenada na Constituição Federal.
Muitos artigos da CF contém a frase “será objeto de Lei Complementar”. No caso da Responsabilidade Fiscal, a “ordem constitucional” está descrita no art. 163, que diz:
Art. 163. Lei complementar disporá sobre:
I – finanças públicas; […]
Assim, com objetivo de cumprir a determinação prevista na Constituição Federal, a lei complementar surge para delinear normas a respeito de um tema. E, como visto, é o que ocorreu com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
De acordo com o Tesouro Nacional, é objetivo da Lei de Responsabilidade Fiscal garantir a saúde financeira dos entes e poderes públicos, a aplicação correta dos recursos e uma boa herança administrativa para os futuros gestores – tudo isso com a devida transparência para com os cidadãos.
Assim, cabe aos entes públicos respeitar os limites e restrições legais quanto às despesas e gastos públicos, dentro da competência e capacidade de arrecadação tributária de cada um.
Para viabilizar esse objetivo, cada órgão deve se submeter a um plano orçamentário, contendo limite de gastos e a finalidade a ser cumprida na aplicação de determinadas verbas.
A Lei de Responsabilidade Fiscal define os entes que se submetem às suas regras. São eles:
Essa previsão está localizada no art. 1º, §3º, inciso I, da LC nº 101/00.
Vale destacar que, com relação às empresas estatais dependentes, estão englobadas aquelas cuja maioria do capital seja controlada por ente público, bem como aquelas que recebam recursos públicos para sua atividade/manutenção.
Para que os objetivos da Lei de Responsabilidade Fiscal sejam alcançados, ela se fundamenta em quatro pilares: o planejamento, a transparência, o controle e a responsabilidade.
O planejamento consiste nos elementos que darão suporte técnico para a gestão fiscal dos entes públicos.
Nele, estão compreendidos mecanismos operacionais, como: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária (LOA).
É importante mencionar que o Plano Plurianual foi vetado da LC nº 101/00, entretanto, este continua sendo uma exigência, pois está previsto no texto constitucional.
A partir desses três instrumentos de planejamento, é possível programar a gestão fiscal e orçamentária dos órgãos, respeitando diretrizes e limites neles impostos.
Para saber mais, leia nosso guia completo sobre evasão fiscal.
A transparência refere-se aos mecanismos colocados à disposição dos cidadãos, com viés democrático, a fim de que possam não apenas participar, como também fiscalizar as ações realizadas pelos órgãos públicos.
Alguns dos instrumentos são: participação em audiências públicas, divulgação de gastos com pessoal, divulgação de relatórios de gestão fiscal e execução orçamentária, entre outros.
Para melhor elucidar, vale uma leitura do Art. 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que trata sobre a transparência:
Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.
Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.
O terceiro pilar da Lei de Responsabilidade Fiscal é o controle, o qual também pode ser compreendido como fiscalização.
Assim sendo, o controle refere-se aos meios de colocar em prática o que foi previsto na referida Lei, possibilitando a fiscalização das atividades relacionadas à gestão fiscal e aos recursos públicos utilizados por cada órgão público.
Esse controle deve ser rigoroso e contínuo, devendo ser realizado principalmente pelos Tribunais de Conta, sem retirar a participação dos cidadãos na fiscalização.
Por fim, alcançamos o quarto pilar da LC nº 101/00: a responsabilidade.
É por meio deste pilar que os gestores e responsáveis pelos órgãos e poderes públicos devem se submeter à Lei de Responsabilidade Fiscal, sob pena de sofrerem sanções e penalidades contidas na própria lei e em outros diplomas legais.
Desta forma, para atuar dentro da lei, os preceitos da Lei Complementar devem ser seguidos e atendidos, de modo que a doutrina compreende a referida lei como um verdadeiro Código de Condutas para gestores públicos.
As sanções previstas ao longo da Lei de Responsabilidade Fiscal são, em grande maioria, restrições impostas aos órgãos públicos no tocante à criação de cargos, concessão de vantagens, provimento de cargos públicos, realização de atos que impliquem aumento de despesa e impedimentos referentes ao recebimento de verbas.
Entretanto, vale destacar que, além das sanções contidas na LC nº 101/00, existe um capítulo no Código Penal denominado “Crimes contra as finanças públicas”, o qual foi acrescentado no diploma legal pela Lei 10.028/00.
Dentre as condutas consideradas crimes, destacamos:
A Lei de Responsabilidade Fiscal possui 75 artigos, divididos entre diferentes capítulos e seções. Por conta do seu tamanho, destacamos alguns dos principais conceitos definidos na lei.
Veja só:
Embora tenha sido vetado na Lei de Responsabilidade Fiscal, o Plano Plurianual merece destaque, pois compõe a estratégia de gestão fiscal dos órgãos públicos.
O PPA está previsto no art 165 da Constituição Federal:
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
I – o plano plurianual;
II – as diretrizes orçamentárias;
III – os orçamentos anuais.
§ 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.
Seu objetivo, conforme visto acima, é estabelecer objetivos e metas a serem cumpridos pela Administração Pùblica Direta, ao longo de um período de quatro anos, no tocante às despesas de capital de cada ente público.
Assim sendo, nota-se que ele é mais abrangente que a LDO e a LOA.
A LDO está prevista no art. 4º da Lei de Responsabilidade Fiscal e visa atender ao disposto no art. 165, §2º, da Constituição Federal.
Nela, devem conter as seguintes disposições:
Além disso, junto a ela haverá um Anexo de Metas Fiscais, contendo os objetivos anuais, definidos em valores monetários, referentes a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes.
A LOA, por sua vez, está prevista no art. 5º da LC nº 101/00.
Para sua elaboração, devem ser atendidos os dispositivos constantes no Plano Plurianual, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Seu objetivo é definir o planejamento de gastos e despesas de um órgão público no período de um ano.
A previsão de arrecadação de receita pública está no art. 11 da LC nº 101/00.
Por receita pública entende-se todos os recursos arrecadados por determinado ente ou poder público, podendo ser dividida em orçamentárias e extraorçamentárias.
As receitas orçamentárias são recursos financeiros disponíveis para o erário, enquanto as extra orçamentárias representam apenas entradas compensatórias.
Prevista no Capítulo IV da Lei de Responsabilidade Fiscal, a despesa pública consiste na aplicação do dinheiro arrecadado pelos órgãos públicos, de acordo com os gastos previamente definidos no PPA, na LDO e na LOA.
Esse dispêndio também deverá custear serviços públicos e investimentos em prol da sociedade.
A partir de todo o exposto, nota-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal atua como um verdadeiro programa de compliance para os entes e poderes públicos.
Por meio dela, são definidos planos, diretrizes, metas e objetivos que devem ser cumpridos por cada órgão público, no tocante ao uso de verbas públicas e variadas despesas, sempre visando à transparência.
Desta forma, seu cumprimento é obrigatório e pode sujeitar os gestores públicos a sanções administrativas, civis e penais.