Lei do Superendividamento: o que muda com a Lei 14.871/21

O Mapa da Inadimplência e Negociação de Dívidas no Brasil, do Serasa, apontava que mais de 68 milhões de brasileiros estavam endividados em 2022. Para prevenir que mais pessoas atinjam essa situação, e para facilitar a renegociação de dívidas, foi aprovada a Lei 14.871/21, conhecida como Lei do Superendividamento.

Na prática, esse novo dispositivo legal altera o Código de Defesa do Consumidor. A modificação no CDC tem impactos claros para os consumidores superendividados. Mas, também tem efeitos sobre as empresas em geral e, principalmente, sobre as instituições financeiras e de crédito.

Neste artigo você verá o que é a Lei do Superendividamento, o que muda a partir dela, como proceder para renegociar dívidas e, claro, entenderá quais as principais oportunidades geradas pelo texto da Lei 14.871/21 para advogados e profissionais do Direito.

O que é a Lei do Superendividamento?

A Lei do Superendividamento (Lei 14.871/21) é um dispositivo legal que regulamenta a prevenção e o tratamento do superendividamento. Em resumo, superendividado é a pessoa que não consegue pagar todas as suas dívidas sem comprometer a sua subsistência.

Assim, fica claro, a nova legislação tem um impacto direto sobre os consumidores, alterando e complementando o Código de Defesa do Consumidor (CDC). O novo texto estabele claramente os procedimentos que devem ser seguidos para renegociar ou repactuar as dívidas – sempre priorizano a conciliação e mediação, em detrimento do processo judicial.

Por outro lado, não se pode desprezar o impacto da Lei do Superendividamento sobre as empresas, em especial, instituições financeiras e de crédito. O texto a Lei 14.871/21 é bastante claro ao vetar condutas e materias publicitários que possam levar o consumidor ao endividamento. Ao mesmo tempo, obrigando as corporações a adequarem contratos, termos de adesão e processos de oferta.

Nesse cenário, a nova Lei do Superendividamento cumpre um importante papel na jornada rumo à redução do endividamento e à proteção do consumidor – principalmente o consumidor hipervulnerável. O vídeo abaixo colabora no entendimento da dimensão desse desafio:

– Conceito de superendividamento (Art. 54-A da Lei do Superendividamento)

Um dos principais acréscimos trazidos pela Lei 14.871/21 é a definição de “superendividamento”. No art. 54-A, parágrafo 1º , acrescentado ao CDC, tem-se o seguinte conceito:

Art. 54-A

§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.

Nessa definição, um conceito sobressaí: o “mínimo existencial”. Não se trata de algo novo, no entanto. A monografia da Dra. Giovanna Malavolta da Silva mostra que a teoria do mínimo existencial aparece na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal desde 2005, pelo menos.

O trabalho aponta, contudo, que a ideia de mínimo existencial é usada pelo Tribunal de maneira difusa. Ao longo dos últimos anos, em análises de casos concretos, o STF entendeu que as operações de crédito consignado não poderiam prever desconto superior a 30% do salário do celetistas, de modo a garantir o mínimo existencial.

Contudo, a matéria não está de todo pacificada. No princípio de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou, em rito repetitivo, uma temática que impacta no mínimo existencial. No Tema Repetitivo 1085, o órgão entendeu que o limite percentual de desconto máximo em folha salarial não se aplica aos contratos de empréstimos comuns em conta corrente. Na decisão, um dos magistrados destacou que “a prevenção do superendividamento não deve ocorrer por meio de indevida intervenção judicial nos contratos de mútuo, em substituição ao Poder Legislativo.”.

De qualquer forma, pode-se dizer que superendividado é o consumidor que, de boa-fé, não consegue pagar todas as suas dívidas de consumo sem, com isso, comprometer, sua subsistência. Dívidas de consumo, cabe ressaltar, são aquelas relacionadas a aquisição de bens e serviços, como:

  • contas de luz, água, internet;
  • boletos, carnês, parcelamentos;
  • dívidas no cartão de crédito, no crédito consignado, ou outras modalidades de empréstimos com bancos e financeiras.

Nas dívidas de consumo não se incluem, por exemplo, dívidas relacionadas ao pagamento de impostos, de crédito habitacional (para a compra de imóveis), ou mesmo, débitos gerados pela aquisição de produtos de luxo.

– Histórico de aprovação da Lei do Superendividamento

Como explicou o colunista do blog da Projuris, Rafael Brasil, a nova Lei do Superendividamento tem origem no PL nº 3515/2015. De autoria do então senador José Sarney, o projeto de lei começou a ser discutido ainda antes de 2015.

O tema vinha sendo debatido desde 2010, no âmbito da Comissão de Juristas de Atualização do Código de Defesa do Consumidor. Segundo a agência de notícias do Senado Federal, a comissão realizou pelo menos 37 audiências públicas, antes de apresentar o anteprojeto de modificação do CDC.

Assim, vê-se que o texto que culminou na Lei 14.871/21 foi gestado durante quase uma década. Ao longo dos quase 6 anos em que tramitou na Câmara de Deputados, o PL 3515/2015 passou por uma comissão especial, recebeu mais de 10 propostas de emenda, e a partir de meados de 2020, passou a tramitar em regime de urgência.

Percebe-se, portanto, que a Lei do Superendividamento, sancionada em 1º de julho de 2021, teve sua aprovação em um contexto pandêmico, quando a crise sanitária da Covid-19 acelerava ainda mais o processo de endividamento no Brasil.

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Para quem se aplica a Lei 14.871/21? Entenda quem é considerado superendividado

O texto da nova lei do superendividamento, entre outros pontos, contribui com o Código de Defesa do Consumidor ao estabelecer alguns parâmetros que ajudam a definir quem é considerado superendividado.

O primeiro requisito, disposto no Art. 54-A, diz respeito a pessoa que é atendida por essa legislação. Entende-se que superendividado é, para os efeitos da lei, apenas a pessoa natural. Assim, pessoas jurídicas em situação similar precisam recorrer a outros diplomas do ordenamento jurídico, como a Lei de Recuperação Judicial.

O segundo ponto que ajuda a definir o superendividado é a intenção com que a dívida foi contraída. A Lei 14.871/21 aplica-se apenas ao endividamento decorrente de boa-fé, contraído para atender à necessidades básicas – e não para a compra de itens de luxo, por exemplo. Explicitamente, no Art. 54-A:

§ 3º O disposto neste Capítulo não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.

E, o terceiro ponto, já discutido acima, se refere ao comprometimento da subsistência da pessoa – ideia traduzida pela expressão “mínimo existencial”.

Assim, em resumo, a Lei do Superendividamento se aplica:

  • a pessoas naturais (não jurídicas);
  • a pessoas que contraíriam suas dívidas de boa-fé (sem fraudes);
  • às dívidas de consumo (contas de água, luz, boletos e carnês, etc), e não às dívidas relacionadas a impostos ou à aquisição de bens de luxo;
  • a pessoas que, em decorrência do pagamento da dívida, podem ter seu mínimo existencial comprometido.

Lei do Superendividamento para consumidores: procedimentos para acioná-la

Uma vez que se constata a situação de superendividamento, a pergunta natural é: quais os procedimentos determinados pela Lei 14.871/21?

Antes de mais nada, é necessário ressaltar que o texto legal não dispõe apenas sobre o tratamento d superendividamento. Está incluso na letra da lei algumas disposições que vão no sentido de previnir o endividamento, sobretudo a partir da educação financeira do consumidor.

Entretanto, quando a dívida já está instalada, há alguns passos previstos na Lei de Superendividamento, que podem ser seguidos pela pessoa superendividada – e precisam ser conhecidos por qualquer advogado que atue na seara do Direito do Consumidor. Vamos conhecer quais são esses procedimentos?

1. Encaminhamento ao núcleo de mediação e conciliação

O primeiro passo, de acordo com a Lei do Superendividamento, é buscar a ajuda da Justiça ou dos órgãos de defesa do consumidor. Os tribunais de justiça dos estados e do Distrito Federal já estão fazendo um esforço para se adaptar a lei.

Assim, o consumidor superendividado deve reunir documentos que comprovem tanto as dívidas, quanto os seus rendimentos mensais. De posse desses documentos, deve confeccionar um requerimento que manifeste sua vontade de repactuar suas dívidas, por meio de audiência com os credores e fornecedores.

A justiça, a partir desse requerimento, convocará os credores, marcará uma data determinará que um magistrado ou profissional de conciliação presida a audiência. Em alguns estados, órgãos como o Procon receberam treinamento e podem, também, conduzir audiências desse tipo.

Importa lembrar que os procedimentos de mediação e acordo são novidades acrescidas ao Código de Defesa do Consumidor pela Lei 14.871/21, no art. 5º, inciso VII.

2. Homologação do acordo, quando houver

Na audiência de mediação e conciliação, a pessoa superendividada terá oportunidade de negociar e repactuar alguns pontos, como:

  • prazos de pagamento: é possível pleitear, por exemplo, a ampliação do prazo de pagamento ou a mudança das datas de vencimento de cada parcela da dívida.
  • encargos relacionados: pode-se discutir a redução de juros, taxas e multas aplicadas sobre o endividamento.
  • Valor da dívida: pode-se obter a redução do valor total da dívida, bem como, do montante de parcelas restantes e do valor de cada uma delas.

O acordo pode ser aceito ou não pelas partes. Em geral, os credores presentes na audiência e que aceitarem o acordo serão priorizados no pagamento. Na sentença, que tem valor de título executivo judicial e força de coisa julgada, deve constar, de acordo com o Art. 104-A:

§ 4º Constarão do plano de pagamento referido no § 3º deste artigo:

I – medidas de dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida ou da remuneração do fornecedor, entre outras destinadas a facilitar o pagamento da dívida;

II – referência à suspensão ou à extinção das ações judiciais em curso;

III – data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes;

IV – condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento.

A sentença do acordo pode, ainda, determinar que sejam suspensos os prazos e encargos relacionadas a dividas junto a credores e fornecedores que foram convocados, mas que não se fizeram presentes na audiência. Se houver ações de cobrança contra o consumidor, é possível que o magistrado determine, ainda, a suspensão dessas ações.

3. Se necessário, negociação da dívida pela via judicial

Em alguns casos, o acordo de conciliação voluntária não será firmado, ocasião em que o superendividamento poderá ser tratado pela via judicial. A única parte autorizada a acionar essa via é o consumidor, e esse tipo de processo recebeu o nome de “processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes”.

Se o consumidor optar por esse tipo de procedimento, deverá incluir já na petição inicial os documentos que comprovem sua dívida e seus rendimentos. Idealmente, na petição deverá constar o plano de pagamento da pessoa superendividada. Ainda, o art. 104-B, § 1º, da Lei do Superendividamento, permite que sejam utilizados em juízo os documentos apresentados na fase anterior, de conciliação.

Fica a cargo do juiz convocar uma audiência inicial, onde pode-se, novamente, tentar uma solução consensual. Caso esta não seja atingida, procedem-se as demais fases da instrução. Na análise e revisão dos contratos firmados pelo consumidor, o juiz poderá contar com a ajuda de um administrador, desde que não onere nenhuma das partes (Art. 104-B, § 3º).

Ao final, em juízo, deverá ser elaborado um plano judicial compulsório, para o pagamento das dívidas e encargos remanescentes. Sobre esse plano, o art. 104-B traz as seguintes diretrizes:

§ 4º O plano judicial compulsório assegurará aos credores, no mínimo, o valor do principal devido, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço, e preverá a liquidação total da dívida, após a quitação do plano de pagamento consensual previsto no art. 104-A deste Código, em, no máximo, 5 (cinco) anos, sendo que a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado de sua homologação judicial, e o restante do saldo será devido em parcelas mensais iguais e sucessivas.’

Assim, a repactuação pela via judicial caracteriza-se por ser um processo mais demorado. De qualquer forma, cabe salientar que a Lei do Superendividamento, ainda que priorize as modalidades de resolução consensual, não deixa de regulamentar o processo judicial de superendividamento. Isto representa, certamente, um ganho para todas as partes.

Lei do Superendividamento nas empresas: adequações necessárias

Muito tem se falado sobre os impactos da Lei do Superendividamento sobre o consumidor. Entretanto, é fato que o novo dispositivo legal não versa apenas sobre esse lado da relação consumerista. Para prevenir e evitar o superendividamento, a Lei 14.871/21 tratou de criar novas regras para empresas.

O novo regramento discorre sobre a publicidade, práticas de venda e, claro, abarca também os contratos e termos de adesão. Assim, a lei exige das empresas em geral, e das instituições financeiras e de crédito em específico, uma série de adequações.

Vejamos, abaixo, algumas das principais ações que precisam ser tomadas pelos departamentos jurídicos, para garantir a conformidade legal frente a nova Lei do Superendividamento.

– Revisar materiais de marketing e vendas (Art. 54-B da Lei do Superendividamento)

De modo geral, a redação da Lei 14.781/21 valoriza a oferta de crédito de modo responsável e estabelece novos marcos para o controle da publicidade nesse cenário.

Sobretudo no que tange às empresas que ofertam crédito, o artigo 54-B passa a exigir a apresentação de uma série de informações obrigatórias, que visam prevenir o endividamento do consumidor. Na letra da Lei:

Art. 54-B. No fornecimento de crédito e na venda a prazo, além das informações obrigatórias previstas no art. 52 deste Código e na legislação aplicável à matéria, o fornecedor ou o intermediário deverá informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre:

I – o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem;

II – a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento;

III – o montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de 2 (dois) dias;

IV – o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor;

V – o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito, nos termos do § 2º do art. 52 deste Código e da regulamentação em vigor.

[…]

Ademais, a lei é clara ao vedar algumas condutas na oferta – publicitária, ou não – de crédito ao consumidor. No artigo 54-C, portanto, listam-se as seguintes práticas vedadas:

II – indicar que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor;

III – ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo;

IV – assediar ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio;

V – condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou à desistência de demandas judiciais, ao pagamento de honorários advocatícios ou a depósitos judiciais.

Nesse sentido, a lei protege o consumidor hipervulnerável – isto, é, aquele consumidor que, pelas suas condições, está ainda mais vulnerável ao assédio dos fornecedores. É o caso, por exemplo, dos idosos.

Logo, as empresas devem, a partir de agora, ser ainda mais rígidas no controle das ofertas feitas aos consumidores.

– Rever termos de adesão, contratos e condições de tomada de crédito

É comum que as empresas utilizem, no seu dia a dia, contratos padronizados para firmar negócios jurídicos com os consumidores, incluindo contratos cujo objeto é a oferta de crédito. Com a Lei do Superendividamento, tornou-se necessário revisar esses contratos, de modo a garantir que não firam as novas diretrizes do CDC.

Na seara contratual, convem destacar, ainda, que a nova legislação deixa clara a conexão do contrato de consumo com o contrato de crédito. No art. 54-F, especificamente, essa determinação fica clara no caput, onde se lê “São conexos, coligados ou interdependentes, entre outros, o contrato principal de fornecimento de produto ou serviço e os contratos acessórios de crédito que lhe garantam o financiamento”.

Ademais, a lei regulamenta o direito ao arrependimento nesse tipo de contrato, e estabelece que a invalidade do contrato principal está condicionada, também, a conexão deste com o contrato de crédito:

§ 4º A invalidade ou a ineficácia do contrato principal implicará, de pleno direito, a do contrato de crédito que lhe seja conexo, nos termos do caput deste artigo, ressalvado ao fornecedor do crédito o direito de obter do fornecedor do produto ou serviço a devolução dos valores entregues, inclusive relativamente a tributos.

– Adequar procedimentos internos relacionados ao consumidor, treinando as equipes

Com o advento da Lei do Superendividamento, fornecer treinamento aos atendentes e vendedores que atuam diretamente na negociação com o consumidor final tornou-se imperativo. Isso porque a lei tipifica uma série de condutas que precisam ser adotadas.

Principalmente nas companhias que ofertam crédito aos consumidores, passa a ser obrigatório, de acordo com o Art. 54-D:

I – informar e esclarecer adequadamente o consumidor, considerada sua idade, sobre a natureza e a modalidade do crédito oferecido, sobre todos os custos incidentes, observado o disposto nos arts. 52 e 54-B deste Código, e sobre as consequências genéricas e específicas do inadimplemento;

II – avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, observado o disposto neste Código e na legislação sobre proteção de dados;

III – informar a identidade do agente financiador e entregar ao consumidor, ao garante e a outros coobrigados cópia do contrato de crédito.

No mesmo sentido, no art. 54-G, é possível encontrar a descrição de algumas condutas que são vedadas, como por exemplo:

II – recusar ou não entregar ao consumidor, ao garante e aos outros coobrigados cópia da minuta do contrato principal de consumo ou do contrato de crédito, em papel ou outro suporte duradouro, disponível e acessível, e, após a conclusão, cópia do contrato;

[…]

§ 1º Sem prejuízo do dever de informação e esclarecimento do consumidor e de entrega da minuta do contrato, no empréstimo cuja liquidação seja feita mediante consignação em folha de pagamento, a formalização e a entrega da cópia do contrato ou do instrumento de contratação ocorrerão após o fornecedor do crédito obter da fonte pagadora a indicação sobre a existência de margem consignável.

§ 2º Nos contratos de adesão, o fornecedor deve prestar ao consumidor, previamente, as informações de que tratam o art. 52 e o caput do art. 54-B deste Código, além de outras porventura determinadas na legislação em vigor, e fica obrigado a entregar ao consumidor cópia do contrato, após a sua conclusão.’

Muitas vezes, vendedores e atendentes mantém práticas arraigadas de venda, que não vão ao encontro do novo texto legal. Assim, por questões compliance, torna-se fundamental adequar esses procedimentos.

Sanções para empresas que descumprirem a Lei 14.871/21 (Art. 54-D)

Agora que você já conhece algumas adequações que se fazem necessárias, nos processos corporativos, para atender a nova Lei do Superendividamento, é hora de descobrir o que acontece quando a organização não atende a essas determinações.

Para além de processos judiciais e administrativos que podem ser movidos pelo consumidor afetado, a Lei 14.871/21 prevê também outras sanções às empresas que não adequarem suas práticas publicitárias, de venda e de contratação. Como se lê no parágrafo único do art. 54-D:

O descumprimento de qualquer dos deveres previstos no caput deste artigo e nos arts. 52 e 54-C deste Código poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.

Oportunidades para advogados, a partir da Lei 14.871/21

Como você viu, a Lei do Superendividamento provocou uma série de alterações nas práticas de quem atua com Direito do Consumidor. Cotidianamente, esse dispositivo legal tem ajudado a criar novas oportunidades de atuação nessa seara.

Abaixo, confira algumas dessas oportunidades para dois tipos de profissionais: advogados autônomos ou de escritórios de advocacia, e advogados corporativos.

Advogados autônomos ou de escritórios

Se você atua de forma autônoma, ou junto a um escritório de advocacia, a Lei do Superendividamento oferece oportunidades, no atendimento à consumidores superendividados, que tem interesse em repactuar suas divídas.

Nestes casos, é papel do advogado ajudar o cliente a identificar cláusulas contratuais abusivas ou irregularidades nos termos de adesão, práticas de venda que induziram seu cliente ao erro ou engano, juros e taxas abusivos, entre outros pontos que podem servir de base para a renegociação.

Além disso, é fundamental que o advogado esteja ciente dos novos procedimentos implementados pela Lei 14.871/21, para assim poder orientar seu cliente.

Advogados corporativos ou de departamentos jurídicos

Está claro que a nova Lei do Superendividamento, sobretudo no trecho que compreende os artigos 54-A a 54-G, estabelece medidas de prevenção ao endividamento que afetam diretamente as práticas empresariais.

Como você viu ao longo deste artigo, há novas regras de publicidade, novos requisitos para contratos e termos de adesão e, claro, novas práticas na oferta e venda. Se você atua em empresas do ramo financeiro, ou se sua empresa disponibiliza ofertas de crédito, é urgente buscar a adaptação das práticas internas e dos materiais de publicidade e venda.

Nesse cenário, o advogado corporativo pode atuar no desenho de um plano de conformidade legal para atender à Lei 14.871/21. A construção desse plano deve ser seguida pela sua implementação, em todos os níveis hierárquicos.

Entretanto, o trabalho não termina aí. Para garantir o compliance da operação, é fundamental que os departamentos jurídicos estabeleçam práticas de análise de contratos e de auditoria dos procedimentos internos, periodicamente.

Por fim, outro ponto fundamental, é se adiantar às ações judiciais. Atualmente, no mercado, já há soluções capazes de integrar-se com o Procon, ou ainda, coletar as informações do processo enquanto ele ainda está em distribuição. É o caso, por exemplo, do Projuris Empresas, plataforma de inteligência legal que ajuda a monitorar processos judiciais e administrativos, contratos, entre outras demandas de governança.

Perguntas frequentes

O que é a Lei de Superendividamento?

A Lei 14.871/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, é um dispositivo legal que altera o Código de Defesa do Consumidor (CDC), para estabelecer medidas de prevenção e tratamento ao endividamento. A lei determina, portanto, quais procedimentos legais e administrativos a pessoa superendividada pode adotar, para repactuar suas dívidas. Dispõem também sobre o que as empresas em geral, e as financeiras em específico, podem ou não fazer, a fim de evitar que consumidores hipervulneráveis sejam induzidos ao endividamento.

Como entrar na lei do superendividamento?

As diretrizes de renegociação de dívidas previstas na Lei do Superendividamento se aplicam exclusivamente a pessoas naturais (e não pessoas jurídicas), que tenham contraído dívidas de consumo, com boa-fé, e que se veem impossibilitadas de quitar essas dívidas sem, com isso, comprometer o seu mínimo existencial (isto é, sua subsistência). Portanto, a lei não se aplica ao endividamento de empresas, e não contempla dívidas com tributos, com crédito habitacional, ou ainda, com a compra de produtos ou serviços de luxo, de alto valor.

Conclusão

Diante do exposto ao longo deste artigo, fica claro que a Lei do Superendividamento tem um papel crucial, não só na regulação dos procedimentos de renegociação de dívidas, mas também na proteção do consumidor.

Para além, não se pode negar o impacto do texto da Lei 14.871/21 para as empresas. Por meio da Lei do Superendividamento, portanto, criam-se oportunidades de atuação, tanto para advogados de escritórios de advocacia, quanto para aqueles que trabalham no meio corporativo.