Para compreensão dos aspectos processuais das medidas protetivas, precisa-se explanar primeiramente as disposições gerais que as rege. Assim, do art. 18 ao art. 21 da Lei Maria da Penha é possível verificar os procedimentos que devem ser realizados para proteção e garantia das mulheres e familiares.
Não há previsão legal, contudo, quanto ao rito que deve ser utilizado acerca das medidas protetivas. E dessa forma, geram-se controvérsias quanto ao seu processamento.
É importante salientar, no entanto, que o rito utilizado deve condizer com a acessibilidade às mulheres em situação de violências, celeridade, bem como de linguagem acessível e objetiva devido ao caráter de emergência destas medidas para que possam ser compreendidas.
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São as autoridades policiais que realizam os atendimentos iniciais com as mulheres, assim, como disposto no artigo 10 da LMP. Cabe, portanto, a Autoridade Policial tomar providências cabíveis quando tiver conhecimento do fato que configura violência doméstica e familiar.
Desse modo, torna-se grande desafio para as autoridades policiais não atuarem somente com os olhos voltados ao processo penal de rito comum, mas sim integrar um conjunto de medidas e ações que são incluídas pela Lei 11.340/06.
Ademais, salienta-se que a lei não atribuiu uma competência policial específica. Assim, tanto autoridades policiais civis e militares podem tomar as devidas providências que estão previstas em lei.
Dispositivo recente que foi acrescentado à Lei n° 11.340/2006 foi o artigo 10-A, ele dispõe da necessidade das mulheres serem atendidas, inclusive para posteriores medidas protetivas, por servidores preferencialmente do sexo feminino, com direito a atendimento policial e pericial, prestado, especializado, ininterrupto.
Dessa forma, evidenciam-se os dispositivos:
Art. 10-A. É direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores – preferencialmente do sexo feminino – previamente capacitados. (Incluída pela Lei nº 13.505, de 2017).
§ 1º A inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de violência doméstica, quando se tratar de crime contra a mulher, obedecerá às seguintes diretrizes: […]
II – garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulher em situação de violência doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato direto com investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas; (Incluído pela Lei nº 13.505, de 2017)
III – não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada. (Incluído pela Lei nº 13.505, de 2017)
§ 2º Na inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de delitos de que trata esta Lei, adotar-se-á, preferencialmente, o seguinte procedimento: (Incluído pela Lei nº 13.505, de 2017)
I – a inquirição será feita em recinto especialmente projetado para esse fim, o qual conterá os equipamentos próprios e adequados à idade da mulher em situação de violência doméstica e familiar ou testemunha e ao tipo e à gravidade da violência sofrida; (Incluído pela Lei nº 13.505, de 2017)
II – quando for o caso, a inquirição será intermediada por profissional especializado em violência doméstica e familiar designado pela autoridade judiciária ou policial; (Incluído pela Lei nº 13.505, de 2017) […]. (BRASIL, 2018e).
Ainda percorrendo neste viés, apontam os autores Barbosa e Foscarini (2011) que “atender a mulher vítima de violência implica oferecer uma proteção integral que não demanda somente estrutura material das polícias, mas também de recursos humanos qualificados”.
Assim, cumpre a autoridade policial atender a uma das providências que estão elencadas no artigo 11 da LMP e esclarecer quanto à legislação que protege seus efeitos e medidas, assim como esclarecer de seus direitos, como bem dispõe o artigo:
Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências: […] V – informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis. […]. (BRASIL, 2018e).
O objetivo deste artigo, então, é examinar o procedimento firmado em lei sobre as medidas protetivas de urgência.
Antes disso, contudo, é preciso evidenciar o art. 12, III, da LMP, pois, ele determina que as medidas protetivas elencadas nos artigos 22, 23 e 24 da LMP, podem ser requeridas pela vítima no momento que registram o boletim de ocorrência, merecendo o destaque medidas de caráter familiar, como: alimentos provisionais e a restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores.
Dessa maneira, é a sua redação:
‘Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: […] III – remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; […].
Após requeridas as medidas protetivas de urgência, a autoridade policial deverá remeter o expediente de forma apartada ao judiciário, para decidir acerca do deferimento ou indeferimento das medidas, considerando-se a data do registro perante a autoridade policial, como data de propositura da ação. (DIAS, 2007, p. 79).
O requerimento de medidas protetivas para que efetue seu trajeto necessita de um termo de demanda preenchido pela Autoridade Policial, que será remetido, enfim, ao judiciário contando com informações imprescindíveis, assim como com a cópia do boletim de ocorrência e depoimento das mulheres.
Em especial, o parágrafo §3°, do artigo 12 da LMP, ressalta que “serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde”, neste caso, as mulheres podem se dirigirem diretamente ao judiciário.
Em casos nos quais as mulheres que se encontrarem em situação de violência, sentindo-se incapacitadas ou alegarem desconhecimento, poderá a autoridade policial, solicitar sugerir aos magistrados que concedam de ofício das medidas protetivas de urgência como também outras providências mais restritivas, como as de direito, de liberdade que tem como fulcro a legislação processual penal.
As medidas protetivas de urgência podem ser aplicadas cumulativamente ou de forma isolada, sendo em qualquer fase do inquérito ou até quando tornar-se processo, possível também a ampliação ou a revogação à medida que decorre o curso do inquérito ou processo.
As mulheres em situação de violência têm direito a prevalência de atendimento, assim, possuem direito as primeiras providências, como bem tipificado pelos artigos 11 e 12 da LMP. Enfim, acerca do curso do inquérito policial, será adotado o mesmo procedimento geral elencado no Código de Processo Penal, respectivamente nos artigos 6° e 7° [1].
A regra para a aplicação das normas está elencada no artigo 13 da Lei 11.340/06, o qual, então, dispõe que:
Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei
Não é novidade, enfim, a aplicação da legislação processual penal e processual civil. Já a aplicação do Estatuto da Criança e Adolescente e Estatuto do Idoso, contudo, é uma novidade aduzida na lei. Assim, conforme elenca Lima (2011, p. 266):
A segunda parte é inovadora porque dirigida a uma vítima específica: à mulher adulta, ou seja, entre 18 e 59 anos de idade. Isso porque às idosas, bem como às crianças e adolescentes do sexo feminino, já são aplicados supletivamente os estatutos respectivos.
Acerca do foro para propor ação, conforme elencado pelo artigo 15 da LMP, as mulheres possuem competência concorrente de relativa. Dessa forma, podem optar por ingressarem os processos civis vigentes na lei, pelo lugar do:
Já os processos criminais ficam a cargo dos artigos 69 usque 91 do Código de Processo Penal, que delimitam a competência processual.
No entanto, é o artigo 16 da LMP [2] que merece destaque. Isto porque ele engloba a renúncia e representação das mulheres e determinam as denominadas audiências preliminares, estas audiências são designadas pelo juiz, com prévia oitiva do Ministério Público, objetivando a oitiva das mulheres acerca da representação ou renúncia quanto a continuação persecução criminal.
Expressamente a lei determina que a renúncia só poderá suceder quando tratar-se de crimes de ação penal pública condicionada à representação, ou seja, crimes que carregam no caput do artigo expressamente o texto “se procede mediante representação” [3]. Os outros crimes que não possuem o termo expresso consideram-se de ação pública incondicionada, com a exceção dos de ação penal privada.
Um dos crimes comuns praticados contra as mulheres no âmbito doméstico e familiar e que são processados mediante representação é a ameaça, com previsão legal no artigo 147 do Código Penal.
Já nos crimes de ação penal privada também podem ocorrer as audiências do artigo 16, principalmente porque, para processamento destes crimes, como a injúria por exemplo, necessita-se da vontade dos ofendidos.
Assim, observa-se que os frequentes crimes que necessitam de representação são crimes que condizem com a violência psicológica das mulheres. Este é um tipo de violência que não possui uma evidência clara ou uma marca, mas pode gerar para as mulheres grandes sofrimentos, doenças e resultar em seu isolamento.
O artigo 18 da LMP, iniciará, então, o procedimento das medidas protetivas de urgência. Assim, após o requerimento formulado nas Delegacias, caberá aos magistrados, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a competência de conhecer do expediente, decidindo acerca do requerimento. Ou seja, o deferimento ou indeferimento de medidas protetivas de urgência. Antes de adentrar nos aspectos procedimentais da concessão ou não destas medidas, todavia, precisa-se estabelecer sua natureza.
Além disso, conforme é pontuado pelos autores Didier, Oliveira (2008, p. 06-17) e Gumieri (2016, p. 31), as medidas protetivas de urgência, elencadas nos artigos 22, 23 e 24 da Lei Maria da Penha são divididas pela doutrina entre medidas de natureza civil e de natureza penal.
Assim, além das mulheres poderem demandar medidas protetivas de urgência civis perante a autoridade policial, o artigo 33 da LMP, prevê que, na ausência de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, será de competência das varas criminais acumularem a competência cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica.
Portanto, conforme como evidenciam Lavigne e Perlingeiro (2011, p. 295): “o encaminhamento do requerimento de medida protetiva, no caso da Lei Maria da Penha, exige a formação de expediente simplificado, com registro e autuação próprios, em separado, portanto, dos autos do inquérito policial ou da ação penal.”
Já o papel do Ministério público acerca das medidas protetivas, está fundamentado nos artigos 18, III, e 19, §3°, conforme a redação abaixo:
Art. 18. […]
III – comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.
Art.19 […]
§1° As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.
§2° As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.
§3° Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.
Portanto, o MP poderá requerer a aplicação de medidas protetivas ou realizar uma revisão das que já foram aplicadas.
Por fim, a decisão dos magistrados quanto a aplicação das medidas protetivas precisa considerar como especial fonte probatória a palavra das mulheres em situação de violência, devendo ser sua palavra valorada, pois, desestimar seus depoimentos resulta na incapacidade de aplicação dos mecanismos da LMP.
A respeito da duração das medidas protetivas de urgência, menciona Dias (2007, p. 80-81), “em sede de cognição sumária, não dispõem de caráter temporário, ou seja, não é imposto a vítima o dever de ingressar com ação principal no prazo de 30 dias, de caráter satisfativo, não se aplicando a limitação temporal imposta na lei civil”.
Assim, quem determina a vigência temporal e sua limitação é o magistrado, de forma que decorrido o prazo estipulado as medidas perdem sua eficácia, como também nos casos em que há renúncia. A título de exemplo, seria impertinente que no prazo de 30 dias suspender a medida de alimentos provisionais, deixando as mulheres e os dependentes sem meios de subsistência.
Enfim, acerca do descumprimento das medidas protetivas de urgência pelo agressor, neste ano de 2018, entrou em vigor a Lei n° 13.641/2018 [4], para tipificar o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência. Desta forma, há uma recente alteração na legislação. A lei é resultado da proposta feita em 2015 pela Coordenação Nacional da Campanha Compromisso e Atitude, vinculada à Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), da Presidência da República. Houve vinculações entre o Judiciário, Ministério Público e a Defensoria Pública.
Anteriormente a lei 13.641/18, os casos de descumprimento das medidas eram enquadrados e fundamentados com base nos artigos 330 ou 359 do Código Penal [5], também resultando na prisão preventiva do agressor, caso descumprisse as medidas impostas. No entanto, a nova legislação busca superar o que o STJ entendia como fato atípico, configurando então a tipicidade do descumprimento das medidas protetivas de urgência.
Em que pese a legislação regulamentar competência civil e criminal cumuladas para as varas criminais e juizados de violência doméstica e também prever as diversas medidas de caráter civil e criminal, questiona-se sobre a aceitação dessas medidas pelo Poder Judiciário, a partir da análise das concessões, será que realmente as varas competentes. Afinal, elas são de fato híbridas, como menciona a Lei?
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EXCELENTE OS MATERIAIS DISPONIBILIZADOS.
Oi, Alessandro, tudo bem?
Fico muito feliz de ler o seu comentário. Nós e nossos colunistas prezamos por um conteúdo de qualidade que seja relevante para vocês.
Abraços
Obrigada!! Fico grata