Apenas em 2020, as ferrovias no Brasil transportaram mais de 489 milhões de toneladas úteis e ocupam, segundo os dados mais atualizados, 21% do modal de transportes no país. Para dar mais segurança jurídica a essas operações e acelerar investimentos, foi aprovada a Lei 14237/21, ou Marco Legal das Ferrovias.
A nova legislação ajudou a preencher uma lacuna de regulamentação – motivo pelo qual ficou conhecida também como “Lei das Ferrovias”. Para além, acabou por alterar de modo significativo a maneira como as operações ferroviárias são outorgadas e exploradas no Brasil.
Neste artigo, veremos as principais alterações promovidas por esse Marco Legal, além de conhececermos os caminhos que levaram à aprovação desse texto. Ao final, você ainda encontrará um panorama sobre os desafios da gestão de contratos, no novo modelo de exploração.
Fique conosco, e boa leitura!
O Marco Legal das Ferrovias (Lei 14.273), também conhecido como “Lei das Ferrovias”, é uma legislação federal brasileira, aprovada em dezembro de 2021, que regulamenta o setor ferroviário do país.
Em termos gerais, a Lei 14.273 visa promover a modernização, a expansão e a eficiência dos serviços ferroviários no Brasil. Segundo os relatores do projeto à época de sua discussão nas câmaras legislativas, tal dispositivo legal também serviria para fomentar a competição e a inovação no setor.
O Marco das Ferrovias, portanto, estabelece regras mais claras para a exploração de linhas ferroviárias, pelo setor público e, principalmente, pelo privado. Também cria diretrizes gerais para a gestão de recursos e de investimentos, bem como, para a prestação de serviços de transporte de cargas e passageiros, e prevê incentivos para a entrada de novos investidores no setor.
Além disso, o Marco Legal das Ferrovias também contempla ações para garantir a segurança ferroviária, a proteção do meio ambiente e a atração de novos investimentos.
O Marco Legal das Ferrovias foi apresentado no Senado Federal ainda em 2018, pelo Senador José Serra (PSDB/SP). Enquanto PLS 261/18, o projeto tramitou por comissões daquela casa legislativa, como a Comissão de Serviços de Infraestrutura e a Comissão de Assuntos Econômicos.
Aprovado em outubro de 2021, o projeto seguiu para a Câmara dos Deputados, onde foi renumerado como 3754/2021. Recebido em novembro de 2021, o PL tramitou em regime de urgência e foi aprovado pela Câmara já em 14 de dezembro.
Antes que o ano se encerasse, em 23 de dezembro de 2021, o presidente à época, Jair Messias Bolsonaro, sancionou o texto legal, com vetos. Dentre os diversos vetos realizados, chama a atenção a recorrência de um argumento. Trata-se da ideia de que “o risco de implantação do empreendimento é exclusivo do particular”, motivo pelo qual certas obrigações não caberiam ao estado. Dentre elas, destaque para:
Os vetos foram lidos por especialistas que acompanham o setor como uma forma de flexibilizar os processos de exploração ferroviária no Brasil, incentivando investimentos privados.
Como veremos nas próximas sessões, tal incentivo é manifesto sobretudo pela mudança no regime de exploração, que deixa de se dar por concessão e passa a ocorrer por autorização. Vamos entender o que isso significa?
A Lei 14273 (Marco das Ferrovias) trouxe uma série de novas regulamentações para as empresas que já operam concessões de ferrovias, bem como, para aquelas que pretendem adentrar ao setor. Com isso em mente, separamos alguns das alterações mais significativas trazidas pelo texto legal, em especial:
Confira o que efetivamente mudou, abaixo
Originalmente, a exploração de ferrovias no Brasil se dava por meio de contratos de concessão, de prazo determinado, realizados a partir de um processo licitatório. Com a nova Lei das Ferrovias (Lei 14273/21), a concessão foi subtituída pela autorização.
Com a mudança para o regime de autorização, as empresas ferroviárias passam a se responsabilizar pela construção e manutenção das infraestruturas ferroviárias, incluindo trilhos, estações e outros equipamentos, por prazo determinado (art. 19). O período de tempo varia de 25 a 99 anos – cabendo prorrogação por períodos sucessivos.
Para obter a autorização, não é mais necessário passar por licitação. Basta apresentar um requerimento ao regulador ferroviário, nos termo do art. 25, parágrafo primeiro, do Marco Legal das Ferrovias. Os contratos de concessão, neste cenário, dão lugar a contratos de adesão
A Lei prevê ainda a possibilidade de que o Poder Executivo realize chamamentos para identificar interessados em fazer a exploração de ferrovias (art. 26)
Além disso, as empresas autorizadas deverão cumprir os termos e condições estabelecidos na autorização, incluindo condições de segurança e qualidade do serviço. A autorização compreende tanto operações de transporte de carga quanto de passageiro.
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A partir da entrada em vigor do Marco Legal das Ferrovias, o regime de exploração é a autorização. Mas, o que acontece com as empresas ferroviárias que já operam em regim de concessão?
O texto da Lei 14.273/21 se encarregou de estabelecer diretrizes para esses casos, no art. 64, cujo caput expressa claramente:
Art. 64. A concessionária ferroviária federal com contrato vigente na data de promulgação desta Lei poderá requerer a adaptação de seu contrato, de concessão para o de autorização.
Há uma série de regras que precisam ser atendidas, para a realização da adaptação do contrato. O principal ponto diz respeito a quem pode pedir essa medida. São basicamente duas as hipóteses:
A letra da lei traz ainda as hipóteses em que se caracteriza a concorrência, ou a integração em um mesmo grupo econômico. Define ainda prazos de prorrogação, destino dos bens públicos utilizados na concessão, entre outros pontos sensíveis.
_ Novas regras para desativação ou desautorização dos empreendimentos
Para as ferrovias exploradas em regime público, por meio de concessão, a Lei das Ferrovias traz uma seção específica. Ali, estão expressas as condições de desativação desses trechos, como segue:
Art. 15. A concessionária pode requerer ao regulador ferroviário a desativação ou a devolução de trechos ferroviários outorgados antes da vigência da Lei nº 13.448, de 5 de junho de 2017, que:
I – não apresentem tráfego comercial nos últimos 4 (quatro) anos anteriores à apresentação do pedido; ou
II – sejam de operação comprovadamente antieconômica no âmbito do respectivo contrato de concessão, independentemente de prazo sem tráfego comercial, em função da extinção ou do exaurimento das fontes da carga.
Para além da situação acima, a Lei 14.273/21 ainda específica as condições de desativação para trechos operados em regime de autorização, quando for do interessente da empresa fazê-lo:
Art. 36. A autorizatária, a seu exclusivo critério, pode desativar trechos ferroviários mediante comunicação ao regulador ferroviário, com antecedência mínima de 180 (cento e oitenta) dias, devendo este tornar pública tal comunicação.
§ 1º A autorizatária pode alienar os trechos ferroviários desativados a novo investidor.
§ 2º (VETADO).
§ 3º A desativação de ramais ferroviários autorizados não é motivo para sanção da autorizatária, cabendo-lhe garantir a alienação ou a cessão para outra operadora ferroviária, ou, ainda, reparar ou indenizar os danos decorrentes de suas atividades, além de praticar os atos de recuperação ambiental determinados pelos órgãos competentes.
O novo regime de autorização, que flexibiliza e facilita a exploração de ferrovias pela iniciativa privada, trouxe ao texto da lei novos sujeitos. É o caso, por exemplo, dos investidores-associados e dos usuários-investidores, assim definidos em lei (art. 3º):
VIII – investidor associado: pessoa física ou jurídica que venha a investir na construção, aprimoramento, adaptação, ampliação ou operação de instalações adjacentes, com vistas a viabilizar a prestação ou melhorar a rentabilidade de serviços associados à ferrovia;
[….]
XXIV – usuário investidor: pessoa jurídica que venha a investir no aumento de capacidade, no aprimoramento ou na adaptação operacional de infraestrutura ferroviária, material rodante e instalações acessórias com vistas a viabilizar a execução de serviços ferroviários e serviços acessórios ou associados, e que atenda a demanda específica em ferrovia que não lhe esteja outorgada.
Na prática, enquanto o investidor associado aporta recursos com foco em instalações adjacentes à ferrovia, o usuário investidor pode contribuir diretamente para a melhoria da infraestrutura ferroviária em si.
O texto da lei prevê a figura de um “regulador ferroviário”, assim conceituado:
Art. 3º Ficam estabelecidas as seguintes definições para fins de aplicação desta Lei e de sua regulamentação:
XIII – regulador ferroviário: órgão ou entidade da União, dos Estados ou dos Municípios que tenha a atribuição de regular e de fiscalizar a gestão da infraestrutura e o transporte ferroviário de cargas ou de passageiros;
Trata-se, portanto, de um órgão que pode formar-se no âmbito federal, estadual ou municial. Mas essa não é a única entidade prevista no texto legal. A Lei das Ferrovias dispõe também sobre a criação de um “autorregulador ferroviário”, definido nos seguintes termos (art. 3º):
II – autorregulador ferroviário: entidade associativa constituída pelas operadoras ferroviárias para gerenciar, mediar e dirimir questões e conflitos de natureza técnico-operacional;
A autorregulação é, inclusive, uma das diretrizes gerais da Lei 14.273/21. Mas a própria redação do dispositivo estabelece limites para essa autorregulação:
Art. 5º A exploração econômica de ferrovias deve seguir as seguintes diretrizes:
IX – estímulo à autorregulação fiscalizada, regulada e supervisionada pelo poder público;
Na prática, portanto, o poder público seguirá tendo papel de regulação, ainda que indireto. Para saber mais sobre como uma entidade autorreguladora ferroviária poderia atuar, recomenda-se consultar o texto integral da Lei 14.273/21, em especial, no que concerne aos artigos 43 a 47.
O setor de transportes em geral e, específico, o transporte ferroviário, é regulamentado por uma série de leis. No Brasil, alguns dos principais dispositivos legais sobre o tema são:
Se você precisa se aprofundar nas regras do setor, ou quer garantir a conformidade legal da sua empresa, os textos acima representam bons pontos de partida.
Embora, com o novo Marco Legal das Ferrovias (Lei 14.273/21), os contratos de concessão sejam reduzidos, o modelo em vigência seguirá exigindo contratos – agora de adesão.
Para além disso, ao iniciar as tratativas para exploração ferroviária, a empresa interessada precisará firmar centenas de outros contratos, como aqueles de prestação de serviços, contratos de trabalho, e assim por diante.
Assim, alguns desafios estão colocados, para a gestão contratual em empresas que atuam no setor, dentre eles:
Nesse cenário, o caminho que melhor resultados tem mostrado é aquele em que os gestores de contratos apostam em:
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O Marco Legal das Ferrovias, ou Lei das Ferrovias (Lei 14.273/21) é o principal dispositivo a regular a exploração do transporte ferroviário no Brasil. A lei regula as formas de concessão da exploração, as regras para tal operação, a competência do poder público, dos órgãos reguladores e das entidades autorreguladoras, entre outros pontos.
O Marco Legal das Ferrovias foi originalmente apresentado, no Senado, pelo então senador José Serra, em 2018. O projeto foi votado e aprovado nas duas casas legislativas federais, ainda em 2021. No final daquele ano, tornou-se lei, por meio da sanção presidencial.
Como você viu, o Marco Legal das Ferrovias (Lei 14.273/21) é o principal instrumento legal a ser observado por empresas que desejam explorar o transporte ferroviário de cargas ou passageiros no país.
O jurídico e o setor de contratos precisam estar especialmente atentos no que diz respeito aos procedimentos de autorização da exploração, mas não apenas isso. Otimizar os processos internos de elaboração, revisão e gestão contratual é um passo fundamental para obter sucesso nesse setor.
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